Precisamos falar sobre Federer e Nadal | Mais que um jogo #18

Os dois são os maiores vencedores de Grand Slams da história do tênis mundial, mas podem ter sido a última vez que vimos os dois juntos em ação

Nós já conversamos sobre bastante coisa nessa nossa coluna de esportes. Por se tratar da primeira Mais que um jogo do ano, fiz um pequeno retrospecto do que já falamos por aqui e percebi que passamos por futebol, basebol, basquete, MMA, natação, futebol americano, ginástica, atletismo e até esgrima, mas me chamou atenção começar esse ano e escolher pela terceira vez em 18 oportunidades falar justamente sobre tênis.

Confesso que não se trata sempre de uma escolha óbvia pra mim, apesar disso, as circunstâncias têm nos propiciado abordar bastante esse esporte que, como disse em outro texto, exige uma certa dose de loucura de seus praticantes. Mesmo com essa recorrência, uma lacuna ainda precisava ser preenchida para que essa série se torna mais completa. E é por isso que apelei e recorri a um dos maiores clichês da atualidade pra te convocar: precisamos falar sobre Roger Federer e Rafael Nadal.

A final dos sonhos

Nenhum fã de tênis é capaz de negar que a modalidade evoluiu muito nas últimas décadas. A exigência física, a noção tática e, sobretudo, a qualidade técnica se tornaram muito maiores e grande parte disso se deve aos excelentes jogadores que temos no circuito mundial atualmente. Todos eles. Só que mesmo com competitividade e exigência tão altas, podemos dizer, sem medo de cometer exageros, que Federer e Nadal conseguiram se destacar e se consolidaram como dois dos maiores tenistas de todos os tempos.

Tenho até um certo medo de fazer uma afirmativa como essa porque sei que comparar gerações é sempre muito complicado. A gente termina fazendo relações forçadas e formulando hipóteses cada vez mais distantes da realidade. Isso sem contar o risco de acabar menosprezando uns para tentar valorizar outros. Mas creio que, dessa vez, posso fazer isso com segurança dado que, para resumo de conversa: Rafael Nadal (14) e Roger Federer (17) são os maiores vencedores de Grand Slam (os principais campeonatos de tênis do mundo) da história. E foram justamente eles que fizeram a tão sonhada quanto inesperada final do Australian Open 2017 no último domingo. Mas não é só isso.

Tabela ainda desatualizada em relação ao resultado do último domingo.

Há alguns meses, um indivíduo que apostasse na final entre os dois rivais no primeiro Grand Slam do ano seria considerado louco. Federer e Nadal passaram por lesões graves que impediram ambos de competir por alguns bons meses no ano passado. Enquanto seus adversários aproveitavam a ausência para somar cada vez mais pontos no ranking da ATP, a dupla foi sendo deixada cada vez mais pra trás.

Federer se machucou durante o Australian Opne do ano passado, mas curiosamente, longe da quadras. Enquanto dava banho nas filhas gêmeas, o suíço sentiu um estalo no joelho esquerdo e depois foi descobrir que precisaria passar pela primeira cirurgia de sua longa carreira: uma artroscopia para reconstituir o menisco. Entre idas e vindas, o jogador decidiu abandonar uma série de competições, incluindo Roland Garros e os Jogos Olímpicos, e parar por metade da temporada em busca de uma recuperação ideal que lhe permitisse competir por mais alguns anos. Na época, disse:

"Estou extremamente decepcionado em anunciar que não serei capaz de representar a Suíça nos Jogos Olímpicos do Rio e que perderei também o restante da temporada. Considerando todas as opções depois de consultar com meus médicos e meu time, eu tomei a decisão muito difícil de dar um fim à minha temporada de 2016, pois preciso de mais tempo de reabilitação após minha cirurgia no joelho no começo deste ano.

Os médicos aconselharam que se eu quiser jogar no circuito da ATP livre de lesões por mais alguns anos, como pretendo fazer, preciso dar a meu joelho e meu corpo o tempo apropriado para total recuperação.

É duro perder o resto do ano. No entanto, o ponto positivo é que essa experiência me fez perceber quão sortudo fui durante minha carreira com tão poucas lesões. O amor que tenho pelo tênis, pela competição, pelos torneios e, é claro, por vocês, os fãs, segue intacto. Estou mais motivado do que nunca e planejo colocar toda minha energia para voltar forte e em forma para jogar tênis em 2017."

