Quando eu era criança, o natal em família era o dia mais feliz do ano e ainda tinha repeteco na semana seguinte. Era quando os primos de todos os cantos se encontravam e podiam ficar brincando até tarde, todo mundo ia ganhar algum presente (eu, com certeza, porque meu aniversário é dia 25! rs). Podia comer aqueles doces maravilhosos sem muita fiscalização dos adultos e, mais, podia ficar acordado até de madrugada.
Claro que uma reunião em família, principalmente os mais próximos, é uma coisa boa. Acredito nisso. Mas com o passar dos anos, você começa a perder a paciência e ter desespero com aquelas perguntas chatas (“Vai casar quando?”, “E as namoradinhas?”, “Já tá trabalhando?”, “Já sabe o que vai fazer na faculdade?” etc…) e com BBB da vida real – comer, andar pela casa, esperar meia-noite, subir na laje pra ver os fogos e ir todo mundo embora.
Imagina só como serão as festas de encerramento de 2016, então? Pensa no grupo de Whatsapp da família reunido, depois desse ano que teve impeachment e Trump? Não vou nem citar guerra contra imigrantes e ataques terroristas porque só os dois já bastam. Pra não correr esse risco, pensei em algumas soluções para evitarmos sofrimentos, tretas e muitas problematizações.
1. Se for encarar, vá com paciência e peito aberto
Pode parecer que estou me contradizendo logo de cara, porque essa opção talvez nos faça sofrer. Afinal, quem estiver disposto a problematizar conversa de parente, vai ter trabalho. Sempre rola um “nossa, fulana tá gorda, né?”, “nossa, o Joaquim, não sei, não arrumou namorada até agora…”, “você viu quem se separou?”, “Mandei a fulana embora. Não sabia lavar uma louça”.
Teremos ainda mais PHDs em política nacional e internacional, os “ai, mas isso é brincadeira que todo mundo faz”, “tenho até um amigo que é…”, “tinha que cair mesmo, aquela #$%&”, os novos ricos que foram morar numa casa com suíte. Ah, “isso é mimimi. No meu tempo, mulher só andava…”.
Quer dizer, vai dar trabalho.
A dica aqui, meu amigo, é que caso você opte por ser fiel aos seus princípios e entrar em discussões polêmicas, tenha bastante paciência e exercite sua fala de coração e sua capacidade de ouvir além das palavras. Teatros e defesas bloqueadas não vão fazer qualquer conversa avançar.
E, caso necessite, não economize na cerveja. Há de estar liberada!
2. Dê de louco
Por mais que você possa ter passado boa parte do ano tentando entende-lo e ler a sociedade da maneira mais desconstruída possível, nem todo mundo fez isso. Alguns continuam se informando apenas pela TV e, ainda assim, têm opiniões formadíssimas para tudo.
Mas, olha, como natal é sinônimo de paz e união, você pode perfeitamente fingir que não sabe de nada e (meio que) concordar com tudo o que todo mundo tá falando. Exerça a rara virtude do ostracismo ativo, o "treinamento deliberado de não agir no calor de grandes emoções, positivas ou negativas". Deixe conversas que podem mudar pessoas para momentos mais intimistas, com possibilidade de maior abertura da sua parte e da outra pessoa. Envoltos a dezenas de parentes, tudo convida a posturas mais fechadas, posicionamentos mais duros.
No máximo, pra encerrar um assunto chato demais, experimente um “já começou o especial do Rei?” e, como num passe de mágica, todo mundo vai voltar os olhos pra TV.
3. Vale uma ousadia? Vale, claro
Agora, se você é daqueles que quer tentar mudar aquela reunião chata, principalmente depois de 2016, há alternativas. Proponha que todos levem música e façam um bailinho da família. Caso dê certo, você certamente verá (e participará) de cenas muito divertidas. Vai ter os empolgadíssimos, a galera que puxa o vô pra dançar É o Tchan, o tio pegando umas tampas pra fazer de instrumento ou puxando a tia pra dançar um forrozinho como nos velhos tempos.
Eu diria até que, na “obrigatoriedade” de passar as festas com a família, essa me parece a opção mais divertida. Vai render pelo menos boas risadas. Imagina só os amigos do seu tio fazendo passinho ao som de News Kids on The Block (alguém vai levar essa, com certeza) e comentando como era bom aquele tempo em que “o homem sabia conquistar a mulher”.
4. Monte sua bolha na festa da família
Tem sempre alguém que está mais ou menos na mesma vibe que você. Se não for parente, é algum agregado. Nesta opção, você poderá chegar na reunião, sentir em 15 minutos quem tem certeza que foi golpe, se juntar no portão de casa e por lá ficar.
Ah, neste caso, vale revezar quem vai buscar a cerveja na geladeira e esta pessoa puxar papo com a galera da cozinha – só pra não ficar chato. Na hora da comida, guarde as problematizações na memória para continuar a segunda parte do papo na bolha conquistada.
Novamente, o ostracismo ativo entra em ação.
5. Se for pra ficar dando scrolling no Facebook, sério, não vá!
Vamos evitar ficar entediados durante quatro ou cinco horas. Não fará bem pra ninguém. A você, porque olhará no relógio a cada 30 segundos, e aos outros, porque ficarão tentando te incluir em algum assunto o tempo todo.
Neste caso, se nenhuma das dicas anteriores te ajudarem, banque sua vontade e não vá. Tá liberado dizer que este ano vai preferir ficar em casa fazendo outra coisa ou, se for pra não chatear alguém, diga que foi convidado para outra festa de Natal e que, desta vez, vai querer fazer diferente.
E que, em 2017, tenhamos alguma condição de não precisar fazer essa lista!
Foca no pensamento positivo e “boas festas”, pessoal!
* * *
Nota do editor: juntamos uma série de práticas que têm beneficiado nossa comunidade há anos na busca de uma vida mais lúcida e as transformamos em nove textos. O percurso foi chamado de 9 práticas para 2017 doer menos, e o exercício que acabou de ler faz parte dele.
Ficou interessado em praticar os outros? Abaixo listamos todos, para facilitar a busca. Agora, mãos à massa. 😉
1. Pequeno manual para sobreviver ao Natal e ano novo com a família
2. Como parar de divulgar e ser enganado por notícias falsas
3. Como tornar seus debates mais produtivos
4. Respire antes de comentar na internet
5. Não deseje mais sexo nesse reveillón
7. A gente consegue sim melhorar nossa relação com a comida
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