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Guia prático de amamentação para um pai de primeira viagem

Ou segunda, ou terceira.

Temos o hábito de romantizar o desconhecido e acabamos não dando a real importância ao processo do aprendizado. É assim com muitos pais. Para vários homens mundo afora, é só no momento do nascimento que o sentimento de ser pai realmente aflora. A partir daí se inicia uma das maiores aventuras da sua vida e, com certeza, o maior desafio de um ser humano: a formação de outro ser humano. 

Embora muitos pais ainda não saibam, o apoio durante o aleitamento materno é primordial para o sucesso nessa etapa. Pesquisadores reuniram 214 casais que em breve teriam seu primeiro bebê e os dividiram em dois grupos. No primeiro, eles apenas receberam orientações e informações sobre amamentação. Já no segundo grupo, os pais estudaram sobre o tema de 6 a 12 semanas antes do parto. A pesquisa concluiu que quando as mulheres sentem o suporte dos seus companheiros, as chances da continuidade da amamentação durante o período recomendado aumentam, mesmo nos momentos de dúvidas e dificuldades. Aliás, falando nelas:

Dificuldades na amamentação

Recentemente, recebi uma mãe que me pedia uma avaliação para o uso do leite em fórmula para o filho. O leite materno é o alimento mais adequado para nutrir as crianças até os 6 meses de vida, então é sempre preciso avaliar o caso e entender qual a real motivação ou necessidade para dar uma fórmula à criança.

Neste caso, a mãe não tinha nenhuma contra-indicação, produzia leite suficiente, mas tinha algumas dificuldades no manejo. Ela foi orientada e pegou o jeito, mas insistiu na solicitação da fórmula. Tinha algum problema maior ali, e eu descobrir o que era.

O problema era o pai.

No período da noite, quando a família se reunia para assistir televisão, era comum a criança sentir fome e chorar pelo leite. A mãe se prontificava a oferecer o peito, mas com suas dificuldades de manejo e de pega, a criança continuava a chorar. Isso irritava o pai a ponto de mandá-la fazê-lo parar a qualquer custo, e achar uma forma que fosse pra que o bebê parasse de se esguelar.

Essa mãe precisava apenas de apoio e motivação. Não conseguiu em casa e procurou apoio profissional. O pai não compareceu a nenhum encontro conosco, mesmo após alguns convites.

Casos como esse são muitos comuns. As famílias não compreendem as transformações, não estão preparadas para criar crianças e ainda são estimuladas às facilidades pelas empresas do ramo.

É importante entender que a mulher nem sempre sabe todas as respostas, nem sempre sabe lidar com situações novas e difíceis e não é tudo instintivo e intuitivo. Os dois estão aprendendo.

Agora, uma vez que família concordou em aprender junto, ofereço alguns problemas comuns e suas possibilidades de  solução.

O primeiro e principal: a pega correta

Lembra do exemplo lá de cima? A principal dificuldade técnica era a pega, que não estava dando certo. Não à toa, essa dificuldade é um dos maiores motivos de desistência da amamentação.

Nessa etapa o suporte do pai é indispensável. Para evitar dores e rachaduras no bico dos seios da mãe, o bebê deve fazer a pega corretamente durante a mamada. Caso o pai observe que a criança abocanha somente o mamilo, é melhor tirar do peito (insira o dedo mínimo no canto da boca do bebê e abaixe sua mandíbula para liberar a pressão da sucção) e o recolocar, até que pegue também boa parte da auréola. A boquinha deve estar bem aberta, com os lábios voltados para fora e o queixo encostado na sua pele. O próximo passo é monitorar a efetividade da sucção. Covinhas e barulhos não são sinais positivos. Fique atento, pai.

Mamadas noturnas

É mais que natural uma criança acordar com frequência para mamar no peito. Afinal, até recentemente ela estava no útero e podia se alimentar quando desse vontade. Por isso, esse muito provavelmente é um grande desafio para a família e para o pai, que vai precisar ser muito paciente, compreensivo e prestativo.

Muitas crianças só começam a dormir uma noite inteira por volta de um ano de idade. Por não saber disso, famílias podem ficar assustadas com esses horários e pensar que o leite materno não é o suficiente para matar a fome da cria, já que ela acorda de hora em hora.

Calma! Isso não é motivo de preocupação, acontece porque o esvaziamento gástrico é bem rápido nas crianças pequeninas. O leite materno é mais que suficiente pra sua nutrição.