Roger Federer - à época de sua decisão em julho/16

Já a lesão de Nadal foi no punho e as decisões em relação ao tratamento, um pouco diferentes. Depois de se ver obrigado a abandonar Roland Garros (seu torneio favorito) no meio da competição, o espanhol abriu mão de jogar Wimbledon, mas não de disputar os Jogos Olímpicos. Jogando duplas e simples, Nadal foi porta-bandeiras da delegação de seu país e conquistou mais duas medalhas olímpicas, mas viu sua lesão se agravar a ponto de também tirá-lo da temporada. Sobre isso, declarou:

"Não é segredo que cheguei ao Rio 2016 com pouca preparação e não totalmente recuperado, mas o objetivo de competir e conquistar uma medalha para a Espanha foi alcançado. A recuperação forçada me trouxe sofrimento desde então e agora sou forçado a parar e começar a me preparar para 2017.

Estou muito triste por não poder atuar na próxima semana em Basel, já que guardo ótimas memórias do torneio e da final que joguei contra Roger Federer no último ano. Eu não serei capaz de competir em Paris-Bercy também, onde a torcida e a organização sempre me trataram muito bem. Mas agora é hora de descansar e começar uma preparação intensa para a temporada 2017."

Rafael Nadal - à época de sua decisão em novembro/16

Por se tratar justamente de um retorno de lesão de ambos, restavam muitas dúvidas sobre a capacidade física deles, ainda mais se tratando de um campeonato tão exigente quanto o Australian Open, com sete partidas decididas em melhor de cinco. Mas tanto Nadal quanto Federer foram avançando, viram os favoritos caírem um a um, desbancaram concorrentes que estavam a frente no ranking e chegaram juntos à improvável final.

Muita coisa em jogo

Rivais e amigos, Nadal e Federer tiveram carreiras repletas de glórias e travaram batalhas épicas em várias oportunidades. Dessa vez, até por tudo que eles foram capazes de apresentar durante o torneio, ninguém esperava que fosse diferente. Mas fora os pontos disputados na final do último domingo, havia muito mais em jogo.

Por vias diferentes, eles trilharam caminhos igualmente gloriosos que se cruzaram 35 vezes, sendo 8 em decisões de Grand Slams. O espanhol tem vantagem nos confrontos diretos: são 23 contra 11 no total e 5 a 3 em finais. Mas o suíço tem mais títulos na carreira: como já citamos, 17 a 14.

Se para Nadal as lesões sempre foram um problema. Para Federer, os questionamentos sempre foram em torno da idade. Enquanto um é conhecido por ter um jogo extremamente físico, outro se apresenta como um jogador extremamente técnico. O espanhol é mais novo. O suíço mais experiente. O equilíbrio é tão grande que fica difícil escolher entre eles. E é por isso que se tornou tão comum ver cartazes como este nas arquibancadas:

FEDAL é resultado da junção de FEderer + NaDAL.

E é por isso que uma decisão entre eles não poderia ser algo decidido facilmente. Algo como uma vitória de 3 a 0 para qualquer um dos lados seria quase um desrespeito. A partida tinha que ser uma batalha incrível, um duelo extraordinário, uma decisão difícil de ser tomada até mesmo pelo destino. E foi exatamente assim que aconteceu:

Link Youtube - o que está sendo apontado por alguns com uma das melhores partidas de todos os tempos.

Foram 3h37 de lances geniais até que pudéssemos declarar um vencedor. Vitória por 3 sets a 2, em parciais de 6/4, 3/6, 6/1, 3/6 e 6/3 a favor de Federer. Com o resultado, o suíço pula de 17º para 10º no ranking e o espanhol de 9º para 6º. Mas a essa altura, o resultado parece uma mera formalidade, tanto que Federer declarou:

"Acho que nós dois não imaginávamos há quatro, cinco meses, que estaríamos em uma final de Grand Slam. Estou feliz por você [Nadal] também. O tênis é um esporte difícil, feito por duelos. Se eu pudesse, dividiria o meu troféu com o Rafa. Conseguimos chegar até aqui, e eu só tenho a agradecer. Obrigado por tudo. A equipe de Rafa trabalhou duro e torço pelo sucesso de vocês. […] Por favor continue jogando tênis. O tênis precisa de ti."

Roger Federer

Ao passo que Nadal respondeu:

"Melbourne sempre estará no meu coração. Eu tive tempos difíceis sem chances de competir em totais condições. Trabalhei muito forte para estar onde estou hoje e foi uma grande partida. Obviamente Roger foi melhor do que eu, mas eu vou continuar tentando. Sinto que voltei a um nível muito alto. Vou continuar a lutar durante o ano para ter uma boa temporada e quero voltar aqui por muitos anos para ter novamente aquele troféu comigo [...] Agora sei que falei muito, vou deixar Roger receber o troféu. Até o próximo ano."

Rafael Nadal

A verdade é que o jogo ganhou destaque e simbolismo porque não sabemos quando voltaremos a ver uma partida entre eles e, muito menos, se teremos alguma oportunidade de revê-los decidindo um Grand Slam.

Aos 30 anos, Nadal sempre conviveu com lesões graves que podem tanto abreviar sua carreira como impedi-lo de jogar em alto nível por mais muito tempo. Da mesma forma, Federer, aos 35 anos, desafia ano após ano os prognósticos de sua aposentadoria. Desde 2012, quando ele conquistou seu último grande título até então, os críticos apontam que a hora de ter parado no auge passou.

Federer parece ter consciência disso, mas não demonstra estar preocupado. Se Nadal permanece motivado por acreditar que pode voltar a atingir o topo do ranking e quem sabe até tenha tempo para superar Federer em um ou dois anos, o suíço já declarou mais de uma vez que não se importa de perder posições no ranking desde que continue tendo condições de competir de igual para igual nos torneios.

Da nossa parte, a gente segue torcendo para que ambos sigam mostrando como o esforço recompensa e que não importa quão glorioso ou frustrante tenham sido seus momentos, a vida sempre continua. E independentemente de termos outros confrontos entre eles daqui em diante, ficamos de antemão com a certeza de que precisamos lembrar para sempre do que fizerem Roger Federer e Rafael Nadal.

O público chegou cedo, acompanhou 3h37 de jogo e viu o dia anoitecer em Melbourne enquanto Nadal e Federer jogavam.
A procura foi tão grande que muita gente pagou ingresso só para assistir a partida pelo telão de uma quadra secundária do complexo onde o Australian Open foi disputado. Em respeito aos fãs, Federer passou por lá depois da vitória para agradecer a presença de todos.
E o pessoal que não tinha grana pra pagar também se amontoou do lado de fora para assistir a partida de telões o mais perto possível do clima do jogo.
Eles também anoiteceram por lá, entusiasmados, até que houvesse um vencedor.
Nadal buscava seu segundo título do Australian Open em sua quarta participação na final. O único título do espanhol no torneio foi justamente sobre Roger Federer em 2009.
Do outro lado, Federer buscava o quinto título do Australian Open em seis decisões. A única final que o suíço perdeu na Austrália foi justamente para Nadal em 2009 e seu último título tinha sido em 2010, por 3 a 0.
Nadal precisou suar muito para vencer duas parciais do jogo.
Federer até chegou a pedir atendimento médico na quadra, mas resistiu bem e foi capaz de fechar a partida no quinto set.
Após pedir desafio da marcação da arbitragem de bola fora e vencer, Federer comemora quinto título do Australian Open como se fosse o primeiro de sua carreira.
Federer e Nadal se cumprimentam em protocolo oficial logo após o último ponto da partida.
Nadal recebe troféu de vice-campeão do Australian Open pela terceira vez e faz discurso agradecendo aos fãs, patrocinadores e à toda sua equipe, além de parabenizar Federer.
Federer recebe seu quinto troféu do torneio e amplia sua liderança em conquistas de Grand Slams.
Já com troféus em mãos, Federer e Nadal se cumprimentam novamente, dessa vez durante a cerimônia de premiação logo após a partida ainda na quadra central.
Federer não se esqueceu e repetiu o gesto de beijar o troféu que é o 18º de sua coleção particular.

***

Mais que um jogo é uma série de esportes de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às terças-feiras.


publicado em 01 de Fevereiro de 2017, 02:53
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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