Quem é você na fila do pão?

Eu sou a que quer comer coisa boa

Ouvi essa expressão e no mesmo momento veio à mente meu prato predileto. Mesmo com o tom de brincadeira e sarcasmo que essa frase carrega, eu pensava em comida. Pão com manteiga na chapa é das coisas que eu mais amo neste mundinho que não é gourmet. Dias atrás escrevi sobre café. A locomotiva. Agora escrevo sobre pão com manteiga. Entende esse casamento?

Relacionamentos nem sempre são fáceis. Mas é preciso olhar mais de perto e perceber que são nossas idiossincrasias que nos tornam tão especiais. Contrastes no mundo o tornam mais interessante e, melhor ainda, é quando a comida que consumimos tem esse caráter distinto, mas que, juntinhos, coladinhos, são só harmonia. Não dá para comer pão com manteiga tomando um Bourbon, logo cedo. Não cola.

O pão, a base da alimentação no mundo. O grão. A fermentação. O trabalho braçal e o final do ciclo no fogo. A manteiga. A vaca. O pasto. O trabalho braçal. Gordura, textura e sabores. Não somos nós quem contamos a história desses alimentos, eles é que são ancestrais e contam sobre nós.

As padarias paulistanas estão encrustadas na minha memória e não querem sair. O cheiro que a manteiga na chapa exala é quase doce. É preciso rapidez e atenção para não queimar, ou só o suficiente para fazer aquela casquinha. Ah, como eu gosto da casquinha. Na borda e com o miolo ainda amarelinho, intacto e molinho. A casca mais escura, com aquele crocante de acordar todo o paladar para se divertir com a barulhada que aquilo faz dentro da cabeça. E o barulho que existe na padaria? O suco de laranja sendo espremido, a vitamina batendo no liquidificador, aquela conversa toda das mesas ao lado, a louça sendo lavada na sua frente e a porcelana se empilhando, tudo some. Croc. Croc.

Mas o pão na chapa é uma pessoa sozinha na pista de dança. Pode até chacoalhar ao som do arrasta-pé, mas precisa de um par para girar o mundo mais rápido. Então entra o café. Se de doce basta a vida, precisamos de amargor para equilibrar. A coreografia acontece mesmo que as pessoas não estejam percebendo. Acordam todos os dias buscando esse musical sem ao menos ver que estão no camarote. O jornal passando e você despercebido criando um casamento para suas papilas.

Na fila do pão, eu sou a pessoa que espera ansiosamente ele quentinho, enquanto crio estórias ao sentir seu cheiro.


publicado em 31 de Agosto de 2017, 00:00
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Bia Amorim

Formada em Hotelaria e pós-graduada em Gastronomia, com especialização em Sommelier de Cervejas. Está no Twitter (@biasamorim) e Instagram (@biasommelier), além do Farofa Magazine, projeto que nasceu para para atender a crescente demanda de comensais que gostam de harmonizar, aprender, conversar e filosofar.


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