Todas as pessoas desejam ser ouvidas. Entretanto, tão poucas escutam.

Por que é tão difícil suspendermos nossos julgamentos, nossas opiniões, nossas interrupções, para conceder a outra pessoa o inestimável dom da nossa atenção completa e concentrada?

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Esse é o quarto Exercício de Atenção. Antes de continuar a ler, ou de fazer o exercício, por favor, leia o primeiro texto dessa série, onde eu contextualizo os exercícios. 

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Com quem fazer

Esse exercício pode ser feito com qualquer pessoa, seja conhecida (mãe, amiga, parente) ou desconhecida (no metrô, na fila do banco), mas tem que ser uma interação pessoal, cara-a-cara, à moda antiga.

Saber "ouvir" no bate-papo de internet não conta.

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Como encontrar pessoas com histórias para contar

A pessoa que estamos procurando é literalmente qualquer pessoa.

Todas nós estamos sempre, em algum grau, ansiosas por alguma conexão humana significativa.

Não é difícil: basta sair da bolha de proteção de nossos Kindles e iPhones, criados especificamente para nos isolar do mundo.

Basta abrir mão da nossa atitude tão comum de automaticamente cortar qualquer pessoa que tente nos "alugar".

(Aliás, que expressão horrível, como se uma outra pessoa buscar uma conexão humana conosco fosse algo incômodo a ser evitado.)

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Como se abrir para as pessoas

Para ouvir histórias de pessoas, o meu método preferido é abrir meu corpo para elas.

Em vez de passar por alguém articulando um burocrático "tudo bem" enquanto nem diminuo o ritmo forçado do meu passo…

Eu escolho fazer diferente.

Eu escolho parar, me aproximar, me debruçar, encostar, olhar no olho — o que for apropriado para o nível de relacionamento que tenho com aquela pessoa.

Só então, só depois de deixar claro que estou ali, parado, com minha atenção plena, 100% presente, eu pergunto:

"Tudo bem? Como você está?"

Não basta articular aquelas palavras que todas já sabemos ser vazias ("ai, menina, você acredita que perguntei como ela tava… e ela respondeu?!"): é preciso que o nosso corpo todo também se abra para a interação humana com as outras pessoas.

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E quando as pessoas não se abrem de volta?

Em um dos encontros "As Prisões", alguém comentou:

"Ai, Alex, eu faço isso, mas não está funcionando! Ninguém se abre comigo!"

Mas o Exercício é de Atenção, não de técnicas de interrogatório. Nosso objetivo não é arrancar informações das pessoas, mas simplesmente nos colocar em uma postura aberta para receber suas histórias.

A partir daí, fica por conta de cada interlocutora. Algumas talvez não acreditem em nossas boas intenções, outras talvez sintam que não têm intimidade conosco. Vai ver somente não estão com tempo para conversar naquela hora.

Cada pessoa é uma pessoa: teve outra vida, outros traumas, outras questões. Ninguém tem obrigação de se abrir conosco só porque nos abrimos para ela.

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Fazendo as perguntas que geram respostas

Ouvir não é um exercício passivo: requer curiosidade e imaginação.

Evito fazer aquelas perguntas que o uso comum já nos ensinou que são vazias ("tudo bem?", "como está?", etc), a não ser que todo o meu corpo esteja gritando que estou de fato ali 100% presente fazendo aquela pergunta para valer.

Com pessoas que não conheço, gosto de fazer perguntas voltadas para o futuro:

"E esse ano novo que vem por aí, hein, como é que vai ser?"

Qualquer pessoa que esteja aberta ao diálogo vai responder com alguns de seus planos e metas. Algumas levantam os olhos, encaram o infinito e dá pra sentir o momento em que quase fisicamente entramos em seus sonhos e projetos.

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Quem presta atenção, lembra

Com pessoas que já conhecemos, as melhores perguntas utilizam os conhecimentos que possuímos de suas vidas, nossas lembranças de interações anteriores.

Aliás, se nossa atenção plena e irrestrita é um dos maiores presentes podemos oferecer às pessoas, nossa memória também é uma função dessa atenção. Quem está prestando atenção, lembra.

Se você já teve várias interações com uma pessoa e, ainda assim, não lembra nada ou quase nada sobre ela, eu diria que você precisa urgentemente trabalhar na sua atenção e no seu cuidado.

Às vezes, nos desculpamos por nossa falta de memória dizendo coisas como:

"Foi mal, sou tão distraído, minha cabeça está cheia de problemas, não lembrei mesmo…"

Mas a distração que me faz esquecer não é o que me justifica: é o que me condena.

Gostaria de poder dizer que sou uma pessoa boa que tem péssima memória e é muito distraída. Mas não: minha péssima memória e minha extrema distração são sintomas de meu profundo desinteresse por tudo que não diga respeito a mim.

Eu não esqueço os nomes das editoras com quem tenho que fazer networking, o dinheiro que emprestei pra uma amiga, o endereço da nigeriana com quem flertei na praia.

Eu esqueço de lavar a louça (“puxa, fiquei aqui distraído com o filme, agora ela já lavou, amanhã ajudo!”), de assinar o livro de ouro dos porteiros (“putz, com essa correria de natal, nem lembrei, mas tudo bem, ano que vem dou em dobro!”), de responder o email da amiga que pediu minha ajuda (“caramba, essa mensagem está na minha caixa de entrada há três anos, ela já deve ter resolvido sozinho.”)

Mas não tem problema: na minha cabeça, sempre me absolvo. Afinal, sou o protagonista do filme da minha vida e tudo o que eu faço sempre se justifica.

Leia também  Como evitar errar o que você já sabe

Hoje em dia, quando reparo que estou usando minha falta de memória como desculpa por alguma distração, já soa um alerta em minha cabeça:

Qualquer comportamento meu que precise ser justificado ou racionalizado já está por definição errado.

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Um exercício para ouvir com atenção plena

Uma vez que você encontre uma pessoa com uma história, vem a parte realmente difícil: ouvir.

Para começar, desligue todos os retângulos luminosos que carrega em seu corpo.

(Sempre que estou com alguém e ela puxa o celular, parece estar dizendo: "péra, Alex, deixa eu ver se tem alguma coisa mais interessante que você acontecendo na internet." E sabe qual é o pior? Sempre tem. Porque a internet é infinita e eu sou só uma pessoa. Mas eu estou ali.)

Nunca, nunca interrompa.

No máximo, se a pessoa precisar de estímulos, sorria, balance a cabeça, faça "arrã". Caso seja necessário, faça perguntas curtas, parafraseando o que ela disse, para confirmar e apoiar.

Concentre totalmente sua atenção na pessoa que está falando com você.

Nossa atenção plena é um dos maiores presentes que temos pra oferecer.

Não pense em você, no que vai retrucar, no que teria feito no lugar dela, no que acha que ela deveria ter feito, naquela coisa parecida que aconteceu com um amigo seu. Nada disso importa.

Você não existe. Não existe seu ego, suas opiniões, seus julgamentos de valor. Você está só…. ouvindo! Todo o seu ser está concentrado nessa única dificílima atividade transcendental. Ouvir.

Por fim, não ofereça sua opinião. Se a pessoa pedir expressamente, fale com moderação.

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Uma variação mais intimista do exercício

O exercício de ouvir é uma via de mão dupla: só podemos entrar nos sentimentos de outra pessoa se também nos abrirmos para ela.

Por isso, para pessoas mais tímidas, o exercício pode ser penoso: ele exige que saiamos de nossa zona de conforto.

Uma possível alternativa é fazer o exercício com uma pessoa amiga ou conhecida, com quem se sinta bem e confortável, e que concorde em fazer o exercício de empatia com você.

As regras são simples: cada pessoa fala por um período de tempo pré-determinado (digamos, meia hora), sem qualquer interrupção. Depois, alternam.

O objetivo do exercício, ao nos permitir falar com a certeza absoluta de que não seremos interrompidas, é nos fazer perceber como as interrupções, ou mesmo a possibilidade de interrupções, molda e corrompe totalmente a nossa fala.

Quando falamos com a certeza de que não seremos interrompidas falamos melhor, com menos pressa, sem tantas barreiras, com mais tranquilidade.

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Exercícios de Atenção, a série completa

1. Praticar um olhar generoso

2. Dar-se conta das pessoas

3. Ver na sua totalidade

4. Ouvir com atenção plena

5. Cultivar o não-conhecimento

6. Exercer a não-opinião

7. Não ser a constante

8. Colocar-se em outra pessoa

9. Escolher agir com cuidado

10. Visualizar o privilégio

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Mudança de nome: de Empatia para Atenção

A série Exercícios de Empatia passou a se chamar Exercícios de Atenção.

Outro nome possível teria sido Exercícios de Cuidado, pois o grande objetivo da série é estimular nas pessoas leitoras um maior cuidado umas com as outras. Entretanto, nem todos os exercícios se referem diretamente ao Cuidado. Além disso, a Atenção é um pré-requisito necessário ao Cuidado:  sem Atenção não há Cuidado.

Por isso, Exercícios de Atenção é um nome que reflete melhor o espírito da série.

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Os encontros "As Prisões"

São instalações artísticas, polifônicas e interativas, improvisadas e colaborativas, onde praticamos escutatória e atenção, generosidade e cuidado, e exploramos os limites e possibilidades da comunicação cotidiana: o que falamos?, como falamos?, por que falamos?

O nome vem de uma série de textos que estou escrevendo desde 2002, tentando mapear todas as Prisões cognitivas que acorrentam nosso pensamento: Verdade, Dinheiro, Trabalho, Privilégio, Monogamia, Religião, Obediência, Sucesso, Conhecimento, Felicidade, Autossuficiência, Patriotismo, e a maior de todas, Eu.

Os encontros, realizados por todo o Brasil desde 2013, reúnem de dez a trinta pessoas, duram de um a cinco dias e são sempre diferentes, imprevisíveis, únicos.

Neles, enquanto discutíamos "As Prisões", os Exercícios de Atenção foram criados, gestados, aperfeiçoados, em um processo colaborativo com as pessoas participantes. Hoje, os encontros servem para praticarmos esses exercícios e para inventarmos juntas os próximos, em um processo que só poderia acontecer presencialmente, olho no olho e lágrima no suor.

Ninguém é obrigada a falar: toda fala é voluntária.

Ninguém é obrigada a pagar: todo pagamento é voluntário.

Para saber quando serão os próximos, visite minha página de eventos.

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Três avisos importantes sobre meus textos

Eles falam sempre sobre e para as pessoas privilegiadas, justamente para tentar fazê-las ter consciência de seus enormes privilégios. (Leia também Carta aberta às pessoas privilegiadas e Ação de graças pelos privilégios recebidos);

Buscam sempre usar uma linguagem de gênero neutra (Para mais detalhes, confira meu mini-manual pessoal para uso não sexista da língua);

E são sempre todos rigorosamente ficcionais(Ou não: Alex Castro não existesó o texto importa. Em caso de dúvida, consulte minha biografia do meu site pessoal.)

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As ilustrações desse post são todas variações de "Homage to the Square", do artista alemão Josef Albers (1888-1976).

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu