Ano após ano, ao menos uma das sete uvas ou ondas, recebe a missão de melhorar a vida sexual do indivíduo trajado de branco. Ao fazer a retrospectiva pessoal, se as transas estão no vermelho, lembrar que todo o resto vai de vento e poupa parece uma forma boba de buscar consolo, enganar-se.

É natural que todos queiram ser desejados, seja ao receber propostas indecentes ou ao ter as suas aceitas. Queremos porque é o desejo do outro sobre nós que faz com que a gente se perceba sexy e desejável. Inclusive, se essa necessidade pudesse ser resolvida por uma simples declaração de reciprocidade, não seria um problema. No entanto, há uma pressão que nos empurra sempre para querer o inalcançável: ser mais desejado, mais desejante e, claro, mais praticante.

Na rodinha do bar, os narradores de fetiches é que são os invejados, e não basta praticar exaustivamente: é preciso falar. Os aturam bem aqueles que encontram nos relatos alheios a oportunidade de emendar um causo seu. Durante a batalha de contos , os mais reservados tentam adiar o momento que alguém vai lhes convocar: ‘Não precisa ter vergonha. Pode falar! Já rolou com você? Não já?’

Qualquer resposta te expõe, porque existe sim uma resposta certa e outra errada para estes casos. Tudo o que não te retratar como aspirante a metelão fará de você um incapaz. Esses momentos seriam muito mais fáceis se as pessoas se pronunciassem admitindo suas as poucas transas com orgulho e questionando valores dos que se colocam como maiorais baseados na quilometragem de fodas. Assim, é possível dar força para as outras tantas que passam o mesmo, mas que se calam para evitar os questionamentos do esquadrão de transões.

Quando alguém tenta se encaixar forçadamente nesse padrão insaciável, o resultado é a frustração. Quem falha, se ressente, tornando-se mais inseguro ou até apelativo, e quem consegue se provar para as vistas dos outros, mas não acha satisfação nisso, acaba vazio.

Sempre que nos deixamos abater pelo sentimento de fracasso, porque não nos enquadramos na meta estabelecida de transas, é como se confirmássemos a tese da piracema: Trabalhar, cozinha, comer, fazer academia, ler, ver filmes, tudo o que fazemos é pelo sexo e o que não nos leva até ele, foi em vão.

Apesar desse ciclo ser destrutivo e um tanto quanto incoerente, todos seguem a vida, se matando pra continuar no jogo sem questioná-lo. Não há quase ninguém que nos diga que está tudo bem ficar na seca ou ter um relacionamento que já não solta faísca toda as noites, que está tudo bem se você tem uma disfunção, se você faz diferente, se você não gosta, ou simplesmente se você não quer. Que seja você um grande transador ou não, sexo não precisa ser sua prioridade.

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Talvez seja isso que faça falta: falar. Porque a verdade é que os grandes feitos sexuais não precisam ser escondidos ou calados, mas é preciso que as pessoas também não tenham vergonha de falar que não vivem isso, que se manifestem e que mostrem para outras que a vida de tantos e tantos não gira ao redor do sexo. Que pessoas adoradas, cheias de amigos, de histórias, de viagens, podem ser incrivelmente felizes mesmo se sexo for só um especial de natal na vida delas. É preciso valorizar as outras possibilidades. Ou ao menos para não desvalorizá-las. Precisamos curtir e respeitar quando as pessoas postarem “Sexo é bom, mas vocês já – preencha com comidas ou séries – ?”, e não responder com imagens prontas de  “Com quem vocês andam transando?” e  “Transou errado, transa de novo.”

Não transou errado coisa nenhuma. Às vezes sexo é mesmo tudo o que você precisa e, em outras ocasiões, não fica nem entre as top 10 coisas que te ajudariam.  E com certeza não será salvador quando for colocado como obrigação. Ao se converter nisso, é mais provável que transas passem a ser fonte de frustração, e isso é sintoma de coisa errada.

Que em 2016, ao invés de desejarmos mais sexo para 2017, possamos desejar sexos melhores, mais livres, espontâneos, igualitários, subjetivos, personalizados, ainda que seja um só, mas que seja de verdade.

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Nota do editor: juntamos uma série de práticas que têm beneficiado nossa comunidade há anos na busca de uma vida mais lúcida e as transformamos em nove textos. O percurso foi chamado de 9 práticas para 2017 doer menos, e o exercício que acabou de ler faz parte dele.

Ficou interessado em praticar os outros? Abaixo listamos todos, para facilitar a busca. Agora, mãos à massa. 😉

1. Pequeno manual para sobreviver ao Natal e ano novo com a família

2. Como parar de divulgar e ser enganado por notícias falsas

3. Como tornar seus debates mais produtivos

4. Respire antes de comentar na internet

5. Não deseje mais sexo nesse reveillón

6. Ande o máximo que puder

7. A gente consegue sim melhorar nossa relação com a comida

8. Não use o cartão de crédito para acumular milhas

9. Como sofrer menos com o trabalho em 2017

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP