Eu me lembro claramente de voltar para casa arrasado aos meus doze anos. Tinha mudado para uma escola pública e, para meu azar, minha mãe era minha professora de matemática.
Um garoto mais velho esbravejou, assim que ela entrou na sala de aula (onde ambos mantivemos a pose neutra ao constatar aquele embaraço), olhando para mim: "putaqueopariu essa gorda filha-da-puta vai dar aula para gente! Acredita nisso?".
Eu fiquei paralisado, nunca tinha visto minha mãe como a profissional que ela era e muito menos ouvido alguém ofendê-la tão brutalmente.
Na minha covardia de menino ingênuo, calei e mantive o protocolo previamente combinado com minha mãe de que, caso ela fosse minha professora (ambos só descobririam naquele momento), ninguém iria saber, para não causar nenhum problema.
Essa foi uma das muitas situações complicadas que eu enfrentaria nos anos seguintes.
Muitos anos se passaram para eu me dar conta de aquele foi um divisor de águas para o progressivo colapso pessoal que me fez considerar seriamente não viver, lá por volta dos quatorze anos de idade. Pela primeira vez eu senti o peso de estar ficando mais velho e ter que criar uma casca bem grossa para lidar com uma agressão externa a qual eu não estava habituado.
Eu era um menino doce, sensível, gostava de conversar, tinha senso de humor, abraçava as pessoas e com o tempo fui ficando tímido, retraído, frio, estranho para mim mesmo e até com uma agressividade reativa à depressão que me assolava.
Quando me lembrei de tudo isso? Vendo um documentário de uma hora e meia que está no Netflix.
Demorei muito tempo para desfazer esses traços reativos em mim e sei que muitos homens não conseguem resgatar a si mesmos dessa avalanche de imperativos ao qual somos bombardeados.
Recomendo com todas as minhas forças, assista o documentário "The mask you live in" que narra os percalços da trajetória de todo garoto até se tornar um homem "adulto".
Eu fiquei particularmente abalado quando os créditos do documentário subiram na tela, não sei se você sentirá o mesmo, mas vale cada minuto de reflexão.
Gostaria de fazer um convite. Quando comentar, tente responder a essas perguntas:
Onde você nota que se perdeu? Onde deixou de ser o que vinha sendo para se defender, impor ou proteger do mundo que o cercava? Como tem sido sua trajetória de reabilitação?
publicado em 20 de Junho de 2016, 14:39
