O que importa não é o que a gente pensa, sente, diz. O que importa é o que a gente faz.
O que importa é como nos colocamos no mundo. O que importa é como a gente escolhe agir.
E podemos escolher agir com empatia, com atenção, com cuidado.
* * *
Esse é o nono Exercício de Atenção. Antes de continuar a ler, ou de fazer o exercício, por favor, leia o primeiro texto dessa série, onde eu contextualizo os exercícios.
* * *
O que importa é o que a gente faz
A linguagem é limitada, a vontade, vacilante.
As pessoas não sabem o que querem e o que sentem. Quando sabem, não conseguem articular verbalmente. Quando conseguiriam, não ousam, porque têm vergonha, porque querem agradar, porque pegaria mal, porque magoaria alguém.
Quem diz que ama brócolis mas nunca compra brócolis, nunca coloca brócolis no prato e, quando o prato vem com brócolis, não come... Essa pessoa não ama brócolis.
Talvez até sinceramente acredite que ama. Talvez esteja querendo amar. Mas não ama. Pelo menos, ainda não.
Aquilo que ela faz (não comer brócolis) importa mais do que aquilo que ela diz ("amo brócolis!").
* * *
Uma caneca
De repente, muitos e muitos anos atrás, minha caneca de tomar café começou a sumir. Fui procurar e descobri que um dos colegas de casa, o Nate, estava usando.
Toda vez que eu queria beber café e não encontrava a caneca, ficava puto. Puto de verdade. Ensaiava diálogos mentais de marchar quarto adentro do Nate e dizer coisas como:
"Olha só, vamos fazer um trato? Gosto dessa caneca, só tomo café nela. Você pode tentar usar as outras? Ok? Na boa?"
Eu me sentia cheio de razão, indignado, justificado.
Mas estava apenas sendo pequeno, mesquinho, egoísta.
* * *
O Nate era uma pessoa desapegada e generosa. Depois de largar um emprego seguro em uma corretora para estudar culinária, tinha vindo para Nova Orleans trabalhar no melhor restaurante da cidade, trazendo apenas a bagagem que cabia no carro. Quando o carro quebrou, por não ter dinheiro nem para o conserto nem para o ônibus, ele passou a ir a pé para o trabalho, duas horas de caminhada por dia. Uma vez, caiu no conto de uma velha trambiqueira numa cadeira de rodas e quase perdeu todo seu salário. (Já falei mais dele, sem dar seu nome, na Prisão Religião.)
Ele não sabia que a caneca era minha, que eu me irritava que ele a usasse, que eu só bebia café nela: a caneca estava no armário junto com outras dez canecas que ele também não comprou e que eram de uso comum de quem morava na casa.
Com certeza, se eu falasse com ele, o problema sumiria na hora, sem discussões.
Mas não falei nada.
Porque o problema não era o Nate abrir o armário e pegar a primeira caneca que via pela frente.
O problema era eu ter qualquer tipo de apego a um objeto de plástico vagabundo, que custou 6,99 dólares mais impostos, sem qualquer valor intrínseco ou sentimental.
* * *
Não quero ser a pessoa que regula uma caneca. Não quero chegar pro meu colega de casa, com a mão nas cadeiras e a voz irritada, e pedir pra ele por favor não usar a minha caneca! Eu não quero escrever bilhetinhos "vamos cada um usar nossas próprias canecas?"
Eu não quero ser essa pessoa. Eu não sou essa pessoa. Eu não sou essa pessoa porque eu não quero ser essa pessoa. Eu não sou essa pessoa porque 99,99% de tudo o que acontece no universo (provavelmente mais) está fora do meu controle, mas eu pelo menos ainda tenho controle sobre algumas coisas.
Posso até ser uma pessoa que se incomoda do colega de casa usar sua caneca preferida, mas eu decido não agir como a pessoa que reclama disso.
Posso até não ter escolhido ser quem eu sou, mas eu escolho agir como eu ajo.
* * *
A Lei não tem espírito: a Lei é a Lei
O Shabat judaico vai do pôr-do-sol de sexta ao pôr-do-sol de sábado. Nesse período, as pessoas que praticam o judaísmo ortodoxo não podem exercer nenhuma atividade produtiva ou criadora: o dia deve ser dedicado ao lazer com a família, ao estudo da Lei, à renovação das forças.
Entretanto, como a lei foi escrita há milhares de anos, as proibições específicas incluem acender fogo, raspar couro, agrupar feixes, etc. Mais tarde, ao longo dos séculos, as regras foram sendo atualizadas. Por exemplo, como “cortar” é proibido, entende-se que é proibido cortar papel higiênico de um rolo ou separar lenço de papel quando um está preso ao outro. Não é à toa que, no sábado de manhã, em São Paulo, se veem tantas pessoas judias ortodoxas pelas ruas: elas estão caminhando para a sinagoga, pois não podem dirigir automóveis. Também não podem fazer coisas como acender a luz ou apertar o botão de um elevador.
Para burlar essas regras, surgiram uma série de truques: elevadores que funcionam continuamente, parando em todos os andares, e luzes acionadas por sensores de movimento. (Esse texto, muito completo, comenta todas as 39 proibições e suas aplicações contemporâneas.)
Exemplo do tipo de debate que acontece no Parlamento Israelense: grupos ortodoxos de direita querem proibir os computadores do governo de aceitarem pagamento de contas públicas durante o Shabat e grupos seculares de esquerda argumentam que é um absurdo impedir pessoas cristãs e muçulmanas de pagarem suas contas de luz pela internet no sábado!
Então, um dia, muitos anos atrás, conversando com um amigo judeu ortodoxo sobre os truques para burlar o Shabat, comentei que, para mim, do alto do meu total desconhecimento da tradição judaica, parecia haver mais preocupação com a letra do que com o espírito da Lei.
Afinal, quando a Lei tinha sido escrita, atividades como acender um fogo e escrever (pensem plumas, tintas, pergaminhos, vela) eram de fato trabalhosas, mas, hoje, acender uma luz elétrica, escrever um bilhete ou dirigir não era trabalho quase nenhum. Qual é o sentido de continuar proibindo, então? Aliás, esses "truques sabáticos" não eram uma tentativa de burlar Deus?
Meu paciente amigo explicou: quem se interessa pela intenção do criminoso é direito romano, baseado na moralidade cristã. No judaísmo, o que importa é o que você faz. Deus não está interessado em minúcias: ele disse que não posso acender fogo nesse período, mas nunca que não posso acender o fogo antes e deixá-lo aceso ao longo do período. Se eu conseguir usufruir do fogo e ainda assim obedecer à Lei, melhor pra mim.
A Lei não tem espírito, nem intenção, continuou ele. A Lei é a Lei. Somos o povo do livro justamente porque, pela primeira vez na História, valia o escrito.
* * *
A existência precede a essência
Algumas religiões pregam que teríamos uma essência, a alma, que seria eterna, e existiria antes e continuaria existindo depois de nossa existência terrena.
Já o filósofo francês Jean-Paul Sartre afirma que nós primeiro começamos a existir e, então, através de nossas escolhas, de nossos gestos, de nosso comportamento, lentamente construiríamos nossa essência.
Ou seja, nossa essência não nos é dada, não é pré-determinada: ela é uma construção diária:
“… se Deus não existe, há pelo menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem. ... Que significa então que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer.”
* * *
Homem é quem se comporta como homem
A filósofa norte-americana Judith Butler afirma que não existe nem essência masculina nem feminina. Nossa identidade sexual seria construída diariamente, através de nossos atos. Desse modo, “ser homem” nada mais seria do que simplesmente se comportar como a sociedade espera (ou determina) que homens se comportem.
Não seria à toa que um pai homofóbico surtaria ao ver seu filho homem brincando com bonecas: de um modo bem real e concreto, não é nem que brincar com bonecas pode fazer com que desenvolva tendências homossexuais no futuro, mas sim que brincar com bonecas faz dele, na prática, uma menina hoje, agora! “Ser menina” seria (entre outras coisas) exatamente isso: brincar com bonecas.
Para Butler, os atributos de gênero seriam não expressivos, mas sim performativos e, portanto, esses atributos constituiriam de fato a identidade que pretendem expressar ou revelar. Em outras palavras, para Butler, ser homem ou ser mulher, ser heterossexual ou homossexual, não seriam categorias imanentes, pois não existiria uma essência, digamos, masculina que precederia a existência do indivíduo do gênero masculino: masculino seria quem se comporta de acordo com os padrões de comportamento culturalmente definidos como masculinos.
Mais uma vez, pouco importa essa tal “essência verdadeira” que ninguém nunca viu e à qual não temos acesso.
O que determina quem somos são nossos atos.
* * *
Escravo é quem age como escravo
No século XIX, a Constituição e o Código Civil brasileiros não definiam com clareza o que era uma pessoa escrava – na verdade, nem a mencionavam, nem reconheciam sua existência.
