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Só conhecemos uma pessoa quando ela morre

Nós estaremos todos mortos em breve.

Lembretes diários assim ajudam a sustentar a perspectiva da morte e direcionar a vida ao essencial. Afinal, não é muito inteligente esperar por um câncer para nos lembrar do que vale a pena.

Do mesmo modo que destila a vida, o olho da morte pode melhorar os relacionamentos. Para abri-lo, vamos observar o que acontece em um velório caricato.

Foto por flickr.com/missmass
Foto por flickr.com/missmass

Todos começam a conversar sobre sua conexão com o falecido. O filho fala do pai para o sócio, que descreve o empresário que só ele via. A namorada surpreende a ex-mulher com histórias que não parecem vir de seu ex-marido. O amigo do judô dá risada com o amigo da dança de salão. A diretora de uma ONG revela como ele a ajudou secretamente por décadas. Só conhecemos uma pessoa quando ela morre. Mas talvez possamos antecipar o processo.

O que vemos quando olhamos para esposas, namorados, amigos, filhas, funcionários?

O outro surge 100% como a identidade que foi construída pela relação. Começamos a enxergá-lo de um jeito e, em pouco tempo, não mais desconfiamos de que ele seja muito mais do que nos aparece, de que outros o ativem de outro modo, de que ele encarne diferentes risadas, olhares, gestos. A cegueira se evidencia quando o flagramos em outro mundo, reencontrando um amigo de infância ou palestrando. É como se fosse outra pessoa!

Nunca abraçamos alguém por inteiro – e nem deveríamos tentar. Sua esposa não é sua esposa. Seu namorado nunca foi nem nunca será seu namorado: ele é um homem que está vivendo com você. Conectar-se com essa pessoa livre, não apenas com suas identidades, é o melhor jeito de aprofundar a relação.

Conhecer o outro muitas vezes significa congelar o outro. Se você acha que ela não gosta ou nunca faria tal coisa, espere pelo próximo namorado... Para realmente conhecer alguém, é preciso desconhecê-lo, relacionar-se com o espaço onde surgem suas faces e histórias. Liberar o outro de quem ele é.

Impedimos as pequenas mortes e renascimentos quando silenciosamente, sem saber, exigimos que o outro encarne de novo e de novo o personagem com o qual estamos acostumados. Desejamos surpresas ao mesmo tempo em que as dificultamos. Ao controlar, tentamos garantir que a relação dure, que não sejamos abandonados, que o outro não seja assim tão livre:

“Mude, mas somente dentro das mudanças que eu espero.”

Podemos deixar os outros morrerem mais antes da última morte. Conhecê-los é alimentar sua imprevisibilidade, descobrir não tanto quem a pessoa foi ou é, mas quem não é, quem pode ser.

...

* Texto publicado na revista Vida Simples em de setembro 2011.

** Estamos concentrando num só lugar pessoas, práticas sugeridas, projetos, artigos de aprofundamento, conversas e experimentos coletivos focados em transformar nossa vida (corpo, mente, trabalho, dinheiro, relacionamentos…). Você está convidado.

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publicado em 23 de Setembro de 2013, 13:19
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Gustavo gitti julho 2015 200

Gustavo Gitti

Professor de TaKeTiNa, colunista da revista Vida Simples, autor do antigo Não2Não1 e coordenador do lugar. Interessado na transformação pelo ritmo e pelo silêncio. No Twitter, no Instagram e no Facebook. Seu site: www.gustavogitti.com


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