Você está em uma conversa, pensa em dizer alguma coisa e sai outra. Tenta remediar e piora tudo, depois acaba gerando uma briga e a relação sai machucada disso.
Ou, em outro caso, tem algo que precisa muito falar a uma pessoa. Uma coisa que pode ajudá-la, mas no final, parece apenas que invadiu o espaço dela e falou algo no timing totalmente errado, magoando ou afastando quem supostamente era pra ser beneficiado pelo que você disse.
Ou, ainda, alguém vem compartilhar um problema ou situação na qual precisa de ajuda e você, ao invés de ouvir, já propõe milhões de soluções, como se estivesse dizendo “sai daqui, não tenho tempo pra isso. Resolve.” E, depois, ela sai frustrada, sem se sentir acolhida no que precisava.
Quem nunca tentou falar algo com a melhor das intenções e acabou estragando tudo?
Falar e ouvir parecem funções padrão do ser humano, como se viessem de fábrica já configuradas para serem usadas plenamente, mas na prática, sabemos que não é bem assim.
Aprenda a falar de coração
Somos perfeitamente capazes de gerar bastante confusão só falando besteira por aí.
Nem sequer conseguimos enxergar o quanto de fala danosa soltamos e a extensão dos prejuízos que somos capazes de causar. Isso é especialmente verdadeiro quando paramos pra pensar no alcance e na duração quase perene do que deixamos registrado nas caixas de comentários internet a fora.
Em contextos reais, por assim dizer, afastamos muita gente gratuitamente, apenas por não sabermos nos posicionar em uma conversa.
E isso só desenhando rapidamente os prejuízos de uma fala mal lapidada.
No sentido mais mundano, desenvolver a habilidade da fala certamente traz muitos benefícios. Você pode conseguir um emprego melhor, conquistar parceiros para negócios, ser bem visto entre os amigos como uma pessoa divertida ou alguém interessante para parceiros sexuais e/ou afetivos.
Mas,
em um sentido mais profundo, isso não é o suficiente. É possível passar
a vida inteira falando bem e não se comunicar verdadeiramente com
ninguém.
A fala pode se tornar só mais uma habilidade desenvolvida para sustentar teatros e personagens que não vão chegar a lugar algum. Mas também pode ser usada para demolir essas mesmas estruturas que dificultam o contato humano.
Um primeiro passo pode ser se perguntar: será possível falar sem tentar vender alguma impressão pré-concebida sobre si próprio? Eu preciso mesmo falar, será que não dá pra ficar em silêncio? Será que é possível não atacar nem defender? Será que dá para não concordar nem discordar? Se eu me despir de todas essas tendências, o que será que sobra? Se todo mundo soubesse o que se passa na minha mente, como eu agiria, o que eu diria?
Com abertura e sem tentar sustentar esses mecanismos e autoimagens, podemos começar a falar de coração pra coração, numa espécie de comunicação muito mais direta, que não está nas palavras.
Aprenda a ouvir além das palavras
Em uma sociedade que valoriza cada vez mais a fala e a capacidade de chamar a atenção de grandes audiências, parece que ouvir é uma habilidade que está ficando em segundo plano.
Exatamente por isso, ela nunca foi tão importante.
Quando ninguém ouve, a sensação de indiferença e violência permeia o ar, bons debates são interrompidos por agressões gratuitas e fala inútil, nada é enriquecido, temos um empobrecimento das relações. Guerras começam quando falta a disposição de ouvir.
Ouvir,
aqui, não significa apenas usar bem o sentido da audição, entender bem
mensagens ou identificar nuances sonoras. Estamos falando de cultivar um
estado de abertura para além dos interesses mais óbvios, do gosto ou
não gosto, quero ou não quero, me interessa ou não interessa.
Escrevi em um texto sobre ouvir: “Uma pessoa capaz de ouvir os seres em seus mundos é alguém que vive em um universo vasto, repleto de novidades e riquezas ainda não descobertas. Ela sabe que todos os que se aproximam podem oferecer infinitas possibilidades e esta acaba se tornando a dimensão de seu próprio mundo.”
Podemos começar hoje mesmo, tentando ouvir as pessoas e situações por completo, não contaminando o que ouvimos com significações próprias, relaxando sem agitar braços ou pernas enquanto o outro fala, sem tentar adivinhar o que está para ser dito, mantendo o foco e tentando suscitar empatia pela pessoa que está na nossa frente.
É um exercício pra vida inteira, mas que quanto mais cedo for iniciado, melhor.
* * *
Sobre esses dois tópicos acima, escrevi mais profundamente nesses textos:
Além disso, temos esses outros textos que também podem aprofundar o tema:
- Por que ironia e sarcasmo tendem a ser tão devastadores em conversas digitais
- Comunicação não-violenta: o que é e como praticar
- Como fazer melhores críticas e ser ouvido
- Por que transformamos tudo em zoeira?
- Seis dicas de Arne Naess para um bom debate
Observe-se enquanto ouve com atenção durante uma semana
Experimentar ouvir além das suas predisposições usuais durante uma semana, de verdade. Observe como seus gatilhos internos funcionam e seus argumentos e condicionamentos surgem, tente falar à partir desse outro local de escuta mais aberta, ampla e generosa, quase como se fosse um mediador em uma zona de guerra.
Você pode se surpreender ao notar o quão co-responsável é por conversas difíceis que parecem não sair do lugar – e o quanto essa atitude pode ajudar.
Como atitude prática para ajudar, quando sentir que a escuta está difícil, tente respirar fundo sem fazer aquele som e expressão facial de desdém e desânimo, respire fundo de modo mais discreto e recobre sua lucidez para seguir com o experimento.
* * *
Nota: esse texto faz parte da coleção "23 dias para um homem melhor". Você pode ver a lista com todos os artigos já publicados aqui.
Índice de todos os 23 artigos do projeto:
- 23 dias para um homem melhor
- Aprenda a parar e cultive mais lucidez
- Aprenda a falar e ouvir
- Faça um check-up de cuidados pessoais
- Substitua um hábito alimentar ruim por um bom
- Gaste dinheiro com alguém que não seja você
- Transforme seu local de trabalho em um espaço de treinamento
- Faça trabalhos manuais
- Cultive relações de parceria
- Use a moda e o estilo como um recurso
- Crie experiências coletivas
- Faça um planejamento financeiro que realmente funcione
- Seja uma pessoa fácil de se trabalhar em parceria
- Use o corpo para se expressar
- Seja produtivo usando seu próprio método
- Faça check-ups e exames regulares – não deixe para ir ao médico quando estiver morrendo
- Aprenda a diferença entre amor romântico e amor genuíno
- Amplie seu mundo por meio da cultura
- Monte um guarda-roupa básico e matador
- Cultive mais autocompaixão, ao invés de mais autoestima
- Lembre-se que as relações sempre seguem
- Cultive disciplina
- Faça uma reserva financeira de emergência
publicado em 01 de Fevereiro de 2015, 00:05