Uma verdadeira lenda, eu te conto o que é | Mais que um jogo #10 olímpica

Idade, guerra, câncer, não há obstáculos que parem essa mulher

Os Jogos Olímpicos são o momento certo para marcar o nome na história. Um atleta bem sucedido nessa competição será lembrado para sempre pelos seus e servirá de inspiração para milhões de pessoas anos a fio.

Quando os livros de história contarem o enredo das primeiras décadas do século 21, as páginas dedicas às Olimpíadas certamente terão como protagonistas nossos contemporâneos Michael Phelps e Usain Bolt.

O nadador americano disputou cinco edições dos Jogos Olímpicos. Competiu em 29 provas. Ganhou 28 medalhas. Sendo 23 delas de ouro. São tantos recordes quebrados com esses números que é até difícil citá-los. Basta dizer que Phelps é o maior medalhista olímpico de todos os tempos.

Bolt não fica muito atrás. Aliás, atrás é onde ele não fica mesmo. O corredor jamaicano disputou três edições. Foram – até este exato momento – sete provas, sete finais, sete medalhas, sete vitórias. 100% de aproveitamento. Bolt é, até onde se tem notícia, o ser humano mais rápido da história.

Juntos eles quebraram barreiras, inspiraram gerações, estabeleceram paradigmas e colocaram o limite do ser humano na terra e na água um pouco mais longe. Natural, portanto, que recebam comumente o título de verdadeiras lendas do esporte.

Mas nem só de feitos iluminados pelos holofotes do mundo inteiro que lendas são forjadas. Elas também podem ser escritas num quase anonimato, guardadas pelo tempo e redescobertas anos depois para serem, então, finalmente consagradas.

Este é o caso da nossa personagem de hoje.

Uma atleta do mundo

Longe das pistas e das piscinas, a ginástica artística nos rendeu algumas dos melhores momentos desses Jogos Olímpicos até aqui. Enquanto o Brasil conquistou três medalhas e alguns resultados inéditos, os Estados Unidos apresentaram Simone Biles e o mundo inteiro conheceu a ginasta candidata a novo fenômeno olímpico. Com dois ouros e um bronze no peito, Biles evita comparações e deu uma declaração ainda melhor que suas apresentações deixando isso claro:

"Eu não sou o próximo Usain Bolt ou Michael Phelps. Sou a primeira Simone Biles"

Simone Biles – ginasta americana de 19 anos

Biles é a nova cara de um esporte que exite muito do corpo, que expões os atletas à lesões graves e por isso mesmo é dominado por jovens. Porém, como eu disse, longe dos holofotes também se quebram barreiras e é exatamente isso que a quase anônima Oksana Chusovitina faz.

Aos 41 anos de idade, ela carrega consigo a experiência de sete Jogos Olímpicos. No esporte dos jovens, ela compete com meninas com idade para serem suas filhas e constrói uma história incrível.

Dona de uma medalha de ouro e uma de prata, Chusovitina começou a competir nos Jogos Olímpicos em Barcelona-1992. De lá pra cá, não parou mais. Mas detalhes tornam a história dessa ginasta ainda mais especial.

Rosto marcado pelo tempo. História marcada por dificuldades e conquistas.

Nascida na antiga União Soviética, ela viu seu país se fragmentar e disputou a primeira olimpíada pela Equipe Unificada – já que as nações derivadas da dissolução da URSS ainda não estavam consolidadas. Ao lado de duas bielorussas, duas russas e duas ucranianas que se encontravam na mesma situação conquistou o ouro por equipes quando a maioria das ginastas com quem compete hoje sequer tinha nascido.

Bukhara, sua cidade natal, logo passou a fazer parte do território do Uzbequistão e este passou a ser reconhecido como um país independente. Chusovitina, portanto, foi a sua segunda olimpíada defendendo sua segunda bandeira diferente.

Ainda sem muita identificação com o novo país, a ginasta não colheu bons resultados em Atlanta-1996. Classificada para a final de sua melhor prova, mas terminando apenas na décima colocação, Chusovitina pensou em desistir.

Parar não parece fazer parte do vocabulário dela.

No ano seguinte casou-se com um lutador greco-romano e dois anos depois deu à luz seu primeiro e único filho: Alisher. Quando a vida em família ia bem e parecia que o esporte não tinha mais volta, ela surpreendeu a todos, voltou a treinar e conquistou a vaga para os jogos de Sidney-2000.

Apesar da classificação precoce, não se podia esperar muita coisa da atleta que tinha voltado a treinar a tão pouco tempo. Assim, Chusovitina teve uma participação discreta e terminou na 45ª colocação geral.

Aos 25 anos e mãe de um filho, todos davam como encerrada a carreira da ginasta que começou aos 9 e, portanto, já tinha dedicado 16 anos ao esporte. Talvez ela mesma estivesse convencida disso, mas a vida deu mais uma volta e impediu Oksana de se afastar da ginástica.

Dois anos depois de competir em Sydney, ela viu seu filho Alisher ser diagnosticado com leucemia.

Sem condições financeiras de arcar com os custos do tratamento e encontrando situações longe das ideais no Uzbequistão, a família já não enxergava mais alternativas quando ela foi convidada a treinar num clube alemão. O que parecia um contrassenso, foi a salvação. Atuando na Alemanha, a ginasta conseguiu um plano de saúde e emplacou uma campanha de arrecadação de fundos para bancar o tratamento de Alisher.

O menino foi pouco a pouco se recuperando e as forças que voltavam para ele também se refletiam em novos impulsos para Chusovitina. Com a estrutura alemã, semelhante a que tinha na antiga União Soviética, a ginasta uzbeque novamente se classificou para os Jogos Olímpicos e seguiu sua volta ao mundo, dessa vez em Atenas-2004.

O resultado novamente não foi lá grande coisa, mas agora aquilo era o que menos importava. Alisher se recuperava e dependia da sequência da carreira de sua mãe para seguir o tratamento.

Nunca foi fácil pra ela

Com a estrutura de ponta na Alemanha, Chusovitina seguia competindo e provou que ainda tinha muito a render. Em 2006, conseguiu cidadania alemã e alguns meses depois obteve índice para participar de sua quinta edição de Jogos Olímpicos.

Em Pequim-2008, defendeu sua terceira bandeira diferente nas Olimpíadas e deixou os alemães orgulhosos com o melhor resultado individual da carreira: medalha de prata no salto.

O excelente resultado deu gás para encarar um novo ciclo olímpico e novamente lá estava ela em Londres-2012, aos 37 anos, para sua sexta olimpíada. O quinto lugar no salto não foi o melhor desempenho da carreira, mas certamente o mais saboroso, isso porque logo depois Chusovitina recebeu a notícia de que Alisher tinha vencido o câncer.

"Ele (Alisher) é minha maior inspiração. E a ginástica é minha vida."

Sem depender mais do tratamento, em 2013, a família deixou a Alemanha e retornou ao Uzbequistão muito grata por tudo. Sem a mesma infraestrutura, sem o mesmo incentivo e com a certeza de que já tinha cumprido tudo que precisava no esporte, Chusovitina ainda se sentia bem, brincava com a idade e queria uma nova tentativa.

"No pódio, somos todas iguais, com 40 ou 16 anos. Você só precisa ir lá e fazer o seu melhor. Mas é uma pena que não tenha pontuação por idade. Me sinto bem. Não tenho dor, nem problemas. O mais difícil, para mim, é esperar pelo próximo treino."

Devido à situação extraordinária que vivia, a ginasta foi liberada para voltar a competir pelo seu país e reuniu todas as forças para lutar por uma vaga na sua sétima olimpíada consecutiva. E conseguir.

Rio: será que foi a última?

No Rio de Janeiro, chegou à final novamente e terminou a competição, aos 41 anos, com o sétimo lugar. Questionada sobre sua idade e seu final de carreira respondeu:

"Por que me perguntam tanto sobre minha despedida? Não querem mais me ver em Olimpíadas? Eu nunca disse que essa seria a última. Vamos ver."

Após sua última prova - nesta Olimpíada - é difícil saber se este foi seu último salto. Em Tóquio-2020 ela terá 45 anos e qualquer hipótese de vê-la competindo parece um feito sobrenatural. Mas quem está disposto a duvidar dela?

"Estarei lá e convidarei todos vocês."

Tomara.

Até logo.

publicado em 16 de Agosto de 2016, 13:20
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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