Se não existia definição de pessoa escrava, então também não existia essência de pessoa escrava. Ou seja, a escravidão não era um ser, era um fazer. Não existia teoria, somente a prática. Escrava era quem agia como escrava, escrava era quem era escravizada. Consequentemente, quem não agia como escrava, quem não se deixava escravizar… não era escrava! Pois, afinal, tirando o agir como escrava e na falta de uma definição legal, de que outra maneira saberíamos quem era escrava e quem não era?
Um grupo de escravos chegou até a entrar na justiça alegando não ser escravos, porque o seu falecido dono não os tratava como escravos.
Como diria Butler, ser escravo era “uma performance”: a única prova cabal do ser escravo restringia-se ao fato básico de sua condição.
* * *
O tratamento não é pra você, é para as outras pessoas
Escrevo muito sobre autocentramento e narcisismo, cuidado e atenção.
Não porque seja um guru que se livrou completamente do narcisismo e domina totalmente a atenção, e está generosamente distribuindo sua sabedoria ilibada às pessoas que ainda não chegaram ao seu nível de iluminação.(Namastê!)
Mas sim porque sou uma pessoa narcisista e autocentrada que só sabe resolver seus próprios problemas escrevendo sobre eles.
Ou seja, bom narcisista que sou, escrevo esses textos para mim, não para vocês.
(Porém, se a carapuça que bordei para meu uso individual também servir nas suas cabeças, sintam-se à vontade para compartilhá-la comigo.)
Apesar disso, muitas pessoas vêm me perguntar o que fazer para ser menos narcisistas e mais empáticas — como se eu soubesse.
E eu só posso repetir o melhor conselho que me deram na vida, em um blog anônimo que não é atualizado há anos:
Finja não ser narcisista.
Invariavelmente, as pessoas se decepcionam com esse conselho.
Afinal, vieram até o escritor guru buscando uma cura mágica, um atalho perfeito, talvez um gesto esotérico ("fale empatia três vezes diante do espelho estalando os dedos e pronto") e meu conselho é... mentir?
E dizem coisas como:
"Mas Alex... Isso não muda nada! Aqui dentro de mim, na minha essência, continuarei sendo narcisista!"
E eu respondo:
"Só uma pessoa muito narcisista se importa com sua borbulhante essência individual. Nós aqui fora nem temos nem como ter acesso a ela: só às suas palavras e ações. O que nos importa é como você interage conosco. O tratamento não é para você, é para as outras pessoas."
* * *
Como transformar uma sogra
Uma vez, uma moça procurou um curandeiro reclamando da sogra. Desde que fora morar com o casal, a sogra infernizava sua vida e destruía sua felicidade. (E nada pode ser mais importante do que nossa felicidade, certo?) Pediu um veneno para tirar a velha do caminho.
O curandeiro atendeu o pedido, mas deu dois avisos:
Em primeiro lugar, o veneno era de longa duração, para que ninguém suspeitasse nem da nora nem do curandeiro. Ao fim de um ano, a sogra estaria morta.
Durante esse ano, entretanto, deveria tratar a sogra muito bem. Ser agradável. Elogiar sua comida. Passear com ela. Compartilhar seus interesses. Assim, estaria acima de qualquer suspeita quando morresse.
Depois de vários meses, a moça voltou a procurar o curandeiro. Estava desesperada atrás do antídoto. Não desejava mais a morte da sogra. Percebera que era uma senhora boa, interessante, gentil, sábia. O que fazer? O que fazer?!
Mas o charlatão do curandeiro, depois de vender açúcar como se fosse veneno, já tinha fugido da cidade com os bolsos cheios da grana.
* * *
Somos todas fingidoras
Quando a aluna chega no mestrado, ela se sente soterrada por tanta erudição e tanta teoria, por tantas referências herméticas e citações esotéricas, por tanta gente que salpica os nomes de Foucault e Derrida na conversa como se fossem amigos de infância. (Por favor, substitua "Foucault" e "Derrida" pelos picas das galáxias da sua área acadêmica.)
Sou a maior blefadora do mundo, ela pensa, que direito tenho de estar aqui entre intelectuais tão gabaritadas?
Sem outro jeito, ela blefa. Blefa todos os dias, blefa por meses e anos, blefa cada vez melhor. Quando tem que dar uma aula sobre Foucault, vira a noite lendo trocentos artigos sobre Foucault, para que ninguém perceba que não sabe nada, nada sobre Foucault, sempre com medo de que, algum dia, de repente, sem aviso, quando menos se espera, será fatalmente desmascarada como a grande impostora que tem certeza que é, como a única pessoa do departamento que não leu Foucault e Derrida de cabo a rabo, que todas as pessoas vão perceber que ela não está nem nunca esteve no nível delas, que não é nada, NADA!
