Efeito Diderot: por que consumo leva a mais consumo | Tecla SAP #7

Sobre quando você ganha uma bela camiseta nova e sente que todas as outras não servem mais

Quem nunca comprou uma bela camiseta nova e logo depois do prazer da aquisição começou a sentir a frustração de que todas aquelas que você tinha antes simplesmente não servem mais?

Ao lado do seu novo item moderno, compacto, econômico e belo, as coisas ao redor passam a parecer ultrapassadas, espaçosas, dispendiosas e feias e você sente uma vontade automática de trocá-las por outras melhores ainda que elas funcionem perfeitamente bem.

No fim das contas, você gastou dinheiro, comprou um item novo e ficou com uma sensação pior do que estava antes. Sensação que, por sua vez, só será saciada se você gastar mais dinheiro comprando mais itens novos. Louco, né?

A esta lógica torta que explica parcialmente porque nós consumimos tanto e cada vez mais foi dado o nome de Efeito Diderot.

"Mas você não tinha ido só comprar meias?"

 

O fenômeno foi relatado pela primeira vez no século 18 pelo filósofo francês Denis Diderot. Acostumado a uma vida humilde, certa vez Diderot se viu afortunado e decidiu comprar um novo roupão que substituísse seu antigo robe. A compra, porém, foi a brecha para uma série de frustrações em sua vida, não porque houvesse algo de errado com o roupão novo, justamente o contrário.

O item era lindo, mas quando foi adicionado ao conjunto com qual ele estava acostumado, em suas próprias palavras, "não havia mais coordenação, mais unidade, mais beleza". Foi então que o filósofo começou uma série de novas aquisições: um tapete novo diretamente de Damasco, dezenas de novas esculturas, uma mesa de jantar melhor, um espelho sobre a lareira e até uma nova poltrona de couro para substituir a antiga, de palha.

As belas aquisições foram suficientes não só para acabar com o dinheiro que ele tinha recebido como para fazê-lo trabalhar cada vez mais para saciar a vontade que tinha de comprar coisas que se encaixassem no novo e mais alto padrão estabelecido. Quando finalmente Diderot se deu conta disso relatou sua experiência no ensaio “Lamentações sobre meu velho robe” e deu base para a elaboração do conceito por parte do antropólogo americano Grant McCracken, já no século 20, indicando a insatisfação existencial que o consumo pode gerar.

O simples fato de fazer uma nova aquisição, porém, não é suficiente para gerar o efeito. Quando fazemos uma compra exclusivamente por necessidade, por exemplo, é raro que este fenômeno aconteça. Segundo os sociólogos, é necessário que a nova aquisição provoque em nós uma determinada identificação para que entremos no chamado espiral do consumo. E é aí que encontramos a brecha para investigar ainda mais fundo as razões do consumismo.

“Eu era o senhor absoluto do meu velho robe. Agora me tornei escravo de um novo."

Quem nunca comprou um sapato, um celular, um sofá, um carro, um apartamento simplesmente porque ele 'tem a minha cara' ou 'foi feito pra mim'? Da mesma forma, quem nunca negou uma aquisição porque pensou 'isso não combina comigo' ou 'assim eu fico parecendo outra pessoa'?

Por mais que você nunca tenha verbalizado isso, essa é uma lógica muito presente na hora que as pessoas estão fazendo compras. Nós usamos bens de consumo para construir nossas identidades e precisamos dessa identidade para nos sentirmos consistentes, uniformes, padrões. Recentemente abordamos a questão sobre a imagem que passamos com as roupas que usamos.

Em outra instância, também adquirimos esses bens como 'itens de transição' para uma vida ou um estilo que buscamos ou gostaríamos de ter. Um computador novo que signifique mais trabalho feito em menos tempo. Uma mesa de jantar espaçosa que signifique mais jantares em família. Uma cama maior que signifique mais sexo.

De qualquer forma, a identificação com algo que nós somos ou queremos ser traz à luz o efeito Diderot e nos faz consumir mais coisas daquele mesmo grupo. Ciente disso, as marcas 'facilitam' esse processo e nos oferecem vendas casadas ou itens adicionais: não é a toa que os manequins aparentam conjuntos tão harmonizados, que os vendedores te ofereçam pares de meia novos depois que você compra um tênis ou que os algoritmos já sabem que você vai viajar pra Argentina e ficam te mostrando as maravilhas de conhecer também o Uruguai e o Chile. Os produtos passaram a ser deliberadamente comercializados em 'unidades Diderot', grupos segundo o qual, você compra um item e sente que precisa dos outros.

"Eu preciso trabalhar só um pouquinho a mais para comprar um estilo de vida de mordomia."

Pronto para crucificar as manipulações do mercado? Essa instituição maligna que só quer nos fazer consumir cada vez mais? Pois, amigo, fique sabendo que a regra é a mesma pra todos e está aí posta pra quem quiser usar.

Uma das aplicações positivas que o Efeito Diderot tem provocado é sobre a sustentabilidade. O movimento verde passou a usar esses recursos para propor a substituição de bens supérfluos por outros mais duráveis, limpos e ecologicamente responsáveis. Uma vez absorvida essa lógica, a pessoa pode passar a comprar um estilo de vida onde, mais do que consumir bens sustentáveis, ela passa a fazer escolhas mais 'limpas' do tipo: morar perto do trabalho ou ir de bicicleta pra ele, subir e descer os andares do prédio de escada, reutilizar água da chuva, etc, etc.

Por isso, da próxima vez que você for fazer compras, lembre-se que: uma camiseta nunca é só uma camiseta.

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Tecla SAP é uma série de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às quintas-feiras que se propõem a explicar ou traduzir conceitos complexos que estão presentes nas nossas vidas, mas não sabemos ou reconhecemos.


publicado em 19 de Janeiro de 2017, 20:43
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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