"Existe tanta discussão sobre as diferentes possibilidades de viver, de se aceitar (sexualmente) como somos ou de transformações...
Penso que queria viver sem sexo, queria tentar a castração química, para ver como é e talvez partir para a cirurgia de remoção. Isso é ideia antiga, mas cada vez concluo que isso seria bom para mim. Hesitei por vários motivos: falta de experiência em relacionamentos, religião, conceitos de "aceite quem você é", etc. Mas depois de muito ter mudado, percebo o quão alienado é o "sexual" para mim. O tema tem sua relevância e ainda bastante preconceito.
Por exemplo, tenho interesse nisso, mas desconheço o contexto geral e quando procurei superficialmente na internet, vi o quanto isso é mal visto no Brasil. Chegou a ser chocante. Não vou desenvolver mais porque seria enorme e acredito que você tenha pegado a ideia.
L.F."
Caro L.F.
Vou tentar falar desse assunto tendo algumas premissas que assumirei como verdadeiras.
- Você não teve nenhuma experiência sexual até hoje
- Não sei exatamente sua idade
- Parece haver um incômodo com a existência do seu pênis (desejo futuro de remoção) que não fica claro se seria o desejo de fazer uma mudança de gênero (não pareceu ser o caso)
- Dificuldade para lidar com a ideia do sexo e de ter que exercer essa sexualidade (independente de orientação sexual hetero ou homossexual)
Tendo tudo isso em mente, sua questão é valiosa. Sexo, longe do que se pensa, não é uma unanimidade e não é difícil entender os motivos.
Você precisa estar minimamente confortável com seu corpo, depois ter alguém que queira trocar com você essa experiência, precisando, por isso, conquistá-la de alguma forma.
Assim, somos confrontados pela aceitação ou rejeição de quem pretendemos. A fragilidade diante de não ser eleito é sempre um golpe em nossa vaidade. Há quem resista a isso, há quem sucumba.
Na prática, como já falei anteriormente, sexo é mais do que um ato corporal, é uma narrativa interna que se cruza com a da outra pessoa. Nesse âmbito, uma educação mais repressora, moralista ou exagerada pode causar algum tipo de repugnância diante do sexo.
Fatores como depressão, ansiedade ou até alterações químicas de testosterona podem afetar fortemente essa noção e expressão do desejo. Em outras palavras, pode ser que o sexo em si não seja o problema, mas a conexão com o desejo que seja particularmente difícil.
Além disso, a aversão que se tem ao ouvir um homem dizer que não gosta ou gosta pouco de sexo vem da noção de hipermasculinidade à qual os homens são expostos desde crianças. Essa noção de natureza sexualizada causa esse tipo de pressão que você sente. Seria você uma aberração? Não, definitivamente não.
A assexualidade é pouco explorada nos núcleos de estudos da Psicologia, pois ela costuma ser vista como uma negação, uma repressão ou seja, um efeito colateral de experiências precoces problemáticas com a sexualidade, como abuso sexual, pais emocionalmente tóxicos, contextos familiares problemáticos, enfim, qualquer experiência que tenha colocado mácula no desejo. Muitos especulam algum tipo de negação de uma sexualidade socialmente considerada "desviante" e, por isso, a tentativa de negar o desejo.
Em alguma medida essas pessoas teriam um perfil obsessivo, são metódicas, detalhistas, emocionalmente rígidas, temerosas pelo novo, apegadas em rotinas, regras e até certo ponto bem moralistas, com tendências à ruminação de ideias e dificuldade de "seguir em frente". Não quero tomar essas questões como certas no seu caso, ainda que mereçam ser investigadas e, se forem reais, tratadas com um profissional que cuide da mente.
Então, é possível viver sem sexo sem que isso seja um problema? Claro. Em especial se você tem uma vida que flui sem receios de experimentar, arriscar, interagir com compaixão, compartilhando suas experiências e recebendo de volta a abertura que dedica.
A sexualidade é uma das muitas expressões de troca, intimidade, vivência da liberdade, de uma certa exploração dos próprios limites internos.
Se você consegue colocar essas experiências em outra área da vida, então não há por que achar que o sexo é o único meio e muito menos que você é um doente.
Para saber mais, aqui tem uma ótima reportagem.
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Nota: a coluna ID não é terapia (que deve ser buscada em situações mais delicadas). É apenas um apoio, um incentivo, um caminho, uma provocação, um aconselhamento, uma proposta. Não espere precisão cirúrgica e não me condene por generalizações. Sua vida não pode ser resumida em algumas linhas e minha resposta certamente não abrangerá tudo.
A ideia é que possamos nos comunicar a partir de uma dimensão ampla, de ferocidade saudável. Não enrole ou justifique desnecessariamente, apenas relate sua questão da forma mais honesta possível.
Antes de enviar sua pergunta, leia as outras respostas da coluna ID e veja se sua questão é parecida com a de outra pessoa. Se ainda assim considerar sua dúvida benéfica, envie para id@papodehomem.com.br. A casa agradece.
publicado em 21 de Julho de 2016, 00:05