A cura da síndrome de impostor é sempre a mesma: um belo dia, a gente se dá conta que ninguém, ninguém leu Foucault e Derrida de cabo a rabo; que "saber tudo de Foucault" nada mais é do que virar várias noites lendo Foucault por medo de as colegas perceberem que você não sabe nada de Foucault.
A gente cresce uma criança ignorante em um mundo cheio de pessoas adultas que parecem saber tudo. Então, conscientes de nossa ignorância, buscamos por aquela mítica pessoa "que sabe do que está falando".
Quando percebemos que ninguém sabe do que está falando, nos tornamos finalmente pessoas adultas.
(A Prisão Verdade é sobre esse processo.)
* * *
Sou uma pessoa ruim
Além dos defeitos cotidianos corriqueiros, eu sou (em ordem alfabética) arrogante, condescendente, desrespeitoso, distante, egocêntrico, egoísta, elitista, grosseiro, frio, insensível, petulante, preguiçoso, rude, soberbo, vaidoso. Em último grau. Profissionalmente.
Se desse dinheiro, eu poderia viver de qualquer um desses defeitos. (Sou tão vaidoso que acho que poderia ser um vaidoso profissional.)
Por isso, para que ninguém descubra, passo o dia fingindo.
Finjo que meu ego não é enorme. Finjo que não estou só interessado em mim, mIM, MIM! Finjo interesse sincero nos problemas das pessoas. Finjo que estou ouvindo o que dizem.
Para o fingimento ser mais persuasivo, não interrompo nem falo de mim mesmo; decoro suas palavras e repito para elas em momentos-chave da conversa; e, ainda mais cara-de-pau, faço referência a essas palavras semanas depois. Muitas vezes, no meu fingido preciosismo, empresto meu ombro para que chorem e dou guarida na minha casa, recomendo para empregos e até carrego suas mudanças. Tudo fingimento.
Como as pessoas são ingênuas, engolem tudo. Minha reputação de pessoa boa e empática (completamente falsa)aumenta e, para mantê-la, sou forçado a fingir com ainda mais afinco que sou uma pessoa boa e empática.
Pior, escrevo textos flagrantemente mentirosos, que pintam uma autoimagem totalmente desprendida da realidade.
Mas as pessoas querem tanto mas tanto acreditar na capacidade humana de transformação que não vão levar fé nem mesmo nestes parágrafos aqui, tão confessionais e sinceros, vão considerar metáfora ou algo assim, e vão continuar me lendo, me admirando e tentando também ser boas pessoas.
Talvez até consigam. Talvez eu nunca consiga ser uma boa pessoa, mas consiga que outras consigam. Já seria alguma coisa, não? Uma esperança, um alento, um consolo?
E o escritor, o escritor vai fingindo que é empatia o egoísmo que deveras sente, mas os que leem, ah os que leem, na empatia lida chegam bem a sentir a empatia que nunca tiveram.
* * *
Sendo quem queremos ser
Tanto as pessoas judias ortodoxas quanto as ateias existencialistas, tanto as feministas pós-modernas quanto as abolicionistas militantes, parecem concordar em um ponto fundamental. Seremos julgadas por nossos atos. Nossa essência, nossa personalidade, nossa sexualidade, vão ser construídas por nossas ações: interagimos com o mundo através dos nossos atos.
Ninguém está lá muita interessada no que pensamos, no que sentimos, em nossa essência, em toda essa linda complexitude borbulhando dentro de nós.
O que importa é o que fazemos.
Não tenho escolha de ser quem eu sou, mas tenho escolha de agir como ajo.
O tratamento não é para mim, é para as outras pessoas.
* * *
Poucos conselhos são mais canalhas do que “seja você mesma”. A maioria dos problemas do mundo veio de pessoas que estavam simplesmente “sendo elas mesmas”.
Mais importante do que sermos nós mesmas é sermos quem queremos ser.
Todas as forças do universo nos impelem a nos conformar, a aceitar as regras do mundo, a ceder, nos moldar. Ser a pessoa que queremos ser é uma das tarefas mais difíceis do mundo. É uma luta diária, surda, interna, contra nossos próprios preconceitos, nossas mesquinharias, nossos egoísmos.
Ser quem queremos ser é o mínimo que devemos a nós mesmas. Se não somos nem isso, então não somos nada.
Decidir ser uma pessoa mais empática, mais atenciosa, mais cuidadosa, entretanto, é fácil.
Ser de fato essa pessoa, todos os dias, sistematicamente, é muito mais difícil.
Daí os Exercícios de Atenção. Afinal, já exercitamos tanta coisa, da memória ao abdômen, por que não a Atenção e o Cuidado?
