Há alguns anos, neste mesmo mês de janeiro, atravessava uma das fases mais difíceis da vida. Os fins de semana se revezavam entre provas e resultados. Os dias comuns, entre expectativa e simulados. As coisas aconteciam meio atropeladas, mas nada podia me fazer perder a concentração.
O ano tinha mudado e eu ainda não fazia ideia de onde ia morar, se ia me mudar, o que seria da vida. Durante aqueles trinta dias meu futuro transitou entre Santos, São Paulo, Bauru, Rio de Janeiro e Brasília. Indefinições cruéis na vida de alguém que tinha só 18 anos de idade.
Colocar tudo a prova em uma única prova é por si só algo cruel. Na cabeça de um jovem como eu, não se tratava apenas de entrar nessa ou naquela faculdade, era a minha capacidade, minha dedicação, minha vida dependendo do número de questões certas. Existem muitos outros momentos desafiadores na vida, mas quase nada se compara ao massacre psicológico do primeiro vestibular.
Naquele mês perdi as contas de quantas vezes perdi o sono. Me pegava chorando abraçado no travesseiro, passando noites revirando de um lado pro outro na cama, desesperado por estar decorando a vinheta do Programa do Jô. No dia seguinte, as mesmas consequências. Doses insustentáveis de café para aguentar a rotina de estudos, desempenho muito abaixo do desejado e mais ansiedade.
Assim era o dia a dia de alguém que nem se esforçava tanto assim pelo vestibular. Pelo contrário, me considerava bastante preguiçoso. Enquanto estudava cerca de noves horas, não era incomum encontrar colegas que passavam quinze, dezesseis horas por dia nessa tarefa. Ter consciência disso só me deixava ainda pior.
A verdade é que não importa quantos cursos você faça ou quantas horas você passe estudando, você nunca vai estar preparado. No fim das contas, você precisa admitir que não sabe tudo e que tudo bem. Ao contrário do que parece, isso não vai definir o resto da sua vida.
Na semana passada, o MEC divulgou o resultado das consolidações do SISU e alguma coisa despertou em mim essas sensações de novo por um instante. Nos próximos dias, novos resultados serão divulgados e provavelmente o filme vai se repetir. Sabendo que boa parte dos nossos leitores passaram ou estão passando por isso, preparamos uma lista com algumas verdades que eu gostaria que tivessem me dito antes.
Espero que ajude.
Vestibular não forma caráter
Sempre vai existir alguém menos esforçado do que você que vai passar na sua frente. Alguém mais presunçoso ou menos estudioso. Alguém que dentro da nossa lógica torta merece menos do que nós. A verdade é que não existe essa história de merecimento e, tampouco, vestibular forma caráter. O fato de alguém ter ido melhor do que você não te torna uma pessoa pior, nem sequer mais burra do que ela. O vestibular é composto por muitos outros critérios que não apenas o conhecimento. Existe, inclusive, uma certa dose de sorte envolvida.
Portanto, se foi o único da sua turma que não passou ou se está na sua terceira tentativa e ainda não deu certo, relaxa. Existem muitas outras coisas na vida que dizem mais sobre quem somos do que uma prova de vestibular. Ainda que, a curto prazo, a sociedade goste de valorizar os aprovados, você deixa de fazer parte desse cultura tóxica quando percebe isso e deposita sua energia em coisas que valem mais a pena.
Sinceramente? Ninguém se importa tanto quanto nós mesmos com que idade entramos na faculdade ou quantos anos demoramos pra se formar. Assim como você não precisa namorar, noivar ou casar se você não quiser. Você não precisa passar no vestibular com 18, se formar com 22 e entrar no mercado de trabalho em seguida. Essas pequenas metas são carapuças que criamos e adoramos vestir, mas, felizmente, a vida é muito mais complexa, plural e interessante do que isso.
Não entre num ciclo negativo
A pior coisa que alguém nessa fase da vida pode fazer foi exatamente o que eu fiz e, acredito, a maioria também. Quando alguma coisa acontece diferente do que planejamos, tudo vira motivo para desespero. Geralmente, nos tornamos tão controladores que até as idas ao banheiro são calculadas. Esqueça. Isso é loucura e de nenhuma forma vai te fazer bem.
Me recordo que meu plano de estudos continha as horas que eu passava estudando por dia e um determinado número de questões para serem resolvidas. Logo, eu tinha um tempo médio estipulado para fazer cada exercício. Acontece que esse ritmo era tão intenso que eu quase nunca alcançava o objetivo, o que só me tornava mais ansioso.
Não entra nessa, cara. É bom que seu plano de estudos seja bem feito, mas pra ele ser realmente bom ele deve permitir falhas. Ele precisa ser flexível (assim como você) e, o mais importante, precisa ser seu.
A gente tem a mania de se comparar, afinal de contas o vestibular é uma corrida contra os outros. Sempre que passa uma prova rolam aquelas entrevistas com o cara que tirou nota mil na redação ou com a menina que gabaritou o vestibular do ITA. A gente vê a história dessas pessoas e percebe que ela nem dormia direito para continuar estudando. A gente se compara com eles e acha que precisa fazer igual para conseguir. Bobagem. Essas pessoas até podem servir de inspiração, mas não de modelo. Eu não trocaria nem um minuto dos meus momentos de diversão e descanso para ter chegado mais longe no vestibular. Lembre-se, nem tudo que você fizer precisa ser ótimo.
