Em julho deste ano visitei a trabalho uma mineradora de ouro no noroeste de Minas Gerais. Ao fim de algumas entrevistas, me levaram para ver a barragem de rejeitos. O visual era impactante: um amplo território de aspecto lunar. Me pareceu muito bizarro encontrar beleza naquilo, mas não pude deixar de achar bela a estranheza.

 

Como nunca pensei que uma barragem poderia se romper e isso não era algo que estava no meu horizonte, só perguntei aos representantes da empresa sobre o impacto ambiental que uma interferência daquela representava por curiosidade pessoal. Pensei na vegetação original, nos animais que viviam naquela grande área e me responderam que, ao fim do contrato de exploração, o compromisso da empresa era deixar a região reflorestada e com fauna restabelecida. Me explicaram que eles mantinham viveiros e outras iniciativas para esse fim. Era difícil crer que o solo, de aparência tão árida, poderia voltar a fecundar natureza, mas não me cabia naquele momento julgar ou investigar isso.

Então quando o rompimento da barragem de Fundão foi noticiado, a visita me voltou imediatamente à cabeça. Dessa vez, repleta de perguntas. Quantas barragens de rejeitos como aquela que visitei existem no País (hoje sei que são 663)? Qual o tamanho do risco que corremos por conta das atividades ligadas à mineração?

Nesse texto da Expedição Rio Doce, busquei explicar rapidamente o que é uma barragem de rejeitos para, em seguida, mostrar graficamente o que aconteceu na região de Mariana e como a lama da Samarco foi parar no mar.

O que é uma barragem de rejeitos?

Diferente de uma usina hidrelétrica em que a barragem é a própria fonte de lucros, as barragens de rejeitos de mineração são a dor de cabeça proveniente do negócio. São estruturas construídas para armazenar e tratar o que “sobra” após a extração do minério – a água utilizada nos processos de beneficiamento e os resíduos sólidos que não têm valor comercial. Ou seja: enquanto as barragens de hidrelétricas são acompanhadas permanentemente e com detalhismo, isso não necessariamente acontece com as barragens de rejeitos de minérios.

As barragens de rejeitos são concebidas para operar dentro de um limite determinado, mas, de acordo com a expansão do negócio, a maior parte delas são ampliadas aos poucos para armazenar mais detritos. Esse processo se chama alteamento, e estava sendo executado na barragem do Fundão no momento do rompimento (a Samarco não divulgou se houve relação dessa obra com o desastre).

Quais tipos de barragem de rejeitos existem?

As barragens de rejeitos têm em comum um dique de partida, mas se diferem de acordo com o modo como são expandidas. Existem três tipos: a de montante (que cresce em direção à nascente de um rio), a de jusante (em direção à foz) e a de linha de centro. De acordo com especialistas, a mais insegura é a de montante. Era justamente esse o modelo da Barragem do Fundão.

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Confira a ilustração abaixo para entender as diferenças entre os tipos:

Para entender as vantagens e desvantagens de cada um dos modelos, leia a tabela abaixo.

O caminho da lama

Entenda, no mapa abaixo, o caminho que a lama percorreu.

Mapa mostra o caminho que a lama percorreu entre Fundão e Regência

A Barragem de Fundão (ponto 0, marcado também com uma estrela no mapa) estourou 15 km acima do distrito de Bento Rodrigues (1, também marcado com estrela), primeiro local a ser atingido pela lama de rejeitos levados pelo Rio Gualaxo do Norte. Os rejeitos desceram até o distrito de Paracatu do Norte (ponto 2) e, mais tarde, se juntaram ao Rio do Carmo para devastar parte da cidade de Barra Longa (3). No município de Rio Doce (4), o Rio do Carmo se une ao Rio Piranga e forma o curso de água que batiza a cidade.

A lama seguiu o leito do rio e atravessou várias cidades até chegar a Governador Valadares (5), um dos lugares que mais sofreu com a contaminação das águas. Com 245 mil habitantes, o município chegou a ficar cinco dias sem abastecimento. Na sequência do mapa você vê Resplendor (6), terra dos índios Krenak, Baixo Guandu (7), Colatina (8), Linhares (9) e Regência (10), distrito onde fica a foz do Rio Doce.

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Esse texto faz parte da coleção Expedição Rio Doce, reportagem especial produzida para o Papo de Homem pela repórter Nina Neves e pelo repórter e fotógrafo Ismael dos Anjos – iniciada com um chamado à nossa comunidade para recebermos sugestões de perguntas a serem investigadas.

Nosso enviados percorreram 2.500 km da Barragem de Fundão à foz do Rio Doce para investigar a maior tragédia ambiental da história do Brasil. Tem alguma pergunta? Nosso time vai tentar responder a vocês com reportagens que serão publicadas ao longo da semana.

No futuro pretendemos realizar mais reportagens especiais sobre temas de grande interesse das pessoas, e essa ida a Mariana é uma semente dos  nossos sonhos para o futuro.

Puxe uma cadeira e construa esse especial conosco.

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Fontes: 

http://organicsnewsbrasil.com.br/meio-ambiente/o-que-e-barragem-de-rejeitos/

http://www.brasil247.com/pt/colunistas/alceucastilho/207316/Mineradoras-usam-m%C3%A9todo-inseguro-nas-barragens.htm

http://www.mabnacional.org.br/noticia/trag-dia-anunciada

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-11/brasil-tem-663-barragens-de-rejeitos-de-mineracao-diz-especialista 

Agradecemos ao emergencias.cultura.gov.br pela cessão do .gif antes/depois.


Nina Neves

É jornalista freelancer, fotógrafa amadora por hereditariedade, baiana em SP porque assim é a vida, interessada na cultura em todas as suas formas. E cuida de vinte plantas na varanda.