Quarta-feira, última semana do mês e o dinheiro já acabou faz uns quinze dias. O ponteiro do relógio já está perto do 6, a voz do seus colegas de trabalho não para de ecoar na sua cabeça e o número de emails não lidos não para de crescer. Você só consegue imaginar-se entrando no elevador e dirigindo para longe o mais rápido possível. Quer chegar em casa, trocar de roupa e colocar os pés para cima do sofá.
O grupo dos amigos no Whatsapp começa a conversar, alguém sugere tomar um chope no pub irlandês ali perto. Hoje tem dose dupla.
Você sabe que não pode e nem tem ânimo de ir, mas começa a pensar nas fotos que vão aparecer no Instagram, selfie em grupo e histórias que amanhã vai lamentar ter perdido. Você não quer ir, mas tem medo de estar perdendo… algo.
Em tempos de redes sociais e com toda facilidade de acompanhar o que acontece na vida dos nossos amigos, uma sensação de ter ficado de fora e de estar perdendo algo muito interessante se tornou muito frequente.
O medo de ficar de fora (ou como é mais popular, na sigla do inglês, FOMO) é essa sensação que nos move a fazer coisas que não queremos, muitas vezes gerando outros sintomas como ansiedade, descontroles nos gastos e, frequentemente, ficar deprimidos.
Os sintomas não incluem apenas querer sair sem vontade para não perder uma suposta diversão, mas todo impulso de fazer coisas que no fundo nem queremos, a paranoia em achar que estão nos deixando de fora e cobrar isso de maneira exagerada, gerando conflitos e ferindo relacionamentos.
Junto com o FOMO existem alguns outros sofrimentos modernos igualmente comuns e que podem atrapalhar nossas vidas. Sensação de vazio, uma extrema ansiedade ou constante frustração também estão entre essas formas modernas de sofrimento.
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Abaixo cito alguns efeitos de FOMO. Que fique claro que estou falando sobre casos onde esses tiques são frequentes e praticamente incontroláveis.
O primeiro aviso que preciso deixar é que textos e observação pessoal frequentemente não são o bastante. Muita gente precisa de auxílio psicológico para superar essas dificuldades. Não é vergonha nenhuma procurar um psicólogo.
Também é importante lembrar que todos temos dias bons e ruins, momentos de tensão e carência que podem causar alguns dos sintomas normalmente associados ao FOMO e ansiedade.
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Verifica notificações sem parar, num curtíssimo espaço de tempo
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Fica tempo prolongado verificando se existe algo de novo em todas as redes sociais, pulando de uma para outra a espera de alguma informação nova.
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A bateria do celular prestes a acabar causa irritação, deixa o coração acelerado e causa uma preocupação exagerada, a ponto de modificar seus planos normais.
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Não consegue dizer não para um convite, mesmo que não queira ir
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Frequente arrependimento por ter aceitado um convite
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A sensação de que as pessoas estão sempre te decepcionando
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Linguagem corporal agitada (apertando os dentes, balançando a perna, batucando com os dedos, andando de um lado pro outro, e outros movimentos impulsivos)
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Dificuldades em executar tarefas rotineiras por estar focado em algo trivial
Esses sintomas são os mais comuns, mas não são todos.
É importante criar o costume de observar nossas próprias reações e reflexos, assumindo uma consciência maior sobre como estamos mudando e sendo afetados pelo ambiente.
A seguir apresento algumas mudanças simples que podem ter um grande impacto, reduzindo ou eliminando os sintomas.
Remova os gatilhos
Se existe algo que pode simbolizar a onda moderna de ansiedade são os alertas presentes em todas as ferramentas digital que utilizamos. Bolinhas vermelhas, sons, barra de notificações, ícones piscando e toda essa gama de artifícios formulados para atrair nossa atenção.
Notificações funcionam como gatilhos de ação, nos lembrando que existe algo que pode ser importante, não só automatizando o impulso de verificar o que está acontecendo em cada uma das redes sociais, mas também o instinto de verificar frequentemente se novos alertas estão aguardando.