Além disso, os níveis de prolactina no corpo da mulher são maiores durante a noite, e são as mamadas noturnas que estimulam a fisiologia materna para a quantidade de leite necessária para o dia. Quando a mãe não amamenta durante a noite, ela arrisca ter uma menor produção de leite, muitas vezes a ponto de não conseguir mais amamentar.

Dica: será muito tentador oferecer fórmulas ou alimentos industrializados para a criança dormir por mais tempo, inclusive como recomendações de alguns profissionais de saúde. Evite.

Quando entra a mamadeira?

Uma das maiores preocupações e dificuldades dos pais são em relação a como dar continuidade ao aleitamento materno depois do término da licença, ou nos momentos nos quais a mãe tem que ficar longe de casa temporariamente.

As soluções mais comuns são as mamadeiras e leites artificiais, mas o que não nos contam é que o instrumento bonitinho e simples pode provocar o desmame precoce – isso é, o bebê parar de tomar leite do peito antes do desejado. Isso acontece pela falta do estímulo de sucção ao seio materno e pela “confusão de bicos” que ocorre.

A recomendação é de que o aleitamento materno ocorra de forma exclusiva até o sexto mês de vida e complementar a outros alimentos até os dois anos de idade ou mais.

Como o pai pode ajudar?

Usar métodos que favoreçam a continuidade do aleitamento materno nessas situações pode ser positivo:

- A mãe ordenha o leite materno, manualmente ou com bomba, e estoca no congelador. O pai pode ficar como responsável pela alimentação do bebê na ausência materna: basta descongelar o leite em banho-maria.

- O leite materno já descongelado e na temperatura adequada pode ser oferecido ao bebê por meio de copo ou colher (o padrão motor oral nesta forma de alimentação é mais semelhante ao utilizado na sucção ao seio materno, do que na mamadeira). Existe uma técnica adequada para se oferecer o leite desta forma e dá pra aprender aqui.

- Nos momentos em que a mãe estiver na presença do bebê, recomenda-se oferecer o seio materno como forma de alimentação. É bem importante que o pai reforce essa ideia.

Socorro, a criança não para de chorar!

Desde os primeiros instantes após o nascimento, o bebê se comunica pelo choro (que serve como instinto de sobrevivência), mas demora algum tempo para que os pais ou responsáveis pela criança consigam identificar os motivos.

Isso pode trazer angústia e frustração, já que estamos acostumados a associar o choro a sentimentos negativos, como dor ou desconforto. Mais frequentemente ainda associamos o choro do bebê à fome, principalmente se ele é a amamentado no peito (pela dificuldade de mensurar a quantidade de leite que tomou), e isso acaba reforçando alguns mitos como o do leite fraco.

Bem importante lembrar que os bebês vão usar esta ferramenta por um longo período, e para comunicar os mais diversos sentimentos e sensações, que podem estar associados tanto a desconforto quanto à temperatura, dor, fome, fralda suja, insegurança e necessidade de colo ou proximidade de um cuidador. Com o desenvolvimento do bebê e os laços de intimidade criados entre ele e seus pais ou cuidadores, vocês vão aprender a diferenciar cada tipo de choro e ler as expressões faciais e corporais da criança. Atenção e apego nos cuidados com o bebê facilitam esse processo.

Chupeta: dou ou não dou?

Os pais descobrem rapidinho que a criança se acalma quando está sugando algo e que coloca na boca tudo o que estiver ao seu alcance. Somado ao desespero de um bebê que chora irremediavelmente, é aí que entra a chupeta. 

O problema é que a introdução de bicos artificiais, como já comentado, pode atrapalhar e até mesmo causar um desmame precoce.

Além disso, há distúrbios associados ao uso da chupeta, como alterações respiratórias, ortodônticas, de sucção, mastigação, deglutição e fala.

Lembre-se que o bebê está na fase oral do desenvolvimento, ou seja, ele está explorando o mundo pela boca. Essa fase dura até após o primeiro ano de idade. Isso significa que há um fator psicológico associado à sucção e podemos utilizar outras estratégias para compensar essa necessidade. Para evitar todas as alterações causadas pela introdução desses bicos artificiais e mesmo assim driblar o choro, o pai pode:

- Oferecer calor humano, colo, afeto, olho no olho e uma voz conhecida para acalmar a criança. Se ainda precisar da sucção depois disso, será muito mais proveitoso que ele sugue o seio materno. Lembrando que a orientação é oferecer o peito em livre demanda;

- Massagens, shantala e sling promovem contato pele a pele e aumentam a confiança do bebê nos seus cuidadores, fortalecendo o vínculo afetivo;

- Ler histórias, cantar e conversar com o bebê, além de ajudar a acalmá-los, propicia um bom desenvolvimento da linguagem da criança;

- Banhos de ofurô ajudam a acalmar o bebê, já que têm efeito relaxante e lembram-no do ambiente uterino.

Amamentação em público

Nos últimos tempos temos visto pela internet um aumento de notícias sobre mães que foram coagidas ou mesmo obrigadas a não a amamentar seus filhos em locais públicos. Circulou até uma falsa notícia de que mães que amamentassem em público pagariam multa e, por mais absurdo que isso possa parecer, muita gente acreditou.

Isso rolou em diversas cidades e estados do país, e reflete uma cultura machista, na qual é aceitável vermos mulheres seminuas em propagandas, programas de TV e na época de carnaval, mas que considera vergonhoso a mulher estar com os seios expostos para alimentar seu filho. Somado a isso, observamos a inversão de papéis difundida pela indústria de leites em pó nas últimas décadas, na qual o método considerado “natural ou normal” de alimentação dos lactentes passou a ser da mamadeira. 

Esse assunto gerou repercussão tanto na sociedade civil quanto nas organizações que apoiam e incentivam o aleitamento materno, surgindo em contrapartida movimentos como “hora do mamaço” em diversas cidades do Brasil, durante a semana mundial da amamentação (comemorada em Agosto), e em programas de TV.

No estado de São Paulo foi sancionada uma lei que prevê multa de R$ 500,00 para os estabelecimentos que proibirem mães de amamentar seus filhos em público. Fora do Brasil, campanhas publicitárias já chamavam atenção para o assunto.

Lembrando que uma das vantagens do aleitamento materno é ter o alimento disponível para o bebê em qualquer hora, local e na temperatura e condições ideais. Algumas outras dicas podem ajudar pai e mãe:

- Escolher um local onde vocês estejam confortáveis e tranquilos, de preferência com encosto para as costas e apoio para o bebê. O sling pode ajudar bastante nestes momentos;

- A mãe pode usar roupas confortáveis e que facilitem a amamentação, como por exemplo, blusas de botão, zíper ou mais larguinhas (fica a dica para presentes);

- Fique atento aos sinais de fome do bebê, sempre lembrando que a recomendação é alimentá-lo em livre demanda;

- É ideal que a mãe também mantenha-se hidratada e alimentada, para ter energia para amamentação;

- Os pais, acompanhantes e sociedade em geral podem e devem ajudar a nutriz nesse momento, dando apoio e ajuda no que for necessário.

Cuidados maternos

Durante a gestação, ocorrem modificações na estrutura das mamas que as preparam para a amamentação. Embora a ação hormonal torne os mamilos mais resistentes, sempre há riscos de fissuras causadas pela pega inadequada do bebê durante a sucção ao seio materno. Não existe método milagroso para resolver o problema, por mais que existam produtos no mercado que prometam isso.

Para ajudar, recomende à mulher que não utilize cremes ou pomadas nos mamilos, nem lave-os imediatamente após as mamadas. Como o próprio leite materno contém propriedades bactericidas e hidratantes, sugira passar um pouco nos mamilos após o aleitamento.

Troque o sutiã quando ele estiver molhado e saiba que conchas ou absorventes de seios podem acumular umidade e tornar a região propícia para a proliferação de fungos. Converse com a mãe sobre isso.

Algumas mães sofrem com o excesso de produção de leite. Isso pode causar enrijecimento da mama, pela expansão dos ductos lactíferos, que provoca dor e atrapalha a sucção do bebê. Para evitar o problema, vale sugerir massagens nas mamas com movimentos circulares e, se necessário, a ordenha manual do leite excedente para deixar a mama mais macia e facilitar a pega do bebê.

Palpites alheios

Prepare-se para ouvir dicas dos seus amigos, da sua família e até mesmo de pessoas na rua. Diante desse bombardeio, o conselho é filtrar informações e basear-se no suporte das pessoas que você confia. Em caso de dificuldades ou dúvidas na amamentação, procure um profissional especializado e atualizado pra te dar suporte e corrigir possíveis alterações.

Nos vemos nos comentários!

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Sugestões de redes, canais e materiais:

primeirainfancia.org.br

campanapaternidad.org

paizinhovirgula.com

alimentesaude.com

papai.org.br

promundo.org.br

aldeiasinfantis.org.br

aleitamento.com


publicado em 28 de Outubro de 2016, 01:00
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Eduardo Szpak Gaievski

Nutricionista mestre em ciência dos alimentos e sonhador em tempo integral. Também é idealizador e fundador da Alimente Saúde, ajudando mães, pais e filhos a criarem uma relação positiva com a alimentação.


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