Portanto, não entra nessa de começar a se comparar com os outros. Faça o melhor que puder dentro do que é saudável e confortável pra você e chegue na prova com a sensação de que fez tudo aquilo que era possível. Essa sensação vai te tranquilizar e te ajudar mais do que um ritmo alucinante de estudos sem parar. Se no final, você for aprovado, se sentirá feliz por ter conseguido equilibrar todas as coisas da sua vida num ano muito difícil. Se você não for, vai poder simplesmente admitir que tiveram outras pessoas capazes de fazer mais do que você e lidar com isso também será muito mais fácil. De qualquer forma, o vestibular está aí para selecionar uns e eliminar outros, mas está longe de ser uma disputa equilibrada. Por isso mesmo, não se trata de uma questão de justiça. Então, relaxa.
Estudar não é tudo
Ainda que você trace um plano de estudos pessoal e honesto com você mesmo ainda vai precisar se conscientizar de que estudar não é tudo. No meu plano de estudos, por exemplo, sábado era um dia livre e isso foi uma das coisas mais inteligentes que fiz naquele ano.
Ter um day off não significava que eu estava perdendo tempo. Eu continuava me preparando, mas de uma forma mais indireta. Nesse dia eu lia as revistas que gostava. Assistia esportes na Tv a cabo com meu pai. Ia ao cinema com meus amigos. Tudo isso me ajudava a construir repertório, relaxava a minha mente e me desafogava da pressão para mais uma semana de estudos.
Perceba que eu poderia ter estudado mais. Poderia ter, inclusive, dedicado mais horas por dia para isso. Mas alcancei o que considerava o meu limite. Na verdade, mesmo com esse desafogo, cheguei a ultrapassar esse limite algumas vezes e daí as crises de insônia, ansiedade e desespero que eu já relatei pra vocês. No fim das contas, percebi que foram as minhas referências que me deram a maioria dos argumentos que usei na redação, por exemplo. Foram os filmes, os esportes e as revistas que me ajudaram a pensar e realmente apreender algumas coisas para além de me tornar uma maquininha de resolver problemas.
No dia do vestibular, eu sabia que muitas outras pessoas tinham estudado mais do que eu, mas também sabia algo que nem todos sabiam. O vestibular não depende só da nossa preparação. É um pouco menos fantasioso do que Quem Quer ser um Milionário?, mas a mensagem de que tudo pelo que você já passou na vida contribui de alguma forma é mais ou menos a mesma.
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Você não tem que provar nada pra ninguém
Uma das coisas que mais me pegava pensando na hora de prestar vestibular era que eu tinha que dar uma resposta para outras pessoas. Tinha que fazer o investimento dos meus pais valerem a pena, tinha que provar que o tempo que meus professores gastaram comigo tinha sido útil ou que meus amigos fizeram uma boa escolha ao continuarem sendo meus amigos mesmo com as infinitas restrições de tempo (e humor) que eu tinha. Mas, cara, você não tem que provar nada pra ninguém. Nem pra si mesmo.
Já sabemos que o vestibular não forma caráter e que ele não depende apenas de quem sabe mais. Portanto, por que tentar provar algo para alguém através de uma prova como essa? O vestibular é só mais um teste da vida e, como tal, alguém tem que passar e alguém não. Se você valoriza o sacrifício que seus pais fizeram para te dar as melhores condições possíveis, use sua boca para agradecer. Se você quer demonstrar sua gratidão aos seus professores, use seus braços para abraçá-los. Se você quer que seus amigos continuem gostando de você depois desse ano caótico, use suas economias e pague um sorvete pra eles. Eles serão bons amigos se aceitarem as desculpas e o sorvete.
Existem muitas outras formas de demonstrar gratidão e reconhecimento do que passando numa prova. Você consegue imaginar, por um momento, o quão louco é permitir que uma prova defina quem você é? Lembre-se, ser um bom filho, um bom aluno, um bom amigo não depende de nenhuma prova, isso está plenamente ao seu alcance e só depende de você. Então, faça.
Não existe “ano perdido”
Um dos pensamentos mais danosos que um vestibulando tem é o medo de supostamente “perder um ano”. Não importa a quanto tempo você está tentando passar no vestibular, não existe ano perdido. Nossas escolhas, erros e acertos nos transformam em que nós somos e cada vez que fazemos algo, nos tornamos melhores nisso.
O tempo que gastar estudando com certeza vai fazer você valorizar mais ainda cada conquista da sua vida. Você sabe o preço que é preciso pagar. E ainda que você tente muitas vezes e mesmo assim continue sem conseguir, sempre terá uma maneira de tirar algo de positivo. Dando aulas particulares com os exercícios que você já decorou de tanto fazer. Criando uma plataforma digital de estudos que faça mais sentido para pessoas como você. Quem sabe você não termina escrevendo um livro sobre a sua experiência e ganhando algum dinheiro com isso.
Nós só temos a nossa idade uma vez na vida. E eu usava esse pensamento para me cobrar de que eu poderia perder um, dois ou até três anos tentando fazer uma única coisa e perdendo a oportunidade de fazer outras. Acontece, que se você estabelecer uma rotina onde consiga estudar e viver, ao invés de viver pra estudar, seus anos nunca serão perdidos. Todo objetivo exige sacrifícios, mas você precisa ponderar se as renúncias que estão sendo exigidas, realmente valem a pena. Não deixe de passar um tempo com as pessoas que você gosta para ficar estudando mais. Não se negue a socorrer um amigo, um namorado, alguém da sua família porque ainda não cumpriu sua carga horária. Take it easy. Take your time.
A faculdade não é o que parece
Você precisa ter muito claro na sua cabeça que a faculdade não é tão perfeita quanto parece. Ela é ótima, é mágica, é transformado, mas não é perfeita. Na verdade, ela é muito mais interessante pelo que nós fazemos dela e pelas pessoas que conhecemos do que pela faculdade por si só.
Eu realmente gostaria que todas as pessoas pudessem fazer uma faculdade. De preferência, pública. Mas saiba que isso não deve se tornar uma obsessão pra você, porque nesse caso, já te adianto, não vale a pena. Ainda existem outros lugares no mundo onde você pode conhecer gente e aprender muito. E dica: lá é muito mais fácil de entrar.
Uma hora a faculdade vira rotina e aquele lugar que parecia fantástico, idem. O seu nível de exigência sobe e os problemas, antes banais, começam a incomodar mais. Já leu o artigo "A universidade matou sua motivação"?
O segredo aqui, assim como na vida, é saber que cabe a você e somente a você saber aproveitar as oportunidades que tem. Você pode ganhar uma viagem pra Disney e não saber aproveitar. Você pode ganhar na loteria e não saber aproveitar. Da mesma forma, você pode passar numa faculdade e não saber aproveitar. Não espere que o simples fato de entrar naquele curso, naquele lugar que sempre sonhou será o suficiente. Tudo vai depender do que você será capaz de fazer com isso.
Portanto, se você ainda está procurando o curso ideal, esqueça. Se você está achando que já encontrou o curso perfeito, desiluda-se. Se você ainda está em dúvida entre qual escolher, entenda que se pensou tanto e não chegou a nenhuma conclusão, eles não devem ser tão diferentes assim.
Existem outros caminhos
Essa é uma das dicas mais valiosas justamente porque se trata de uma dica muito óbvia, mas dentro da bolha que nos metemos nessa preparação maluca pré-vestibular não nos damos conta de que simplesmente existem outros caminhos para alcançar o que desejamos.
As pessoas estão por aí pelo mundo fazendo viagens, fotografando paisagens, fundando startups, sendo felizes. As pessoas encontraram muitos outros caminhos para serem bem sucedidas sem dependerem do estudo formal que uma faculdade proporciona. Como eu disse antes, eu gostaria que todo mundo uma dia pudesse experimentar a experiência de fazer uma faculdade, mas tenho consciência de que isso não é, de fato, necessário e muito menos desejado por todos.
Entenda que por trás da profissão que você escolheu existe uma motivação mais pura e genuína que pode ser alcançada de outras formas, independente de qual seja. Se você escolheu ser médico, sua motivação pode ser salvar vidas e pra isso existe solução sem faculdade. Se você quer ser um advogado, sua motivação pode ser ajudar as pessoas e pra isso também existe solução sem faculdade. Se você quer ser veterinário, professor, engenheiro, biólogo, físico, astronauta ou jornalista, não importa. Encontre a sua motivação e procure outras alternativas, porque elas existem, a menos que sua motivação seja fraca demais. Nesse caso, repense sua escolha, porque o preço a ser pago é alto demais apenas 'porque sim'.
Não existe receita
Depois de tudo isso, apenas considere esse comentário desconcertante: pode ser que nada disso funcione pra você.
Não importa quantos conselhos você ouça, quantos cursinhos você faça, quantas horas você estude, você nunca vai estar 100% preparado. Não existe receita. Não existe fórmula. O vestibular é um bicho papão, mas também é um momento mágico da vida. Um momento onde nos entregamos de corpo e alma por um objetivo. Pela primeira vez na vida, para a maioria das pessoas.
Me lembro com saudades do tempo que eu passava na biblioteca, na sala de aula, nos corredores da escola. Foi um período maravilhoso. Conheci pessoas que me ajudaram muito. E funcionou. Pra mim. Não quer dizer que vá funcionar pra você também.
Diante de tudo isso, aproveite esse período para descobrir muito sobre você mesmo. Se conheça, faça testes, perceba aquilo que funciona e o que não funciona. No final, confie. E se nada der certo, comece de novo com a cabeça erguida, afinal, esse vestibular, esse aí que você está esperando o resultado, não é o mais importante. Nunca será. Ele não é o vestibular da vida real.
publicado em 25 de Janeiro de 2016, 22:00