Você sabe, a Tecla SAP é uma série que pretende explicar alguns conceitos 'complexos' que estão presentes no nosso dia a dia e que, ao conhecermos, podem nos ser muito úteis.

Ao longo desses quase 15 artigos, passamos por alguns que estimulam as chamadas "teorias da conspiração" e fizemos as devidas ressalvas, mas é inevitável que artigos como os da Janela de Overton, Soft Power, Modelo Panóptico e principalmente o de False Flag não acabem estimulando nossas ilusões sobre um mundo controlado pelos outros.

Alô, George Orwell.

Hoje, porém, a explicação sobre a Navalha de Ockham pode acabar frustrando as expectativas dos conspiradores de plantão. E dos religiosos. E dos radicais. Enfim, hoje pode dar treta.

Explicações

A Navalha de Ockham foi assim denominada em meados de 1850, em alusão ao filósofo inglês e frade franciscano nascido em 1275, Guilherme de Ockham que, por sua vez, foi assim batizado por conta do vilarejo à sudoeste de Londres onde nasceu, como era comum na época.

O empréstimo de nomes, porém, seria desnecessário já que o conceito desenvolvido por Guilherme não era inédito e, inclusive, já tinha outro nome. Historiadores revelaram que a ideia já aparece em escritos de Aristóteles, datados da época da Grécia Antiga, com o nome em latim de Lex Parsimoniae, algo como Princípio da Parcimônia.

Independente do nome, é interessante notar que Aristóteles e Ockham pertenciam a doutrinas diferentes de pensamento filosófico (o grego era realista, já o inglês, nominalista) e ainda assim ambos usavam um princípio lógico que, em termos muito genéricos, defende que 'a solução correta para uma questão é quase sempre a mais simples possível', ou seja, aquela que envolve menos fatores.

Se o termo 'Ockham' vem da cidade de seu criador, o termo 'Navalha' vem desse pressuposto de cortar tudo aquilo que é excedente, nas palavras do filósofo, todas 'as entidades' que não contribuem em nada para a formulação de um hipótese mais rica do que a mais simples possível, dado os fatos observados. 

Muito antes de conhecerem as leis de Newton ou os princípios da termodinâmica, os filósofos defendiam que "a natureza é econômica por natureza", ao procurar uma solução para um problema, ela geralmente opta pelo caminho mais fácil. Não era a toa que meu professor de Química usava o que ele chamava de 'Lei da Preguiça Máxima' para nos explicar que as equações deveriam estar sempre balanceadas e simplificadas ao máximo para estarem corretas.

Problematizações

A partir dessa 'descoberta' tanto Aristóteles como Ockham usaram este princípio lógico amplamente em suas argumentações filosóficas – o segundo até mais do que o primeiro. E por isso, é claro, ambos foram criticados por estarem "simplificando demais as coisas".

No caso de Ockham, mesmo sendo um membro da igreja, ele foi acusado de estar 'cortando' de suas explicações justamente a existência de Deus. Isso porque naquela época, bem como em todas as outras, as pessoas não sabiam explicar logicamente vários fenômenos, desde a chuva até a morte. Sendo assim, cada um acabava formulando suas próprias hipóteses ou acreditando numa das que lhe foram apresentadas e, naturalmente, uma das mais comuns era atribuir a ocorrência desses fenômenos "à vontade de Deus".

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Quando o filósofo, porém, diz que as "entidades não devem ser multiplicadas além do necessário", ele basicamente defende que hipóteses que pressupõem a existência de uma entidade complexa, não-verificável, onipresente, onipotente, onisciente, não deve ser levada em consideração para explicar acontecimentos que podem ser devidamente explicados por outras hipóteses, mais simples.

Como diria Jorge Aragão: aí foi que o barraco desabou.

Quando confrontado por esse raciocínio, Ockham hesitou. Ele não queria negar a existência de Deus e passou a defender que Deus poderia escolher um caminho mais complicado para alguns fenômenos, se assim desejasse, mas que os homens, nas suas teorias, deveriam sempre eliminar conceitos supérfluos.

O estrago, porém, já estava feito.

Aplicações

A Navalha de Ockham não é uma lei da ciência, ou seja, ela não tem a pretensão de afirmar que o que é certo e o que não é sob qualquer hipótese, sendo assim, ela não defende que a hipótese mais complexa deve ser refutada sempre. Pelo contrário, a Navalha é um princípio metodológico que, formulado a partir da observação da 'economia da natureza', defende que seria economia de energia partir da hipótese mais simples pois esta, quase sempre, será a verdadeira. Foi assim que ela passou a servir de base para a criação do chamado método científico.

Na prática, a Navalha serve para cortar de nossas vidas hipóteses que gostamos de criar para tornar as coisas mais complicadas do que precisam ser, muitas vezes tentando reforçar crenças que já temos ou negar nossas contradições.

Se existe uma explicação lógica mais simples do que a sua teoria e se esta explicação dá conta de todos os fatos apresentados, então é bastante provável que ela esteja certa e você, errado. Agora, se depois de uma primeira rodada de checagem dos fatos apresentados, você encontrar alguma ponta solta na hipótese que está posta então, tudo bem, talvez tenhamos que parar para pensar numa tese um pouco mais complexa.

Mas, cá entre nós, não é o caso das teorias da Terra plana.

"A perfeição não é alcançada quando já não há mais nada para adicionar, mas quando já não há mais nada que se possa retirar."

Antoine de Saint-Exupéry

"Simplicidade é o último grau de sofisticação."

Leonardo da Vinci

"Tudo deve ser feito da forma mais simples possível, mas não mais simples que isso."

Albert Einstein

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Tecla SAP é uma série de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às quintas-feiras que se propõem a explicar ou traduzir conceitos complexos que estão presentes nas nossas vidas, mas não sabemos ou reconhecemos.

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a <a>Jornalismo Júnior</a>