Se alguém te perguntasse com interesse sincero como as coisas vão, o que você responderia?

Você poderia me dizer que as coisas nunca estiveram tão boas. E isso terá lá sua razão. Mas você deve ser capaz de concordar que se alguém quiser olhar para as coisas ruins que existem, não faltarão itens nessa lista. Recentemente me peguei pensando nisso e cheguei a uma conclusão triste.

As coisas vão mal.

Repare que existe uma diferença entre as coisas estarem indo mal e não poderem ficar pior. Pior do que tá, fica. Igualmente, existe uma diferença entre as coisas estarem melhores do que antes e estarem boas. Melhor não é impossível.

Parti então para um exercício imaginativo e notei que meus pais atravessaram uma ditadura no Brasil, meus avós viveram duas guerras mundiais. Certamente eles teriam muito mais a reclamar do que eu. Mas o raciocínio me fez chegar a uma segunda conclusão tão triste quanto a primeira: se o inimigo deles era tão grande e vigoroso, ao menos eles tinham uma ameaça clara, um objetivo único, e quanto a nós?

É difícil dizer com certeza pelo que nossa geração luta, contra quem nos rebelamos, o que fazemos a respeito dos pequenos absurdos que encaramos dia após dia. Individualmente, você até pode estar fazendo alguma coisa, mas, na média, somos terrivelmente acomodados, conformados, obedientes.

Tem culpa eu?

A obediência das pessoas perante coisas maiores do que elas é tamanha que isso inspirou o psicólogo Stanley Milgram. A partir de julho de 1961, o cientista passou a conduzir um experimento que repercutiu, ganhou grande notoriedade e passou a carregar seu nome.

O estopim da coisa toda foi o mesmo acontecimento que fez Hannah Arendt formular o conceito de Banalidade do Mal, como exploramos no artigo anterior da Tecla SAP. Durante o julgamento do ex-funcionário nazista Adolf Eichmann, o réu reconhecia ter cometido os crimes dos quais era acusado, mas se considerava inocente por estar apenas cumprindo ordens.

A postura do nazista instigou as pessoas e, no caso de Milgram, resultou no experimento que tinha como objetivo responder às perguntas: afinal, pode ser que Eichmann estivesse apenas seguindo ordens? Será que devemos chamá-los todos de cúmplices?

Esse julgamento rendeu, hein?

Quem tem, tem medo

A experiência consistia em recrutar voluntários e dividi-los em pares. A partir daí, por sorteio, um deles realizaria a função de professor e o outro de aluno. Aos voluntários era explicado que o objetivo da experiência era confirmar a hipótese de que as pessoas aprendem mais rápido quando seus erros são punidos. Com base nisso, o 'professor' era informado que a cada resposta errada do 'aluno', ele deveria aplicar um choque que se tornaria gradualmente mais forte à medida que o 'aluno' respondesse errado.

O voluntário que era 'sorteado' como aluno, no entanto, era parte da equipe do psicólogo. O teste pretendia apenas medir a reação dos 'professores' conformes eles fossem recebendo estímulos para tomar uma atitude que machucasse outra pessoa. Sendo assim, eles eram levados a acreditar que estavam em posse de um aparelho que realmente dava choques nos 'alunos'.

Nesse aparelho, havia 30 chaves que iam de 15 até 450 volts e estavam divididos em escalas que iam desde 'choque ligeiro' até 'choque grave'. Na mesma sala com os professores, uma pessoa da equipe acompanhava a seção para anotar os resultados, mas quando os 'professores' hesitavam em seguir o teste, os acompanhantes davam os seguintes estímulos:

  1. Por favor, continue.
  2. O experimento requer que você continue.
  3. É absolutamente essencial que você continue.
  4. Você não tem outra escolha a não ser continuar.

O experimento só acabava quando o choque mais forte era dado ou quando o 'professor' da vez escolhia não continuar mesmo depois de receber os quatro estímulos estabelecidos. O teste foi feito com 40 homens, com idades entre 20 e 50 anos, usando duas salas da Universidade de Yale. Aos voluntários foi pago apenas US$ 4,50 pela participação e os resultados foram incríveis.

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A = aluno; S = professor; E = acompanhante;

Comigo não morreu

Em 1964, Milgram recebeu por este trabalho o prêmio anual em psicologia social da American Association for the Advancement of Science. Os resultados foram compilados e apresentados no artigo Behavioral Study of Obedience no Journal of Abnormal and Social Psychology e posteriormente no seu livro Obedience to Authority: An Experimental View.

Dos 40 participantes, todos chegaram, no mínimo, a aplicar o choque de 300 volts e 65%, quase dois terços, das pessoas foram até o nível mais alto de 450 volts.

Sobre isso, Milgram afirmou:

Os aspectos jurídicos e filosóficos da obediência têm enorme significado, mas dizem muito pouco sobre como as pessoas realmente se comportam em uma situação concreta e particular. Eu projetei um experimento simples em Yale para testar quanta dor um cidadão comum estaria disposto a infligir em outra pessoa porque um simples cientista deu a ordem. Autoridade total foi imposta à cobaia [ao participante] para testar suas crenças morais de que não deveriam prejudicar os outros, e, com os gritos de dor da vítima ainda zumbindo nas orelhas das cobaias [dos participantes], a autoridade falou mais alto na maior parte das vezes. A extrema disposição de pessoas adultas de seguir cegamente o comando de uma autoridade é o resultado principal do experimento, e que ainda necessita de explicação.

Mais tarde, outros cientistas passaram a questionar o experimento. Um deles afirmou que as circunstâncias do teste não eram convincentes o suficientes, ou seja, que os 'professores' sabiam que não estavam aplicando choques de verdade. A maioria dos críticos, porém, ataca somente a conclusão do estudo de que as pessoas estão dispostas a seguir cegamente o comando de uma autoridade. Para estes, os estímulos 1, 2 e 3 não podem ser tidos como ordens.

Durante o experimento, porém, foi comum que pessoas dissessem coisas do tipo: eu não vou ser responsabilizado por isso. Nesse caso, Milgram interpretou que, assim como Eichmann, as pessoas estavam dispostas a continuar se aquilo não a penalizasse e buscavam encontrar formas de se eximir das consequências de seus atos, ainda que a consequência fosse provocar dor numa outra pessoa.

Link Youtube – o vídeo contém uma cena forte, por isso preparei para que começasse com 1min12.

Antes ele do que eu

Com o passar dos anos, o experimento de Milgram se configurou um dos principais exemplares do estudo da psicologia social e segue sendo debatido até hoje em aulas sobre o assunto. No fim das contas, ele serve para colocar em análise nossas concepções de independência, obediência, culpa, autoridade e liberdade.

Na vida real, num contexto fora do laboratório, quantas vezes passamos por situações parecidas? Quantas vezes nos eximimos da culpa por algo que direta ou indiretamente também nos diz respeito? O que fazemos perante uma injustiça? E se essa injustiça envolve uma autoridade? Uma ordem? Seja ela no ambiente social, acadêmico, empresarial ou familiar…

Nossos limites estão sendo testados o tempo inteiro e quase todo mundo já chegou numa situação limite onde acabou tendo que responder àquela pergunta: como você deixou que isso chegasse nesse ponto? Como permitiu que isso acontecesse?

Antes que o que quer que seja aconteça novamente, recomendo lembrar da Experiência de Milgram e aí, quem sabe, você possa responder diferente quando as pessoas perguntarem novamente: como estão indo as coisas?

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Tecla SAP é uma série de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às quintas-feiras que se propõe a explicar ou traduzir conceitos complexos que estão presentes nas nossas vidas, mas não sabemos ou reconhecemos.

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a <a>Jornalismo Júnior</a>