Quando abordamos aqui na Tecla SAP conceitos como Banalidade do Mal, Efeito Diderot, Experiência de Milgram ou Efeito Manada percebemos que todos eles compartilham uma coisa: são ferramentas que usamos inconscientemente para nos autossabotar.

E o conceito de hoje é mais um que vai entrar nesse grupo. Na verdade, a Racionalização talvez seja o maior exemplo de mecanismo psicológico que usamos para nos iludir e justificar algumas de nossas ações mais injustificáveis.

Se você é de exatas e caiu aqui pensando que a gente ia falar sobre aquela cálculo que usamos com frações, me desculpe. É que Racionalização é, no campo da psicologia, uma coisa completamente diferente.

"Não sei quem fui"

Para entender do que se trata o conceito de hoje, porém, é preciso compreender primeiro o que são mecanismos de defesa. Em geral, são processos que acontecem subconscientemente ou na total inconsciência responsáveis por proteger nossa autoestima da angústia que sentimos por uma ação da qual não nos orgulhamos.

Cada problema que enfrentamos gera uma angústia/ansiedade que nos move a procurar soluções. Porém, nem sempre somos capazes de encontrar saídas ou justificativas pra tudo apenas no nível racional do nosso cérebro, isto porque boa parte dos conflitos pelos quais passamos na vida não pode ser resolvidos apenas por questões lógicas.

Imagine, por exemplo, uma desilusão amorosa. Ao ser rejeitado por uma pessoa que gostamos, é possível que nossa reação seja assumir imediatamente que "eu nem gostava dela tanto assim, na verdade ela era feia/chata/preguiçosa." Quando isso acontece, trata-se de nosso cérebro acionando seus mecanismos de defesa para minimizar o impacto negativo da rejeição. A este processo de procurar razões para nos convencer de que fizemos a escolha certa ou de que o problema/defeito/consequência não é tão ruim assim damos o nome de Racionalização.

Leia também  Como ser um pouquinho canadense em Vancouver | Na Estrada #17
Só não vê quem não quer.

"Comigo é diferente"

A Racionalização é, portanto, apenas um dos mecanismos de defesa que utilizamos para nos safar dos problemas (em breve falaremos de outros). Ela é diferente da mentira, por exemplo, porque neste caso o indivíduo está realmente convencido de que aquele motivo é verdadeiro. A mentira, portanto, é uma maneira de justificar suas ações para os outros. Já a Racionalização é uma forma do indivíduo conseguir sentir-se bem consigo mesmo.

Acontece que este processo também ocorre quando procuramos justificar coisas mais subjetivas do que nossas ações ou reações como nossas crenças, modelos, valores ou mesmo ações de terceiros para conosco. Por exemplo, o indivíduo que votou num político corrupto procura formas de justificar o ato deste terceiro para não admitir que foi enganado como todos os outros. Ele pode racionalizar dizendo que "o sistema não permite que nenhum político seja honesto" e se convencer disso mesmo não tendo como provar ou saber isso de fato.

Não é fácil admitir.

"Eu sei, só não quero falar"

Tudo isso nos dá uma dimensão da enorme quantidade de 'desculpas' que somos capazes de arranjar para justificar um erro que não seja apenas admitir que erramos. Parece existir todo um plano subliminar instintivo-psicológico que impede que indivíduos, em maior ou menor grau, simplesmente sejam capazes de assumir a responsabilidade de seus atos.

De qualquer forma, o primeiro passo para acabar com isso é conhecer as ferramentas utilizadas pela nossa auto-manipulação. E, bem, isso nós acabamos de fazer.

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a <a>Jornalismo Júnior</a>