O amor, esse café da manhã de novela com bolo e panqueca, suco de laranja e três horas sobrando pra comer e ler o jornal. O amor, esse colocar dos dedos no saco de arroz, o alívio da simetria, férias de três meses em Bora Bora e todo dia faz sol.

Como o amor é chato.

Na última edição dessa coluna eu escrevi sobre pessoas que, por medo de se dar mal no amor, desistem da relação antes mesmo de ela amadurecer, de existir. Mas porque diabos a gente tem medo de algo tão foda como amor? Porque superestimamos esse tipo de relacionamento específico. Vi por esses dias, por exemplo, um vídeo desses sites de casal sobre a necessidade de fazer de todos os dias, no casamento, um dia especial. Coisas como jantarzinho surpresa, uma noite de pipoquinha ou presentinhos fora de época (diminutivo não depreciativo, só copiado da expressão usava no vídeo mesmo) para a coisa não cair na mesmice, para que a relação não seja acomodada, mas interessante "o resto da vida". Imagine só a maluquice e trabalheira viver sob essa pressão de fazer o especial todos os dias e pro resto da fucking vida.

Perceba, Ivair, antes de chegar nesta conversa, isso de nada tem a ver com entrega, com a ternura, com a gente querer amar alguém. Não é fugir da raia, mas tirar essa importância exacerbada de que um relacionamento amoroso precisa ser especial e muito mais importante que qualquer outra convivência que temos. Nossos envolvimentos profissionais ou de amizade, por exemplo, costumam ser bem mais saudáveis, entendemos melhor suas motivações para cancelamento de encontros, necessidades de mudança, tempo para aproximação ou distanciamento, a afetividade equilibrada entre as pessoas envolvidas. 

Mas no relacionamento amoroso há a necessidade de elevar tudo à enésima potência, como se a gente enriquecesse urânio e precisasse ficar aí, cheio de dedos e procedimentos especiais e desgastantes evitando o acidente. Daí, cara, vai explodir. Porque é no oposto que a relação acontece. 

A felicidade da sua vida vai ser definida nos dias de tédio. Porque eles vão definitivamente acontecer e suas fugas com mimos especiaizinhos não vão se sustentar até que a morte os separe. Que triste isso, achar seu casamento um saco a ponto de preparar algo "diferente", "para apimentar", mais por você não conseguir ficar consigo mesmo por umas horas sem se achar enfadonho e nem ficar com seu companheiro sem achar tudo a coisa mais chata desse mundo do que por alguma busca por interesses pra essa conexão. E daí resolve fazer algo de diferente. Vocês não precisam de algo diferente, só precisam deixar de ter expectativas mimadas e fazer a relação avançar, sozinho e com ela ou ele ou elas ou eles de seu lado.

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Esse rolê de namorar, casar, se envolver com alguém, é das coisas mais deliciosas que a gente tem como meta ou desafio. Estragar a brincadeira toda com necessidades bobas é jogar sal no café. Os dias de bad vão inevitavelmente aparecer e nessa hora é de supra importância a ajuda um do outro, o auxílio, o companheirismo, o abraço. Mas isso tudo não precisa ser "algo especial", mas só a ajuda que damos às pessoas que estão sofrendo.

Nada especial.

Nada.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados