Todos que acompanharam a cerimônia, ou se interessam por cinema, assistiram ao vencedor de melhor filme ser anunciado erroneamente durante o Oscar 2017.
Não foi La La Land. Foi Moonlight (aliás, assistam).
É a primeira falha desse tamanho em 89 anos da premiação.
A PwC, firma globalmente reconhecida e responsável pela contagem, auditoria e todo o processo de entrega dos envelopes com os nomes dos vencedores, está enfrentando uma crise diante do ocorrido. Uma empresa que vive de confiança não aprecia ver a sua colocada em cheque num palco global. Mas como qualquer gestor sabe, falhas acontecem. Não é o fim do mundo. E tudo indica que a resposta da PwC tem sido ágil e eficiente.
Afinal, lideram esse processo há 83 anos, sem falhas. Os dois envolvidos na entrega dos envelopes com os vencedores são profissionais sênior da PwC, com longo histórico de competência, deduzo.
A caça às bruxas, entretanto, teve um colateral desumano e tristemente comum no jornalismo de hoje. O profissional responsável pela entrega do envelope errado foi humilhado em capas de jornais e abordagens sensacionalistas ao redor do mundo:
Ao buscar o nome do profissional no Google, os resultados são:
Há sites que adotam uma postura predatória mascarada, como o Business Insiders. Fez uma manchete sensacionalista caçadora de clicks para quem buscar o assunto pelo Google…
E outro título, mais sério, para preservar a credibilidade do periódico, é usado dentro da matéria:
O chairman global da PwC, Bob Moritz, declarou que o profissional envolvido na falha "está devastado pelo que aconteceu, pelas questões envolvidas e pelo que está sendo dito pela imprensa. Não apenas ele, mas sua família."
Já se sabe que esse tipo de linchamento digital, catalisado por estruturas editoriais e jornalistas irresponsáveis, pode causar danos irreparáveis à saúde psicológica das pessoas. Há casos de suicídio documentados.
Ano passado a italiana Tiziana Cantone se suicidou após ter seu vídeo íntimo, fazendo sexo com um ex-namorado, divulgado na internet. Não é possível afirmar que essa exposição causou sua morte, mas de acordo com relatos apurados com família e amigos, o abuso e assédio moral sofrido na internet contribuiu para o desequilíbrio emocional que levou à tragédia.
Ao leitor, cabe refletir: o seu clique é sua moeda contra esse tipo de jornalismo — como nossa leitora Ana Campos disse, nos comentários.
Aos jornalistas, é útil se colocar no lugar dos sujeitos sobre os quais estamos falando. Lembrar que são pessoas como nós, humanas, limitadas, com sentimentos e emoções.
Estou sendo objetivo? Por que estou usando esse adjetivo ou advérbio, o que eles comunicam? Estou usando essa abordagem para aumentar os clicks ou isso de fato contribuiu para o entendimento da notícia? Será que estou distorcendo e aumentando a questão, pensando em gerar mais polêmica e audiência? Qual o impacto emocional que meu texto vai ter nos leitores, eles vão ficar ultrajados, excitados, revoltados, ansiosos, ou será que meu texto é capaz de oferecer uma perspectiva ponderada, pé no chão e lúcida do problema?
Essas não são perguntas triviais. O "Dart Center for Journalism and Trauma" há décadas estuda o impacto emocional de ser jornalista e de se ler as notícias.
É possível sim ser rigoroso e assertivo sem camadas desnecessárias de sensacionalismo.
O jornalismo não deveria se comportar como um urubu sobre pilhas de carniça, nos deixando ainda mais histéricos e reativos diante do complexo mundo em que vivemos hoje. Ele pode ser mais do que isso.
* * *
Jornalismo compassivo é uma série não-periódica que examina a mídia de hoje de maneira propositiva, nos ajudando a sonhar um jornalismo benéfico ao florescimento humano, sem perder o rigor e a eficiência. Essa é a visão editorial que experimentamos no próprio PdH, entenda mais aqui.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.