Você não precisa namorar (ou noivar, ou casar ou qualquer coisa assim)

Talvez seja culpa do instinto humano que busca categorizar e taxonomizar tudo, talvez seja resultado de séculos de doutrinação social, talvez seja até influência de todas aquelas madrugadas viradas jogando Super Mario, mas a verdade é que crescemos acreditando na vida como um sistema de fases.

Sim, fases. Etapas.

Textos do Baldi precisam possuir o "Selo Mario" de qualidade.
Textos do Baldi precisam possuir o "Selo Mario" de qualidade.

Aspectos da vida que se seguem e obrigatoriamente levam um ao outro, como em uma progressão natural definida antes mesmo de nascermos e que estamos obrigados a, no decorrer da nossa existência, seguir. Escola leva pra faculdade, que leva para um trabalho, que leva para a luta por um cargo, uma sala, uma mesa de frente pra uma vista que pode ser a do fundo descascado do outro prédio, mas que é sua.

Casa dos seus pais leva pra sua casa, que leva pra sua casa de casado, que leva pra uma casa com seus filhos, que leva talvez pra um sítio ou casa de praia, se tudo der certo, se você tiver conseguido aquela sala e aquela mesa do parágrafo anterior. A bicicleta de moleque vai te levar pra um carro que vai te levar pra um carro maior, que vai te levar para aquela picape de levar os meninos para o sítio -- também, tudo depende daquela sala -- e por aí vai.

Essa visão de etapas, de progressão lógica, que existe em todos os aspectos da sua vida também se aplica, é claro, ao aspecto pessoal dela. Sua ficada deve, em tese, se for boa, resultar em um namoro, namoro esse que deve chegar a um noivado que, claramente, vai virar um casamento, uma família padrão, em perguntas do tipo “mas e quando vocês vão dar pra gente um netinho, hein?” feita por tias idosas para quem você quer responder “e quando você vai cuidar da sua vida?”, mas não responde porque fica chato, ia destruir o clima da festa de final de ano, não ia ser bacana.

E essa progressão não faz, é claro, o menor sentido.

Primeiro porque, como bem sabemos, é sempre uma péssima ideia organizar pessoas, que são seres complexos e absolutamente distintos entre si, dentro de categorias ou processos rígidos e comuns. Conforme o tempo foi passando, descobrimos que quase todas as caracterizações e dicotomias que conhecíamos são restritivas, cruéis ou apenas erradas.

São mais de duas orientações sexuais, nem todo mundo precisa de 8 horas de sono pra ficar legal de manhã, não é todo relacionamento que precisa ser composto por duas pessoas, tem gente que acha os Beatles uma banda bem merda, uma série de dogmas e definições que a gente tinha como claras, mas com o tempo foi aprendendo que eram bem mais fluidas do que poderíamos imaginar.

Mas ainda assim, e mesmo sendo a nossa umas das gerações que mais lidou com quebras de paradigmas sociais até hoje, ainda é fácil ver que muitos de nós se sentem num certo nível propensos a tomar decisões na vida pessoal menos por sentirem genuinamente o impulso necessário e mais porque acreditam que seja isso que se espera deles.

"A gente tá junto porque as nossas fotos juntos são tããão fofas que não tinha outro jeito a não ser ficarmos juntos"
"A gente tá junto porque as nossas fotos juntos são tããão fofas que não tinha outro jeito a não ser ficarmos juntos"

Experimente falar com seus amigos casados e ver quantos deles não casaram “porque já estavam juntos fazia um tempo” ou porque “já tava passando da hora”. Veja quantos casais de namorados você não conhece que brotaram da mais pura inércia: “ah, a gente ficou duas vezes, ele continuava voltando aqui em casa, achei mais fácil dar uma cópia da chave pra ele”, ou porque queriam continuar apenas ficando mas se sentiam desconfortáveis em admitir isso, já que “se tá ficando esse tempo todo então é um namoro”.

Vai ser um número maior do que você imagina, mais do que gostaria e avantajado perante o que aqueles filmes do Telecine Touch tentaram fazer você acreditar.

Porque a verdade é que sentimentos são únicos, particulares e, por isso mesmo, impossíveis de categorizar. Você pode gostar muito de alguém e querer essa pessoa por perto, mas não querer ser exclusiva, e isso não invalida o seu sentimento e nem quer dizer que um goste menos do outro, apenas quer dizer que -- querendo os dois o mesmo tipo de relacionamento -- ele vai ser diferente do que se considera padrão.

Uma boa ficada não precisa necessariamente se desenvolver num namoro, da mesma maneira que um ótimo namoro não precisa resultar em casamento. Existem pessoas que poderiam ficar juntas para sempre se morassem em casas diferentes, mas um arrancaria a cabeça do outro em dois dias se resolvessem viver juntas.

E muitas vezes é essa necessidade de categorizar e de “progredir” nos relacionamentos que acaba fazendo com que as pessoas percam coisas boas.

Se ele não quer namorar contigo, não presta. Se ela não se sente pronta pra casar depois de 5 anos, não te ama. Se vocês estão ficando desde abril, mas ninguém falou em namoro, é porque não se gostam e mais diversas outras conclusões que tentam encaixar o que as pessoas sentem dentro de fórmulas e de necessidades que as vezes não são reais nem mesmo para aquele que saiu magoado da jogada.

Não, não estou dizendo que, para namorar ou para casar, você precisa estar sentindo níveis x de vontade ou y de necessidade de estar perto daquela pessoa, porque isso seria tentar também categorizar os relacionamentos alheios e me tornar uma versão romântica daquela tia chata da festa, coisa que acho melhor evitar.

married

Mas apenas que, em um assunto tão absolutamente pessoal quanto nossas decisões de teor romântico, é sempre importante lembrar que as vontades que realmente importam são as nossas e as das pessoas de quem gostamos e não algum ideal de relacionamento de amigos, conhecidos ou parentes. Mesmo porque, se a sua tia ficar te importunando com coisas assim, você sempre pode apenas acelerar o passo e ir pra outro cômodo da festa, dificilmente ela vai te alcançar naquele andador.


publicado em 20 de Novembro de 2013, 08:00
Selfie casa antiga

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (www.justwrapped.me/) e discute diariamente os grandes temas - pagode, flamengo, geopolítica contemporânea e modernidade líquida. No Twitter, é o (@joaoluisjr)


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