* * *
Notas de leitura
A citação de Sartre vem da palestra “O existencialismo é um humanismo", realizada em Paris, em 1946 – logo após a guerra, após a ocupação, após tanta tragédia. É um dos textos mais lindos, mais inspiradores, mais otimistas, mais humanos que o nosso triste século XX produziu. Além disso, para as pessoas leigas, é bem mais curto e mais acessível do que os textos filosóficos mais rigorosos de Sartre. Esse link tem uma versão completa que você deve ler agora.
Judith Butler faz essas afirmações principalmente em seu livro mais conhecido Problemas de gênero (1990), uma leitura imprescindível, mas densa.
Quem diz que "a única prova cabal do ser escravo restringia-se ao fato básico de sua condição" é a historiadora Maria Helena Machado, em O Plano e o Pânico. Os movimentos sociais na década da Abolição, de 1994. A maravilhosa e emblemática história dos escravos que entraram na justiça alegando que não eram escravos aconteceu em Caçapava, interior de São Paulo, em 1882, e é tratada com detalhes no livro da professora Machado e também em Escravos, libertos e orfãos. A construção da liberdade em Taubaté (1871-1895), de Maria Aparecida C. R. Papali, publicado em 2003. O processo ainda estava correndo quando veio a Abolição.
A história da nora que quer envenenar a sogra aparece em muitos livros e sites, sempre com autoria duvidosa. Peguei para mim e mudei um pouco o final.
Por fim, a pessoa que assina The Last Psychiatrist ("O/a último/a psiquiatra") é uma das pensadoras mais insolentes, iconoclastas, admiráveis, originais que já li. O seu blog homônimo (parado desde maio de 2014) foi uma das maiores inspirações para que eu finalmente terminasse o Livro das Prisões e eu não poderia recomendá-lo com mais ênfase e empolgação. Para quem não lê inglês, eu editei a tradução de três dos seus melhores textos ao português.
* * *
Exercícios de Atenção, a série completa
5. Cultivar o não-conhecimento
* * *
Mudança de nome: de Empatia para Atenção
A série Exercícios de Empatia passou a se chamar Exercícios de Atenção.
Outro nome possível teria sido Exercícios de Cuidado, pois o grande objetivo da série é estimular nas pessoas leitoras um maior cuidado umas com as outras. Entretanto, nem todos os exercícios se referem diretamente ao Cuidado. Além disso, a Atenção é um pré-requisito necessário ao Cuidado: sem Atenção não há Cuidado.
Por isso, Exercícios de Atenção é um nome que reflete melhor o espírito da série.
* * *
Os encontros "As Prisões"
São instalações artísticas, polifônicas e interativas, improvisadas e colaborativas, onde praticamos escutatória e atenção, generosidade e cuidado, e exploramos os limites e possibilidades da comunicação cotidiana: o que falamos?, como falamos?, por que falamos?
O nome vem de uma série de textos que estou escrevendo desde 2002, tentando mapear todas as Prisões cognitivas que acorrentam nosso pensamento: Verdade, Dinheiro, Trabalho, Privilégio, Monogamia, Religião, Obediência, Sucesso, Conhecimento, Felicidade, Autossuficiência, Patriotismo, e a maior de todas, Eu.
Os encontros, realizados por todo o Brasil desde 2013, reúnem de dez a trinta pessoas, duram de um a cinco dias e são sempre diferentes, imprevisíveis, únicos.
Neles, enquanto discutíamos "As Prisões", os Exercícios de Atenção foram criados, gestados, aperfeiçoados, em um processo colaborativo com as pessoas participantes. Hoje, os encontros servem para praticarmos esses exercícios e para inventarmos juntas os próximos, em um processo que só poderia acontecer presencialmente, olho no olho e lágrima no suor.
Ninguém é obrigada a falar: toda fala é voluntária.
Ninguém é obrigada a pagar: todo pagamento é voluntário.
Para saber quando serão os próximos, visite minha página de eventos.
* * *
Três avisos importantes sobre meus textos
Eles falam sempre sobre e para as pessoas privilegiadas, justamente para tentar fazê-las ter consciência de seus enormes privilégios. (Leia também Carta aberta às pessoas privilegiadas e Ação de graças pelos privilégios recebidos);
Buscam sempre usar uma linguagem de gênero neutra (Para mais detalhes, confira meu mini-manual pessoal para uso não sexista da língua);
E são sempre todos rigorosamente ficcionais. (Ou não: Alex Castro não existe, só o texto importa. Em caso de dúvida, consulte minha biografia do meu site pessoal.)
* * *
assine a newsletter do alex castro
publicado em 23 de Junho de 2015, 00:05