“Estou aqui para aprender.”

Como sair de uma postura passiva de quem quer ensinado para uma postura de quem corre atrás do que quer aprender sem sobrecarregar os outros?

No Big Brother Brasil deste ano, a edição 22, um participante (para o bem ou para o mal)  se destacou nas primeiras semanas: Rodrigo Mussi. Ele se apresentou ao público contando sua trágica história de vida que envolve abandonos e perdas. Rodrigo deixa claro inclusive em seu vídeo de apresentação o objetivo de ser jogador e competitivo, que até então fazia sentido e não seria exatamente uma questão dentro do jogo, ledo engano.

Como nas edições anteriores, logo nas primeiras semanas surgiram assuntos sobre questões raciais e de gênero. Rodrigo fez perguntas sobre questões de negritude a Douglas Silva e, após se referir a mulheres trans e travestis usando o termo “Traveco”, também teve uma conversa importante com  Linn da Quebrada (mulher negra travesti).

Rodrigo talvez tenha sido mais insistente que os demais, mas outros participantes, como Naiara Azevedo, colocando-se em lugar de aprendizes, levantaram perguntas como: como se deve dirigir a pessoas negras? Quais termos são certos ou errados? Falar “traveco” é ofensivo? Falar mulata é errado?

Douglas conversando com Rodrigo sobre a insistência dele em querer tirar duvidas sem respeitar o outro. Foto: Globo

Os participantes negros foram convocando para serem professores dos demais. “Eu estou aqui para aprender” foi a frase que marcou os primeiros dias de reality. 

A questão é que é um movimento de pedir a uma pessoa que sofre um preconceito social ensinar alguém que a oprime, estruturalmente falando, é uma forma de violência.

Grada Kilomba, autora de Memórias da Plantação, nos ajuda a refletir sobre esse tipo de situação. Quando Rodrigo ou Naiara, pessoas brancas, de mais de 30 anos, com estabilidade financeira, ou seja, com acesso à informação, deixam de buscar essa informação por si (fora do programa) e pedem então que os participantes que sofrem com essas opressões tornem-se seus professores, reflete-se ai uma hierarquia de poder: 

Na entrelinha do “Desculpe, não sabia. Me ensine.” essa é a mensagem oculta: “Você, pessoa que eu não reconheço a humanidade, me explique o porque eu deveria te respeitar” (ou entender sobre a sua dor). 

Kilomba descreve que quando é estabelecido essa hierarquia de poder pela explicação, Rodrigo vence em todos os aspectos, se explicarem a ele, ele ouve. Se ele entende, apaga-se o erro pelo viés de “não sabia que era errado, agora sei. Se ele não entender, e se a pessoa cessar a explicação em algum momento, quem se negou se torna radical. Rodrigo mantém sua integridade egocêntrica “eu tentei entender, mas ninguém teve paciência de me explicar.”

Douglas foi exemplar ao cortar as tentativas de Rodrigo de o transformar em professor racial: “se você queria aprender sobre isso, deveria ter feito lá fora, aqui dentro é o seguinte: se você tem dúvida se é certo ou errado, não faça”. E assim ele devolve ao Rodrigo a responsabilidade de ir aprender e não se tornar um eterno aprendiz.

Mas como vamos aprender se as pessoas não querem tirar seus tempos para falar sobre isso?

Desde 2020, raça e gênero têm sido assuntos amplamente discutidos no reality. Alguém com interesse no debate poderia ter aprendido com as diversas entrevistas, reportagens e conteúdos em redes sociais que abordaram o assunto a partir de participantes e acontecimentos das duas edições passadas. Se há vontade genuína de aprender, porque estes movimentos não foram feitos antes do ingresso no reality? 

“Ah o eterno aprendizado…”

No reality show: Casamento às Cegas, os homens do programa, após os erros que cometeram, tinham uma frase em comum. Ao serem confrontados em entrevistas pelas atitudes que tomaram durante o programa, ainda que assumissem o erro, se defendiam com a justificativa "faz parte do aprendizado", transformando as mulheres parceiras do reality nessa “eterna escola”.

Rodrigo Vaisemberg foi criticado por expor intimidade da noiva, Dayanne Feitoza, aos outros participantes do reality. Em uma entrevista, quando perguntado sobre isso, finalizou "fica como aprendizado".

No Casamento às cegas, as questões de gênero na relação eram sempre colocadas como uma “tentativa” na qual houve um erro, mas que haverá outra tentativa acompanhada de uma suposta correção. Na prática, na maioria das vezes, não há um esforço para evitar o tal erro, mas sempre uma tentativa que serve para se esquivar da responsabilidade que é constituir uma relação. 

Algo que já ouvi de muitos homens próximos a mim, após um término, é dizer "cara, eu aprendi muito com ela, me fez um homem melhor".

Só que esse amadurecimento ou aprendizado, vem ao custo de um desgaste de tempo, energia ou emocional de uma pessoa que pertence a um grupo menos hegemônico que o seu (mulheres, pessoas negras, pessoas LGBT, pessoas Trans e travestis). Esta pessoa é colocada numa posição em que ela precisa gastar tempo de qualidade - em que ela poderia simplesmente partilhar a vida com alguém que ela ama e que deveria ser recíproco a dedicação dela - para engrandecer ou ensinar esse homem ou essa mulher que nunca se interessou em, por si só, ir aprender mais sobre o tema em questão. 

Douglas e Linn só querem viver o jogo, e quando são convocados a pacientemente dar aulas, pagam um custo psicológico em revisitar dores profundas.

Quero aprender mas não posso perguntar?

Antes de perguntar, se questione algumas coisas:

Você tem intimidade com a pessoa para quem pergunta? Sabe se ela se incomoda  com esse tipo de pergunta ou se gosta explicar e falar sobre?

Sua pergunta é genuína? Tem certeza que sua pergunta não tem intenção de confirmar o que você tem em mente ou até colocar em cheque outros posicionamentos que você já ouviu sobre? 

Você quer saber mais sobre aquela pessoa, aquele indivíduo, ou você quer uma aula sobre a categoria que aquela pessoa representa?

Você pode ir atrás desse conhecimento por si só? Você já esteve diante tais assuntos e evitou se aprofundar sozinho para depois perguntar a outra pessoa?

É muito confortável ficar nessa posição de aprendiz, porque se algo errado acontece você pode dizer que não sabia o que estava fazendo e que vai fazer diferente na próxima vez. Somos homens adultos e por isso temos uma coisa que ao homem não é atribuída: a responsabilidade. A desculpa é sempre algo externo, ou não te ensinaram, ou não te deram amor na infância, te faltou isso e aquilo, e veja, eu respeito seu contexto, mas não use isso para encobrir seus erros.

Vejo muitos homens em comentários diversos pelos textos sobre masculinidade e afins,  e também aconteceu no caso do Rodrigo do BBB, onde sempre existe uma resposta pronta. Muitos dizem em comentários  "Mas ele só queria aprender", e particularmente me incomoda essa frase, porque ela dá conta de um movimento de recuperação de poder. É uma tentativa de recuperar essa posição de ser quem pede a explicação culpabilizando quem sofre a dor. 

Mulher não é escola, pessoas negras não são wikipédia racial, pessoas LGBTQI não são obrigadas a te ensinar como ser empático com elas e eles. Comece a agir de verdade,  Quer aprender? Tem muitos conteúdos falando sobre diversos temas, inclusive aqui no PdH, mas precisa vir de você a vontade genuína de aprender, ao invés de ficar sustentando um eterno aprendizado que encobre a sua falta. Se você não assume suas responsabilidades, não há como pensar em desconstrução de nenhum tema.

Como fazer daqui para frente? 

- Busque conteúdos e profissionais que atuam justamente falando sobre isso

- Se for perguntar a outra pessoa, deixe ela confortável para se negar a responder.

- Ao invés de pedir explicações complexas, peça recomendação de conteúdo sobre os quais você irá se debruçar posteriormente.


publicado em 31 de Janeiro de 2022, 01:56
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João Marques

Escritor, pesquisador da psicologia das masculinidades e questões raciais.


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