Por que games antigos nos fizeram melhores jogadores e o que eles nos ensinaram | Vida de Pai #5

A nossa geração é, possivelmente, uma das melhores jogadoras de videogame

Uma das pequenas glórias de infância das quais me gabo até hoje foi terminar o "The Legend of Zelda: A Link to the Past" do Super Nintendo com 9 anos de idade, sem ajuda de revistas e com um detalhe importante: o jogo estava todo em japonês.

Foram milhares de tentativas e frustrações, cheguei a deletar meu save e começar o jogo inteiro do zero acreditando que poderia ter dado algum bug na fita e por isso o jogo não me permitia mais avançar de fase. 

Depois de seis meses, uma recuperação em matemática e muitos esporros da minha mãe, consegui matar o último chefão. E até hoje guardo um misto de amor e ódio por esse jogo pelo tanto de energia que me consumiu. 

Se tem uma palavra que define o tempo que passei tentando terminar esse jogo é resiliência.

Estado de "flow"

A maior parte dos games modernos são desenvolvidos com uma imensa preocupação em manter o jogador no chamado estado de "flow", onde a habilidade do jogador consegue acompanhar a dificuldade do jogo conforme você avança as fases. Via de regra, quando o jogo fica difícil demais, ele frustra; quando fica fácil demais, ele entedia.

Para exemplificar, pense como é chato quando seu priminho de 5 anos quer te enfrentar no Street Fighter e como é frustrante jogar contra aquele cara viciado. Antes de você pensar em apertar um botão ele já te matou. Em ambas as experiências você perde o interesse no jogo rapidamente.

O desafio dos desenvolvedores é manter os jogadores sempre nessa linha intermediária durante toda a experiência de jogo e, assim, te manter imerso. Não é a toa que uma pessoa consegue ficar tranquilamente três, quatro, cinco horas jogando sem parar, ela está num constante estado de desafios e recompensas. Por isso os games são tão viciantes.

Por que nossa geração é possivelmente a melhor jogadora de games?

Os games que nos marcaram, principalmente os da era do SuperNintendo pra baixo, não estavam nem aí para o flow. Era muito comum ter jogos que ninguém conseguia terminar, tipo, nunca. Como o "Ghouls'n Ghosts", "Super Mario Bros: The Lost Levels", "Contra" e o clássico "Battletoads".

Tire você mesmo a prova. Digite no Google "hardest games of all times", clique em 10 links aleatórios e você vai reparar que 80% dos jogos das listas são de antes de 98.

Talvez os reflexos e agilidade de um gamer com mais de 25 anos não sejam tão bons quanto um de 18, mas provavelmente o gamer mais velho, por ter crescido jogando jogos difíceis, sem fácil acesso a guias e detonados, desenvolveu uma maior resiliência a desafios e capacidade de lidar com frustrações. 

Como desafio, experimente jogar um jogo das antigas, da sua infância, observe se você ainda tem a mesma resiliência para lidar com o porre que é morrer e voltar para o começo da fase (ou do jogo) e não no último checkpoint, travar em uma parte do jogo e não ficar tentado a buscar ajuda na internet, passar por fases completamente desbalanceadas e morrer infinitas vezes até descobrir qual a "manha" para matar aquele chefe. 

Experiência com as crianças

O jornalista Andy Baio comprovou essa minha teoria, fazendo um experimento com o filho dele. Ele apresentou os videogames ao garoto em ordem cronológica: começando pelo Atari, passando pelo Super Nintendo e, a cada ano, mudando uma geração de console até os videogames atuais.

O resultado foi que o filho dele, aos oito anos, conseguia terminar jogos considerados extremamente difíceis atualmente e criou um apreço por jogos indies, com jogabilidades diferentes e mais desafiadoras. Teve menos interesse nos jogos hiper-realistas de hoje em dia e acabou dando muito mais valor à jogabilidade do que aos gráficos.

E você? Ainda é um jogador das antigas? Ou se rendeu às novas tecnologias?

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Pai gamer

Tenho uma filha que está prestes a completar 1 ano e estou tentando singelamente inserir os videogames na vida dela. 

Não quero forçar a barra, porque acho importante ela criar gosto por todos os tipos de brinquedos, não só os que são ligados numa tela. Por enquanto, o que tenho feito é brincar com o controle do console.

Ela gosta de apertar os botões e ver as luzinhas piscarem. Ela ainda não se interessa pela tela dos jogos, tentei jogos com gráficos coloridos e bonitos mas ela perde o interesse rapidamente.

Tentarei fazer o mesmo experimento do Andy Baio com ela quando ela completar 4 anos, a mesma idade que eu tinha quando ganhei meu NES. Já tenho o console na caixa original e vou embrulhá-lo para dar de presente no quarto aniversário. 

Vamos torcer para que ela goste do presente e, quem sabe, tope jogá-lo comigo.


publicado em 17 de Agosto de 2016, 19:15
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Rodrigo Cambiaghi

é especialista em mídia programática, monetização de sites e BI. Reveza o tempo entre filha, esposa, cão, trabalho, banda, moto, games, horta de casa, cozinha e a louça que não acaba nunca.


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