Empatia não é pena, dó, caridade — todos sentimentos condescendentes.

Empatia não é amor, simpatia, agrado — todas manifestações de afeto pessoal.

Empatia não é entendimento, compreensão — todas operações de redução e controle.

Empatia não é algo que se exerça de fora para dentro, de uma pessoa para outra.

Empatia é estar dentro de outra pessoa, sentir o que ela sente, pensar o que ela pensa.

E, sim, é tão impossível quanto soa e tão imprescindível quanto parece.

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Esse é o oitavo Exercício de Atenção. Antes de continuar a ler, ou de fazer o exercício, por favor, leia o primeiro texto dessa série, onde eu contextualizo os exercícios. 

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A boneca de sal

Era uma vez uma boneca de sal. Após peregrinar por terras áridas, descobriu o mar e não conseguiu comprendê-lo. Perguntou ao mar: “quem é você?”

E o mar respondeu: “sou o mar.”

“Mas o que é o mar?”

E o mar respondeu: “o mar sou eu.”

“Não entendo”, disse a boneca de sal, “mas gostaria muito de entender. como faço?”

O mar respondeu: “encoste em mim.”

Então, a boneca de sal timidamente encostou no mar com as pontas dos dedos do pé. Sentiu que começava a entender mas também sentiu que acabara de perder o pé, dissolvido na água.

“Mar, o que você fez?!”

E o mar respondeu:

“Eu te dei um pouco de entendimento e você me deu um pouco de você. Para entender tudo, é necessário dar tudo.”

Ansiosa pelo conhecimento, mas também com medo, a boneca de sal começou a entrar no mar. Quanto mais entrava, e quanto mais se dissolvia, mais compreendia a enormidade do mar e da natureza, mas ainda faltava alguma coisa:

“Afinal, o que é o mar?”

Então, foi coberta por uma onda. Em seu último momento de consciência individual, antes de diluir-se completamente na água, a boneca ainda conseguiu dizer:

“O mar… o mar sou eu!”

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Todo conhecimento tem um custo.

(O texto acima foi adaptado das versões do Frei Leonardo Boff e do padre jesuíta Anthony de Mello.)

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Reconhecer nossa ignorância e abrir nossos ouvidos

Poucos conselhos podem ser mais egocêntricos e narcisistas do que o clássico:

"Trate as pessoas como gostaria de ser tratada"

Porque a outra pessoa é uma outra pessoa. Porque ela teve outra vida, outras experiências. Porque ela tem outros traumas, outras necessidades.

Basicamente, porque ela não sou eu. Porque eu não sou, nem nunca vou ser, nem devo ser, a medida das coisas.

Utilizar a mim mesmo, minhas vontades e necessidades, o jeito que quero ser tratado, como se eu fosse o parâmetro para todas as outras pessoas é a essência do narcisismo e do egocentrismo. Usar uma mesma medida (eu) para encaixar todos os diferentes tamanhos e formatos de pessoas é o exato oposto de empatia.

A outra pessoa deve ser tratada não como eu gostaria de ser tratado, mas como ela merece e precisa ser tratada.

E a única maneira de eu saber como essa tal outra pessoa merece e precisa ser tratada é saindo de mim mesmo e deixando de me usar como parâmetro normativo do comportamento humano. (Essa é a parte fácil.)

Depois, preciso reconhecer que não sei nada.

Que a vida de cada pessoa inclui um horizonte de acontecimentos que se estende perpetuamente além de nossa visão, ao qual nunca teremos acesso.

Por fim, é necessário abrir os olhos e os ouvidos e o corpo inteiro, e reconhecer que existem outras pessoas no mundo, e que elas são todas bem diferentes de mim.

E que o único jeito de perceber o quão diferentes elas são é enxergando-as, escutando-as, conhecendo-as. 

Com atenção plena e empatia verdadeira.

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Empatia vem do grego "em" + "pathos" (sentimento), ou seja, é um penetrar, uma jornada.

Entrar em outra pessoa é como visitar em um país estrangeiro: temos que passar pela imigração e pela alfândega, caminhando com cuidado, de pergunta em pergunta, de sentimento em sentimento.

Empatia é tentar entrar em outra pessoa, nesse país estrangeiro, mas sempre reconhecendo que jamais, jamais conheceremos realmente essa pessoa, que nunca seremos cidadãs desse país.

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Em larga medida, estamos sempre resolvendo nossos próprios problemas (que incluem os problemas de nossa família imediata), muitas vezes projetados em outras pessoas, que podem ou não ter essas necessidades.

Enquanto não nos libertarmos da dita regra de ouro ("trate os outros como quer ser tratada"), nunca será possível praticarmos uma verdadeira empatia, uma empatia que não dependa de semelhança e proximidade, uma empatia que não gire fundamentalmente em torno de nossos gigantescos egos.

(Algumas observações dessa subseção vêm de Leslie Jamison, em The Empathy Exams, 2014.)

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Um exercício para praticar empatia

Sente-se em um lugar tranquilo, onde possa ficar só por no mínimo meia hora. Coloque o cachorro ou gato para fora. Desligue retângulos luminosos. Tire o telefone do gancho.

