Cheguei a Mariana em 5 de dezembro de 2015, exatamente um mês após a tragédia provocada pela mineradora Samarco. Tão logo me instalei, preparei o roteiro do dia: percorrer o distrito de Bento Rodrigues para fazer algumas fotos do primeiro lugar atingido pela lama e comparecer ao Culto Ecumênico de 30 dias de rompimento da Barragem de Fundão, promovido pela Prefeitura de Mariana.

Conheci e registrei muitas histórias tristes, mas foi a foto abaixo que me fez dar o dia por encerrado.

Gelvana consola D. Darci durante o culto ecumênico dos 30 dias. Na camiseta em homenagem ao neto Tiago, lê-se: “Nossa Estrelinha”.

Enquanto padres e pastores distribuíam rosas aos presentes, percebi o abraço entre Gelvana Rodrigues e Dona Darci Francisca, respectivamente mãe e avó paterna do garoto Tiago Damasceno, de 7 anos, uma das 17 vítimas já reconhecidas do tsunami de rejeitos. Em meio às lagrimas, a acolhida evidenciava o que eu Nina constataríamos ao conversar com ambas durante nossa estadia: os dias passam, mas a dor continua.

Responsável por cuidar de Tiaguinho durante os dias úteis, a avó era quem estava com ele no dia em que a barragem rompeu. Quando nos recebeu no apartamento alugado pela Samarco para ela e o marido Albertino – ex-motorista de caminhão que diz ter ajudado a construir o Fundão –, D. Darci falava da lama quase como se fosse uma pessoa. “Eu lembro dela chegando e quebrando tudo. Vi minha caixa d’água de três mil litros derramar e rodar que nem um carrinho de brinquedo”. Ao tentar fugir da onda, ela e Thiago acabaram correndo pra dentro de casa. O neto subiu no sofá assustado, mas, pouco depois, o telhado caiu e os separou.

Quando D. Darcy acordou, estava boiando no caldo espesso dos rejeitos de mineração. Percebeu a seu lado o colchão onde Thiago dormia, subiu ali e esperou socorro por duas horas. Os helicópteros tinham dificuldade de vê-la, pois estava coberta pela lama que também engoliu. Foi um helicóptero de TV, com a luz apontada para os destroços, que a encontrou. Tiago não teve a mesma sorte: foi achado dias depois, vários quilômetros rio abaixo.

O garoto, os avós e um primo de 14 anos que também ficava sob os cuidados dos parentes estavam de mudança marcada. No dia 15 de dezembro a família iria para Souto Soares, na Bahia, cidade natal de Seu Albertino. Tiago já tinha conhecido a escola em que iria estudar e o quartinho em que ficaria – “só faltava colocar o armário”, me disse o avô. A mudança para a Chapada Diamantina foi adiada após a tragédia, mas não cancelada. Ainda que Bento Rodrigues seja reconstruída, Darci e Albertino sequer cogitam a hipótese de permanecer em Mariana. Apesar disso, o pai de Tiago – também chamado Albertino – continua trabalhando para uma terceirizada da mineradora na barragem de Santarém (a mineração não pode parar: o próprio prefeito já disse que 80% da arrecadação do município vem das atividades que a Samarco mantém na Mina de Germano).

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Cansada de ouvir comentários ou receber olhares piedosos ao sair da casa que divide com amigos, Gelvana também vê seu futuro longe de Minas Gerais. Soldadora, a mulher de 28 anos já trabalhou para uma terceirizada da Samarco por cerca de um ano. “Eu quero ir embora da cidade, não quero ficar mais aqui. Já que tem direito a receber indenização que eu receba logo para seguir minha vida, por que eu não sei nem por onde vou começar. Não sei pra onde eu vou”. Tiago era seu único filho. “É tipo você sofrer um acidente, quebrar a coluna e ter de aprender a caminhar de novo”.

Ao fim de nossa conversa, perguntamos a Gelvana se havia alguma parte da entrevista que fazia questão de ver publicada. Depois de alguma reflexão, ela elogiou de forma contundente o trabalho do promotor Guilherme de Sá Meneghin. ”Uma coisa que quero te pedir é para publicar um agradecimento ao promotor dessa cidade, por que ele está do nosso lado mesmo. A qualquer momento que você chega no Fórum, ele te recebe. É uma pessoa do povo mesmo e não tem medo de falar: “a Samarco é responsável”.

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Ainda não há decisão definitiva sobre as indenizações e multas com as quais a Samarco será obrigada a arcar. No entanto, na última quarta-feira, 23 de dezembro, o Ministério Público de Minas Gerais chegou a um acordo parcial com a mineradora e suas donas, as companhias multinacionais Vale do Rio Doce e BHP Billington. Por enquanto, as empresas farão um adiantamento no valor de R$ 100 mil às famílias que perderam entes queridos na tragédia.

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Esse texto faz parte da coleção Expedição Rio Doce, reportagem especial produzida para o Papo de Homem pela repórter Nina Neves e pelo repórter e fotógrafo Ismael dos Anjos – iniciada com um chamado à nossa comunidade para recebermos sugestões de perguntas a serem investigadas.

Nosso enviados percorreram 2.500 km da Barragem de Fundão à foz do Rio Doce para investigar a maior tragédia ambiental da história do Brasil. Tem alguma pergunta? Nosso time vai tentar responder a vocês com reportagens que serão publicadas ao longo da semana.

No futuro pretendemos realizar mais reportagens especiais sobre temas de grande interesse das pessoas, e essa ida a Mariana é uma semente dos  nossos sonhos para o futuro.

Puxe uma cadeira e construa esse especial conosco.

Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas. Siga-o no <a>Instagram</a>."