Ao cultivar o não-conhecimento e exercer a não-opinião, uma atividade à qual já dediquei muito tempo e energia acabou se revelando completamente autocentrada, arrogante, competitiva: o debater.
O 14º Exercício de Atenção é concedermos às outras pessoas o direito de ter opiniões diferentes das nossas, sem querermos censurá-las, convencê-las, debatê-las.
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Sem conhecimentos, certezas e opiniões, como debater?
Uma das premissas básicas do debate (mesmo que raramente articulada ou admitida) é que considero meus conhecimentos, minhas certezas, minhas opiniões melhores ou mais acertadas do que os conhecimentos, as certezas, as opiniões das pessoas com as quais estou debatendo.
Sem essa premissa, o próprio conceito de debate não faz sentido.
Mas, se me coloco em uma postura de não-conhecimento, se abraço minhas incertezas, se não reconheço meu direito de emitir opiniões…
Então, como debater?
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Escrever não é debater
Ganho a vida escrevendo textos que expõem alguns dos meus conhecimentos, das minhas certezas, das minhas opiniões.
Quando recebo feedback sobre esses textos, leio com carinho e com atenção.
E pronto.
Outras pessoas usam esses textos para debater. Não tenho controle sobre isso e respeito a decisão de quem faz.
Mas prefiro só escrever os textos e, depois, não interferir nos debates que eles por ventura suscitem.
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Não sou fiscal das ideias erradas do mundo
Algumas pessoas discordam veementemente dos meus conhecimentos, das minhas certezas, das minhas opiniões, e me escrevem comentários apaixonados, estimulantes, argumentativos; comentários que ontem teriam me provocado a um debate.
Mas eu não debato mais com essas pessoas: eu não desconstruo seus argumentos, eu não os convenço das minhas ideias, eu não lhes mostro seus pretensos erros.
Eu respeito suas opiniões e agradeço seu feedback.
Não cabe a mim o ônus de corrigir, iluminar, convencer as pessoas que têm opiniões diferentes das minhas. Ninguém me nomeou o fiscal das "ideias erradas" do mundo. Minhas ideias não são melhores que as deles.
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A competição ensina as lições erradas
Algumas pessoas, chocadas com essa minha postura, perguntam:
"Mas, Alex, se você não debate, como aprende?!"
Hoje, tenho evitado atividades competitivas, como argumentar e contraargumentar; pegar a outra pessoa em contradições; demonstrar as falácias de seus argumentos; e tenho buscado atividades que não tenham nem vencedoras nem vencidas, como aceitar, ouvir, acolher, cuidar, abraçar.
Considero que a competição traz tudo o que temos de pior. Um debate é um ambiente competitivo demais para que algo de valioso possa ser aprendido: debatendo só se aprende oratória e retórica, arrogância e autocentramento.
Talvez outras pessoas aprendam em debates. Eu nunca aprendi nada.
Eu aprendo lendo, vivendo, experimentando. Em livros, em museus, nas ruas.
Mais do que tudo, eu aprendo… ouvindo!
Nada me ensinou mais do que simplesmente sentar com alguém e lhe oferecer o maior presente que posso dar:
Simplesmente estar ali, ao seu lado, com atenção plena, sem conhecimentos e sem certezas, sem opiniões e sem debates.
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Se você discorda, eu te respeito
Faz muitos anos, escrevi e publiquei na internet uma versão preliminar desse texto sobre não-debater, que tem sido bastante citado e linkado — quase sempre por pessoas que também não querem debater.
Toda semana, alguém me escreve querendo debater esse texto, ou seja, querendo debater comigo minha postura de não-debater.
Minha resposta é sempre a mesma:
"Respeito sua opinião. Obrigado por compartilhá-la comigo."
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Mudança de nome: de Empatia para Atenção
A série Exercícios de Empatia passou a se chamar Exercícios de Atenção.
Outro nome possível teria sido Exercícios de Cuidado, pois o grande objetivo da série é estimular nas pessoas leitoras um maior cuidado umas com as outras. Entretanto, nem todos os exercícios se referem diretamente ao Cuidado. Além disso, a Atenção é um pré-requisito necessário ao Cuidado: sem Atenção não há Cuidado.
Por isso, Exercícios de Atenção é um nome que reflete melhor o espírito da série.
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Os encontros "As Prisões"
São instalações artísticas, polifônicas e interativas, improvisadas e colaborativas, onde praticamos escutatória e atenção, generosidade e cuidado, e exploramos os limites e possibilidades da comunicação cotidiana: o que falamos?, como falamos?, por que falamos?
O nome vem de uma série de textos que estou escrevendo desde 2002, tentando mapear todas as Prisões cognitivas que acorrentam nosso pensamento: Verdade, Dinheiro, Trabalho, Privilégio, Monogamia, Religião, Obediência, Sucesso, Conhecimento, Felicidade, Autossuficiência, Patriotismo, e a maior de todas, Eu.
Os encontros, realizados por todo o Brasil desde 2013, reúnem de dez a trinta pessoas, duram de um a cinco dias e são sempre diferentes, imprevisíveis, únicos.
Neles, enquanto discutíamos "As Prisões", os Exercícios de Atenção foram criados, gestados, aperfeiçoados, em um processo colaborativo com as pessoas participantes. Hoje, os encontros servem para praticarmos esses exercícios e para inventarmos juntas os próximos, em um processo que só poderia acontecer presencialmente, olho no olho e lágrima no suor.
Ninguém é obrigada a falar: toda fala é voluntária.
Ninguém é obrigada a pagar: todo pagamento é voluntário.
Para saber quando serão os próximos, visite minha página de eventos.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.