Toda essa mecânica de urgência funciona em cima da possibilidade de ser algo importante. Mas vamos combinar: raramente é. Tente desativar todas as notificações, deixe tudo que for possível desligado, liberando só para pessoas que realmente tenham uma urgência na resposta. Ao invés de ter alertas lembrando constantemente que precisa olhar o celular, deixe para ver tudo de uma vez quando o dia estiver mais calmo, sem a preocupação de ter um alerta te chamando.
Deixe o mundo acontecer sem você
Estar presente em todos os momentos divertidos, com cada um dos diferentes grupos de amigos que você pode ter e fazendo tudo o que todos eles propõem exige um monstruoso esforço. Infelizmente, na prática é quase impossível vencer esse jogo. Sempre existirá algum amigo fazendo algo muito legal e que não podemos participar.
Um grande passo para vencer o FOMO é aceitar que o mundo pode acontecer sem a gente, entender que tudo bem deixar de sair hoje, porque outras oportunidades irão surgir. É preciso saber que às vezes precisamos descansar, lembrar de todas as vezes que fomos no impulso e nos arrependemos, quanto dinheiro gastamos sem poder e que acabou prejudicando nossa vida.
Crie prazer em atividades individuais
A ideia de que é sempre necessário estar com alguém e em algum outro lugar para se divertir também colabora bastante para frustrações e ansiedades, mesmo que muitas vezes nos sintamos frustrados porque também não estamos nos divertindo na presença de nossos amigos.
Essa característica é bem mais presente em pessoas introvertidas, mas extrovertidos também podem aprender a curtir a solitude, desenvolver a habilidade de ficar sós e confortáveis apenas com sua própria companhia.
Assistir séries, ler livros e praticar corrida até aprender coisas novas, tocar instrumentos e desenhar, existem milhares de atividades que exigem concentração e um tempo individual para que seja desenvolvido e aproveitado. A maioria dessas atividade são aquelas que deixamos de aproveitar quando a vida adulta chega, simplesmente porque passamos a criar uma certa dependência para nos divertir.
Entender que estar só não significa ser solitário é uma mudança radical que nos faz relaxar e perder um pouco da vontade de estar sempre em situações sociais.
Tire o pé do acelerador
A maioria de nós anda rápido demais. Não só em termos de caminhar ou dirigir, mas na forma que lidamos com a vida.
Estamos sempre no futuro, procurando chegar em outro lugar. Corremos para chegar no trabalho, para sair do trabalho e buscar os filhos. Corremos para chegar na academia e para acabar os exercício, para dormir logo e obviamente acordar mais cedo.
Toda essa urgência nas coisas nos impede de aproveitar o que estamos fazendo. Nossa mente se ajusta para que o resultado esteja sempre no futuro, nunca no que estamos fazendo. Torna-se cada vez mais difícil sentir que existe recompensa, porque quando ela supostamente chega, já estamos com o foco em outro lugar.
Como um exercício, tente comer sem distrações e sentir o sabor dos alimentos. Observe a paisagem e, se possível, pare um pouco para observar o lago, as árvores ou o céu. Se não tiver uma bela vista para apreciar, simplesmente sente em algum lugar e respire, veja as pessoas passarem e a cidade acontecer. O objetivo é simplesmente parar e respirar, usufruir do que existe antes de correr atrás do próximo objetivo.
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É muito provável que todos nós estejamos sofrendo desses males em algum ponto. E sabemos saída exige observação e muito trabalho. Não nos tornamos conscientes e auto-suficientes da noite para o dia, é preciso prática.
Se você tem alguma sugestão de como amenizar esses sofrimentos modernos, compartilhe conosco nos comentários e ajude outras pessoas com este texto.
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Esse texto faz parte do percurso Simplifica. De duas em duas semanas, às segundas, um texto novo sobre como tornar muito mais simples as relações, o trabalho, o dinheiro, a atividade física, alimentação, etc.
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