É bem possível que você já tenha ouvido e até repetido a frase: “a vida é simples, a gente é que complica”.

Essa é uma citação comum e que parece até fazer sentido, principalmente porque queremos acreditar no que ela diz.

É louvável quando assumimos responsabilidade pelos nossos problemas e tentamos resolvê-los. Admiro muito quem se comporta assim. Mas não podemos fazer isso com tudo, principalmente com situações que fogem do nosso controle, aquelas que não escolhemos passar.

A real é que a vida é complicada, não tem jeito.

O mundo é de uma complexidade atordoante, e conforme mergulhamos na vida adulta e as camadas de responsabilidade começam a se entrelaçar este problema vai ficando ainda mais evidente. Chega a ser ofensivo afirmar que somos nós que complicamos a vida. Não precisamos ir muito longe para saber que ela é uma bagunça por si só.

Mas é fato que nós também acabamos adicionando camadas desnecessárias em cenários que já são ruins. Fazendo isso, podemos piorar as coisas e aumentar a pressão que colocamos sobre nós e as pessoas que nos rodeiam.

Existem alguns comportamentos recorrentes que ajudam a complicar as coisas e que todos nós fazemos em algum ponto.

Reclamamos demais

Antes de tudo, preciso deixar claro que reclamar menos não é ficar sem reclamar pra sempre. Não é tornar-se um passivo diante dos problemas. É exatamente o oposto: tomar ações para solucionar os problemas que a reclamação tenta apontar.

Agora, tente sair um pouco da sua visão e dê um passo atrás. Observe seus comentários, o que diz e as reações das outras pessoas. Seja – por um momento – apenas um observador e veja como reclamamos o tempo todo.

O problema mais grave da reclamação é que o ato prolonga o impacto do problema. Quando algo acontece cedo pela manhã e seguimos mastigando o incidente ao longo do dia, contando para outras pessoas e inserindo cada vez mais indignação no relato, estamos arrastando um estresse desnecessário conosco.

Algo que já aconteceu e já causou seu impacto segue aumentando seu dano.

A ideia é ser objetivo, reclamar quando fizer sentido, mas ter a consciência de quando parar. Quando estamos reclamando para ter assunto, porque estamos desconfortáveis e por não saber o que dizer.

Faz um tempo fiz o popular experimento de ficar 21 dias sem reclamar e postei aqui no Pdh os aprendizados que tirei neste período. Também fiz outro texto bem detalhado sobre como o psicológico da reclamação funciona e minhas reflexões sobre o assunto, foi um dos meus textos mais lidos de todos os tempos.

Falamos dos outros

Fofoca é uma prática comum em quase todos os ambientes. O historiador Yuval Harari, no livro Sapiens, atribui parte do desenvolvimento da nossa espécie ao ato de falar dos outros pelas costas. Para ele, essa capacidade de espalhar informações sobre pessoas nos ajuda a colaborar como um grupos maiores, nos diferenciando dos outros primatas.

A realidade moderna é um pouco diferente e as possíveis vantagens da fofoca acabaram ficando pelo caminho. Hoje em dia, quando criamos um clima de fofoca acabamos causando o resultado oposto: comprometemos nossa credibilidade, nos apresentando como pessoas pouco confiáveis e ampliamos o clima de desconfiança entre as pessoas a nossa volta.

Nos tornamos – e somos vistos como – pessoas negativas.

Todo mundo conhece o clássico conselho “se ele faz fofoca dos outros pra você, também faz fofoca de você para os outros”. Apesar de não ser sempre verdade, nosso instinto de proteção tende a pensar assim.

Resistir à tentação de fazer comentários negativos sobre os outros é tão importante quanto cortar esses comentários quando chegam até nós. Se persistimos em alimentar o fofocas, em pouco tempo nos veremos numa situação onde não confiamos em ninguém e estamos sempre com medo de que estejam falando de nós.

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Interprete como gostaria de ser interpretado

Incontáveis discussões acontecem e se intensificam por um motivo muito simples: não tentar entender o que a pessoa quis dizer .

Frases podem ser ambíguas e em momentos de estresse não pensamos muito bem no que estamos dizendo. Durante uma discussão podemos fazer afirmações fortes, mas que no fundo não querem dizer exatamente o que a combinação de palavras pode sugerir. 

Por medo, costumamos interpretar o que as pessoas dizem da pior forma possível. Sempre achamos que o mundo está contra nós, que estão nos enganando ou escondendo algo. Pior ainda, achamos que querem nos ofender.

A verdade é que as pessoas não sabem se expressar. Tropeçamos nas palavras e acabamos tendo que explicar que não queríamos ofender, mas no fim, fazemos o mesmo, interpretando o que foi dito sempre da forma mais negativa.

Claro que existem situações onde a intenção é ruim, mas assumir isso como padrão de julgamento revela um grave problema. Estamos sempre na defensiva, recuando. Para facilitar as coisas podemos interpretar o que foi dito da melhor forma possível, sem tentar buscar significados ocultos ou forçar intenções.

Não é esconder emoções

Quando falamos sobre pensar mais objetivamente na vida, automaticamente surge o medo de se tornar robótico, alguém com sangue de barata, que aceita tudo calado.

Novamente, assim como no exemplo da reclamação, o importante é pensar na vida de forma mais clara, sem as confusões que geram medo e frustração. É saber observar as emoções e reagir quando realmente fizer sentido, quando colaborar para que o objetivo – seja qual for – seja alcançado.

Aquela pessoa que não respondeu sua mensagem pode mesmo só estar ocupada, aquele cara pode não ter ligado porque realmente esqueceu, e aquela guria pode só não saber demonstrar o quanto gosta de você.

Os cenários onde podemos simplificar nossa abordagem e assumir uma visão mais simples, que não prolongue as dores são vários. Pensar que o motorista que cruzou a sua frente pode só ter acordado atrasado e se distraiu, ajuda a simpatizar, lembrar que você também já fez suas besteiras no volante. Lembre-se que a maioria desses problemas não são pessoais, não existe uma conspiração secreta contra você.

Este é, inclusive, um convite para a maturidade, para saturar menos as situações abordagens negativas e trazer abordagens que nos machucam menos.

* * *

As dores causadas pelo mundo e sua complexidade são muitas e o impulso de reagir com posturas que parecem nos proteger é natural. Nosso objetivo não é abdicar completamente desses sentimentos, mas tomar a iniciativa de investigar os impactos e ser um pouco mais criteriosos com nossas reações.

Não é uma mudança de comportamento fácil de ser adotada, exige muito esforço e disciplina, mas o resultado é uma leveza renovada e uma certa calma.

Contribua nos comentários citando complicações que criamos na vida e soluções para algumas dessas posturas.

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Esse texto faz parte do percurso Simplifica. De duas em duas semanas, às segundas, um texto novo sobre como tornar muito mais simples as relações, o trabalho, o dinheiro, a atividade física, alimentação, etc.

  1. Por que simplificar a vida
  2. Construindo uma relação mais saudável com o trabalho
  3. Como viver uma vida mais real
  4. Como lidar com a sensação de abstinência
  5. Os sofrimentos modernos e como lidar
  6. Assumindo o controle do próprio corpo
  7. Assumindo um olhar mais objetivo
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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.