Diversos são os momentos em que estamos mais sensíveis ou menos desligados do mundo. Ouvimos histórias escabrosas e não nos assustamos mais. Nos aparece um problema e achamos, primeiro, ser o maior de todos já surgidos para, logo a seguir, ver que alguém do nosso lado tem muito mais adversidades, todas bem maiores. Há pessoas que, de tantos contratempos, já nem liga mais para os infortúnios e estão melhores que nós que, ao compararmos, nos achamos mimados.

Comparamos situações boas e ruins. Olha que maluquice. Como se um problema alheio anulasse o seu, como se o contentamento de um terceiro botasse o seu no chinelo e, depois de ver a fortuna de verdade, a sua alegria de nada valesse.

Fazemos isso conosco o tempo todo. Basta ligar a televisão ou conversar dois minutos com o cobrador de ônibus ou com o cara que lava o teu carro. Passeando, ao passar em frente a banca de jornais e ver aquele mundaréu de revistas com famosos bonitos em castelos bonitos, modelos bonitas em carros caros ou lanchas igualmente bonitas em praias bonitas.

Seguimos oscilando nossos anseios, nossos sentimentos, até nossas angústias, jogando o tempo todo em um cassino de vontades em que a casa, claro, sempre vence. Deixamos lá nossa vontade de ser mais, nosso desejo de resolver o que está crispado, o nosso querer de bem querer mesmo.

Como é possível sermos tão dependentes de fatores externos para sermos e fazermos o melhor de nós? De que maneira seguimos a vida a chegar nesse ponto de submissão adoidada e intensa de deixar o mundo e o balançar bêbado do caos botarem o bedelho no que somos e no que sentimos e até como sentimos?

Leia também  Prisão Eu

Banca de jornal no centro de São Paulo, c. 1953 (Imagem: Blog do MIS)
Banca de jornal no centro de São Paulo, c. 1953 (Imagem: Blog do MIS)

Entramos com mala e cuia nas falsetas. “Preciso comer tudo porque as crianças da África estão passando fome” ou “eu reclamando disso enquanto aquele cara não tem nem onde morar”. Não que compadecer seja errado, claro que não, mas botar uma dor em xeque contra qualquer outra é de uma pequenez, de uma servidão que todos nós nos deixamos afetar em algum momento, estamos mais sensíveis ou menos desligados do mundo.

Você não é pior que as outras pessoas. Suas atitudes e pensamentos e anseios nem dependem da ação delas.

Comece a olhar para dentro.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados