Amigos, conhecidos, colegas de trabalho, de balada, familiares, amantes, estranhos, ídolos, inimigos.
Olhando bem, dá pra notar que nossas relações se dividem basicamente nos caixotes de atração, aversão e indiferença.
Nos aproximamos de quem nos atrai, de pessoas com as quais sentimos ter afinidade ou química. Por vezes o início de um laço está ligado também a desejo, inveja, cobiça. Pode também se conectar a admiração, idolatria.
Nos afastamos daqueles que desgostamos. Não é incomum arranjar justificativas racionais complexas para ocultar birrinhas mais infantis como um simples “nunca fui com a cara dele(a)”. E somos indiferentes a grande parte das pessoas que percebemos não ter valor para nós.
Esse modo de pensar caracteriza uma perspectiva utilitária e bastante estreita das relações. É o modo padrão usado pela maioria de nós a maior parte do tempo, ainda que seja duro admitir.
Será que dá pra adicionar uma segunda camada em qualquer uma de nossas relações?
Em 2011, escutei de Gustavo Gitti uma definição de parceria que me impactou bastante e está no texto de abertura do “23 dias para um homem melhor“:
“Uma parceria pode ser assim definida: o movimento de um favorece o movimento do outro pela vida. A relação promove um avanço que ultrapassa sua redoma, invade todos os âmbitos, como quando uma mulher ajuda o marido a se alimentar melhor ou quando o sócio da empresa dá instruções de meditação para outros sócios que desejam ser menos ansiosos.”
Essa relação já era a base do que praticávamos na Cabana e hoje acontece no lugar.
Ele prossegue:
“Podemos aproveitar a proximidade da relação de paternidade, por exemplo, para sutilmente aprisionar e restringir as possíveis identidades do nosso filho (muitas vezes, sem querer, pelo simples fato de o tratarmos sempre como nosso filho) ou podemos aproveitar nossa posição para ajudá-lo a andar melhor.
Nesse sentido, melhor do que ser um bom pai ou um bom amigo é ser um bom parceiro. Melhor do que ser uma boa esposa é ser uma parceira. Melhor do que ser uma boa chefe é ser uma grande parceira. Na verdade, o que chamamos de bom pai, boa esposa ou bom chefe é justamente isso: parceiros, cúmplices de nossa felicidade.
Melhor ser parceiro, não importa se somos parceiros como amigos, namorados, pais, ex-maridos, primos, colegas de trabalho ou recém conhecidos.”
Ao cultivar relações desse modo em todas as direções, naturalmente vamos enriquecer todas elas. Não precisamos rever um amigo de longa data e ficar só nas perguntas usuais, “e o trabalho, correria? e a família, todo mundo com saúde? e a putaria, daquele jeito?”.
Proponho que é possível ter abertura e também perguntar do que importa: e aquele lance de estar se sentindo frustrado e ansioso no trabalho? e na relação com a esposa, você sente que teve mais atitudes agressivas como aquela última que me contou? tem conseguido se posicionar de modo mais generoso e paciente com sua mãe?
Essas perguntas são invasivas quando não temos o costume de escutá-las ou fazê-las. Quando ser sincero consigo mesmo e com o outro ainda não é visto como algo libertador e, para além disso, uma ferramenta tremendamente útil para nos ajudarmos coletivamente.
É ok ser vulnerável, fazer longos silêncios antes de responder, dizer que não sabe ainda, falar que talvez tudo que disse em sua primeira resposta tenha sido uma tentativa pífia de fazer parecer que estava sob controle, mas agora está preparado para abrir o jogo.
Isso não é ser fraco, é ser humano.
Podemos dialogar de coração com nossos parceiros, curiosos, escutando atentos, sem pensar no que vamos dizer antes mesmo do outro terminar de falar. Reconhecer nossas limitações e falhas sem nos culpar nos permite ser também compassivo com quem nos cerca. Pedir ajuda sincera, não pra cumprir tabela e dar uma de gentil.
Essa parceria de que falo começa com uma postura interna e se materializa em ações concretas.
Você oferece sem necessitar receber em troca, não age por meio de bondades condicionadas. Ao oferecer, já se sente satisfeito, por fazer o que acredita ser benéfico. Se o outro recusa, não retribui ou retorna com algo ruim, você entende que ele está numa bolha. Não o vê como um idiota, vê como alguém que precisa de ajuda.
Ao cultivar o hábito de ver os outros de maneira ampla, também vamos nos perceber assim. É um processo que se retroalimenta quando autêntico.
Parceiros se apresentam e se conectam com novas pessoas por meio de nascimentos elevados. Não é ser arrogante, é ser apreciativo e generoso.
Por meio dessas bases, a parceria segue com ações de benefício. Você faz recomendações de livros, filmes e conferências conectadas aos sonhos e obstáculos do outro. Você mantém contato conversando sobre o que realmente importa, não só sobre trivialidades. Você reconhece os feitos significativos e sutis do outro, aprende a elogiar – ainda que ninguém mais tenha notado. Você é sincero ao pedir apoio, por reconhecer que o outro é tão rico em potencial quando você, que ajudar também é ser ajudado, e que a chance de ser surpreendido é maior do que imagina.
Assim nos tornamos parceiros de transformação.
Prática do dia:
A tarefa de hoje é mostrar esse texto para outra pessoa (de preferência pessoalmente, num café, bar ou local que permita ao papo seguir) e propor que cultivem essa outra camada em sua relação.
O melhor modo de saber se vai funcionar é observar a relação de vocês daqui seis meses ou um ano e fazer quatro perguntas:
- Houve uma mudança nas bases ou foi apenas euforia temporária?
- Estão enxergando o outro de modo mais amplo e rico ou mais estreito e limitado?
- Conseguem se acolher e se ajudar mais habilmente em momentos difíceis?
- O movimento de um passou a beneficiar o movimento do outro na vida, pra valer?
Essa parceria não é um software a ser instalado e esquecido, é um trabalho de jardinagem constante.
Não se preocupe em cobrar e julgar o outro ou a si mesmo com severidade. Seja você um parceiro paciente e desprendido, entenda que ao agir desse modo, está cultivando uma postura que vai gerar benefícios onde quer que esteja, para si e para os outros.
Que tal, pessoal, somos parceiros?
* * *
Conteúdo de aprofundamento:
- O poder da vulnerabilidade [vídeo]
- Aprenda a falar e ouvir
- Rede: como ajudar a si mesmo e aos outros
- Seguimos!
* * *
Nota: esse texto faz parte da coleção “23 dias para um homem melhor”. Você pode ver a lista com todos os artigos já publicados aqui.
Índice de todos os 23 artigos do projeto:
- 23 dias para um homem melhor
- Aprenda a parar e cultive mais lucidez
- Aprenda a falar e ouvir
- Faça um check-up de cuidados pessoais
- Substitua um hábito alimentar ruim por um bom
- Gaste dinheiro com alguém que não seja você
- Transforme seu local de trabalho em um espaço de treinamento
- Faça trabalhos manuais
- Cultive relações de parceria
- Use a moda e o estilo como um recurso
- Crie experiências coletivas
- Faça um planejamento financeiro que realmente funcione
- Seja uma pessoa fácil de se trabalhar em parceria
- Use o corpo para se expressar
- Seja produtivo usando seu próprio método
- Faça check-ups e exames regulares – não deixe para ir ao médico quando estiver morrendo
- Aprenda a diferença entre amor romântico e amor genuíno
- Amplie seu mundo por meio da cultura
- Monte um guarda-roupa básico e matador
- Cultive mais autocompaixão, ao invés de mais autoestima
- Lembre-se que as relações sempre seguem
- Cultive disciplina
- Faça uma reserva financeira de emergência
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