Assim como não dá para conhecer uma época sem conhecer sua história, não dá para conhecer uma pessoa sem conhecer sua vida.

Leia também  Sugerimos que usem fotos e nomes reais ao comentar

Por isso, escolha uma pessoa que você conheça razoavelmente bem, com quem tenha tido ou ainda tenha uma convivência intensa ou tumultuada.

Aquela pessoa que às vezes te tira do sério, para quem acaba falando coisas que realmente não tinha intenção. Talvez uma pessoa que não te entende, que não tem simpatia por você.

Vamos tentar entrar nela.

Pense nela, lembre-se dela. Veja sua imagem em sua mente. Ouça sua voz em seus ouvidos. Sinta seu cheiro em suas narinas.

Que histórias ela já contou de sua vida? O que você sabe sobre ela?

Tente lembrar-se de tudo. Cada detalhe. Mergulhe nessa pessoa.

Como ela se move? Como ela se coloca? Como ela se veste?

Como ela é? Como se sente? Como interage consigo mesmo, com as outras pessoas, com o mundo?

Qual é a sua narrativa pessoal de vida? Como ela se insere nessa narrativa?

Não se compare. Não pense no que teria feito no lugar dela. Não julgue.

Você não importa. Você não tem opinião. Você não existe. Você só entra no exercício como um ser humano visto através dos olhos dela, da visão de mundo dela, da biografia dela.

Como ela te vê? O que ela sabe de você? Como ela interpreta suas ações ou suas palavras a partir do ponto de vista dela?

Lembre-se: entendimento e compreensão, em sua essência, são operações de redução e de controle. (Veja a introdução aos Exercícios de Atenção.)

Não estamos tentando entender ou definir essa pessoa; reduzi-la ao seu mínimo denominador para então rotulá-la.

A operação que buscamos é expansiva. Não dedução, ou seja, partir do geral para o específico, mas indução, ou seja, partir do específico para o geral.

Estamos tentando ter acesso à totalidade dessa pessoa. Ver o mundo como ela vê. Sentir como ela sente.

Entrar nela. Estar nela. Ser ela.

Não é fácil. Não tem manual. Cada pessoa é uma pessoa.

Boa sorte.

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Exercícios de Atenção, a série completa

1. Praticar um olhar generoso

2. Dar-se conta das pessoas

3. Ver na sua totalidade

4. Ouvir com atenção plena

5. Cultivar o não-conhecimento

6. Exercer a não-opinião

7. Não ser a constante

8. Colocar-se em outra pessoa

9. Escolher agir com cuidado

10. Visualizar o privilégio

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Mudança de nome: de Empatia para Atenção

A série Exercícios de Empatia passou a se chamar Exercícios de Atenção.

Outro nome possível teria sido Exercícios de Cuidado, pois o grande objetivo da série é estimular nas pessoas leitoras um maior cuidado umas com as outras. Entretanto, nem todos os exercícios se referem diretamente ao Cuidado. Além disso, a Atenção é um pré-requisito necessário ao Cuidado:  sem Atenção não há Cuidado.

Por isso, Exercícios de Atenção é um nome que reflete melhor o espírito da série.

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Os encontros "As Prisões"

São instalações artísticas, polifônicas e interativas, improvisadas e colaborativas, onde praticamos escutatória e atenção, generosidade e cuidado, e exploramos os limites e possibilidades da comunicação cotidiana: o que falamos?, como falamos?, por que falamos?

O nome vem de uma série de textos que estou escrevendo desde 2002, tentando mapear todas as Prisões cognitivas que acorrentam nosso pensamento: Verdade, Dinheiro, Trabalho, Privilégio, Monogamia, Religião, Obediência, Sucesso, Conhecimento, Felicidade, Autossuficiência, Patriotismo, e a maior de todas, Eu.

Os encontros, realizados por todo o Brasil desde 2013, reúnem de dez a trinta pessoas, duram de um a cinco dias e são sempre diferentes, imprevisíveis, únicos.

Neles, enquanto discutíamos "As Prisões", os Exercícios de Atenção foram criados, gestados, aperfeiçoados, em um processo colaborativo com as pessoas participantes. Hoje, os encontros servem para praticarmos esses exercícios e para inventarmos juntas os próximos, em um processo que só poderia acontecer presencialmente, olho no olho e lágrima no suor.

Ninguém é obrigada a falar: toda fala é voluntária.

Ninguém é obrigada a pagar: todo pagamento é voluntário.

Para saber quando serão os próximos, visite minha página de eventos.

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Três avisos importantes sobre meus textos

Eles falam sempre sobre e para as pessoas privilegiadas, justamente para tentar fazê-las ter consciência de seus enormes privilégios. (Leia também Carta aberta às pessoas privilegiadas e Ação de graças pelos privilégios recebidos);

Buscam sempre usar uma linguagem de gênero neutra (Para mais detalhes, confira meu mini-manual pessoal para uso não sexista da língua);

E são sempre todos rigorosamente ficcionais(Ou não: Alex Castro não existesó o texto importa. Em caso de dúvida, consulte minha biografia do meu site pessoal.)

 

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu