“É possível ver poesia em qualquer lugar, depende só do jeito que a gente olha. É possível realizar isso, depende só de alguma iniciativa.”
Jarbas Agnelli, músico criador de Birds on the Wire

Nossas cidades transbordam coisas belas. Precisamos enxergá-las. 

Esse devaneio nasceu dum sábado movimentado: 0 dia começou c’um sono mais prolongado, porque deixei de lado um treino de rugby. Depois acompanhei debates e conversas revigorantes numa virada política. Escutei um lama budista discutindo sobre trabalho e nossa ação no mundo, com uma fala poderosa a ponto de fazer duas horas fluírem como água. Cheguei em casa e fiquei sabendo que minha mãe tinha sido assaltada na claridade das duas e meia da tarde, na rua de casa. 

Mesmo depois do dia rico em experiências, ao receber a notícia do caso comecei a pensar em como a cidade é cruel, feita para nos foder. Toda aquela história de que não existe amor em canto algum parecia bem certa. 

Mas esse pensamento está errado. Ou melhor, até está correto, mas é só um dos olhares que podemos ter com nosso entorno, e é pouco construtivo. 

Não falo sobre relevar as coisas ruins, tampouco ignorar os problemas. É, sim, sobre entender que existem defeitos, mas eles convivem com todos os movimentos belos que ocorrem no espaço em que estamos. E a forma de enxergar esse lugar é escolhida por nós, diariamente. 

Precisamos cultivar um outro olhar com nossas cidades. Precisamos dar valor para as coisas fodas que acontecem nelas. 

Quando tomamos essa atitude, tudo muda. É como se trocássemos lentes defeituosas e opacas por um par novo, que nos permite ver a beleza outra vez. A cidade se torna outra, nossa relação com ela se altera, encontrar soluções e viver num ambiente que te fortalece se torna mais fácil. 

E, mano, mina, como tem coisas para te ajudar com esse novo olhar. Em todos os cantos. 

As iniciativas das quais você pode fazer parte que repensam a educação, os negócios, a tecnologia, a vida, o universo e tudo mais. As casas e espaços de troca, coworking, cultura, eventos e rolês legais.  

Os grafites que cortam os muros cinzas e os deixam menos tristes, assim como, por um momento, aquele busão lotado ou o engarrafamento enorme.

O pastel com caldo de cana na feira (há quanto tempo você não vai em uma?). Admirar o verde que ainda resta no meio das ruas e prédios (sabia que é primavera e tempo de amoras?). 

Os artistas de rua que estão lá, nos tirando de nossos conflitos internos e da correria do dia-a-dia. Nos fazendo respirar e notar a presença das estações, avenidas e espaços urbanos. Tudo no meio da cidade que pulsa.

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Ainda tem os parques, teatros, museus, que transbordam arte e carecem de gente – sempre ótimas opções para estar com a família e amigos – e todas aquelas coisas legais que não reparamos em nossas cidades, mas, curiosamente, notamos nos lugares em que somos turistas.

Precisamos viajar mais para nossas próprias cidades, olhar com  interesse e curiosidade o espaço que vivemos, tal qual olhamos aqueles nos quais estamos com os pés pela primeira vez. 

E se você não achar nada interessante, pode ajudar a criar o que deseja. A cidade é sempre um espaço de troca e construção coletiva, não só uma relação de recebimento passivo e sem diálogo.

Esse criar pode rolar com coisas simples, como chamar amigos para uma noite de séries com pipoca em casa, ou comprar uma bike e descobrir que o mundo é legal pra cacete. Mas também tá no kit de coisas maiores. 

O treino de rugby nasceu do desejo de um bando de colegas de praticar o esporte que amavam.

A virada política foi financiada por centenas de pessoas, que tornaram possível tirar o sonho do papel e fazê-lo acontecer

A palestra foi organizada por uma instituição que, apesar dos custos, deixou em aberto para cada um contribuir com o valor que enxergasse sentido. Todos eram livres para estarem ali.

Esses são os só exemplos dos eventos que estavam na minha agenda no sábado citado. Todos feitos por pessoas e para pessoas. 

É importante entender esse novo olhar como uma tarefa diária. Nada disso é fácil, e teremos dias nos quais o único desejo é de explodir tudo, comprar uma bebida e ignorar o mundo.

Tudo bem, não tem nada de errado nisso. 

Mas a cidade, apesar dos problemas e limitações, ainda é feita por nós. Vivemos nela e damos o sentido que entendemos. Podemos considera-lá um ambiente para deixar logo ou um potencializador de oportunidades múltiplas. Ainda que em muitos momentos ela te decepcione. Ainda que falhemos em englobar muitas dessas oportunidades.  

Se trata da escolha de como viveremos com o ambiente que define, em parte, quem somos agora. E se você decidir tentar olhar os momentos com um pouco mais de compaixão e menos ódio, pode acabar descobrindo coisas boas.

Assim, pássaros em um fio podem ser pássaros em um fio e só. Ou, quem sabe, podem ser uma música. Depende só de como você vê.

 

Bruno Pinho

Estagiário do PapodeHomem e estudante de jornalismo.