O grau de complexidade dos exercícios físicos, modelos de alimentação e suplementos aumentou de forma inacreditável nos últimos anos.

Se você visitou uma academia ou leu sobre exercícios físicos recentemente, passou por uma loja de suplementos ou pesquisou sobre alimentação deve ter uma imagem bem clara do que estou falando.

Apesar dos avanços das pesquisas em educação física e nutrição impulsionarem parte do surgimento desses novos modelos, não é apenas isso que preenche tabelas de preços em academias e prateleiras de supermercado. O movimento fitness é uma indústria gigantesca em expansão e precisa vender produtos para quem tem interesse. Este interesse surge convencendo as pessoas que tudo aquilo é mais do que opcional, é necessário.

Pessoas que ainda não passaram da primeira semana de treino já sabem de cabeça a lista de suplementos que querem usar, as dietas mais radicais copiadas de atletas de ponta e os treinamentos mais rígidos e intensos, buscando extrair o máximo do potencial possível em cada sessão.

O que deveria ser uma experiência de descoberta se torna apenas mais um padrão de consumo desenfreado.

Precisamos de tudo isso?

A resposta simples é não. Não precisamos.

Alguns profissionais podem discordar, mas o esforço necessário para aumentar nossa qualidade de vida e construir uma relação saudável com nosso corpo é muito menor do que acreditamos ao nos matricular numa academia.

Para quem está começando, pouco estímulo e rotinas simples já geram um resultado bem positivo. Treinos mais complexos podem trazer resultados mais rápidos, mas também espantam a maioria das pessoas.

Já tive esse pensamento centenas de vezes, normalmente observando a seguinte situação:

Numa sala cheia de equipamentos, um cara com um braço rasgando a camiseta e levantando pesos numa cadência quase mecânica, olhando para o horizonte e respirando com tranquilidade. Do outro lado, um rapaz bem acima do peso, tremendo ao tentar mover a máquina sem nenhum peso acoplado e sendo corrigido pelo instrutor mais uma vez. O semblante do iniciante demonstra sua frustração, ele preferia estar em qualquer outro lugar, fazendo qualquer outra coisa.

É quase rotina observar pessoas como essas onde treino. Gente assustada com a distância que estão de uma vida mais saudável, de simplesmente conseguir se exercitar, subir uma escada sem ficar ofegante e perder a vergonha de tirar a camisa na piscina do final de semana.

Assumo sem vergonha. Mesmo eu, alguém que já passou por um processo de mudança corporal bem drástico, tenho 20 anos de artes marciais e que acordo 5 horas da manhã para levantar peso todos os dias, não sei se hoje teria estômago para enfrentar essa frustração de começar do zero agora.

Oi, meu nome é Alberto e estou pensando em nunca mais voltar aqui.

Eu certamente seria um desses que vai a primeira vez e não volta mais. A barreira psicológica entre quem está começando e quem já está muito na frente, o alto rigor exigido e a óbvia ridicularização de quem já está habituado torna a prática de exercícios físicos desafiadora para uns, mas um terror para todos os outros.

Nos perdemos no caminho

Um dos grandes complicadores quando pensamos sobre nosso corpo é não fazer ideia do que precisamos fazer e de onde queremos chegar.

Um homem de 24 anos entra numa academia querendo entrar em forma e ter mais disposição, mas em poucas semanas está fazendo dieta paleo, treino de alta intensidade, aulas de jiu-jitsu e muay thai, treino funcional e planejando correr uma prova de rua.  Muitas vezes acreditando que é isso que ele precisa para ter essa melhora na sua qualidade de vida.

Esse erro é comum, ter um objetivo simples mas complicar achando que pode acelerar as coisas. Muitas vezes é realmente possível acelerar o processo, mas o risco de criar um grau de complexidade grande o suficiente para gerar frustração e desistir de tudo cresce junto.

É preciso entender qual é o objetivo inicial e, pelo menos por alguns meses, se manter focado nele, segurando a ansiedade de adicionar mais camadas e tirar as coisas do trilho.

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Não estou dizendo que a hipótese de se apaixonar por exercícios físicos e dedicar-se a várias outras modalidades não existe. Isso acontece e é sim muito positivo, mas quando as pessoas acabam abandonando o objetivo por achar que precisam fazer muito mais do que é realmente necessário, temos um problema.

Use o básico para se adaptar

No primeiro dia de academia o instrutor sempre organiza uma rotina de treino para adaptação do corpo. Este é um estímulo inicial que será feito por algumas semanas, preparando o corpo para treinos um pouco mais intensos. Mas não é apenas o físico que precisa se adaptar.

O estresse psicológico de iniciar uma atividade nova é grande, o desgaste envolvido em mudar a rotina, fazer algo que não possui aptidão e sentir que está sendo ridicularizado por ser iniciante é enorme.

Uma dieta mais restritiva, por exemplo, é um estressor psicológico muito maior do que simplesmente comer coisas diferentes. O sentimento de privação, resistir aos estímulos sociais e gatilhos emocionais se torna um estressor muito mais difícil de sustentar. Tudo é vai muito além do “ é só seguir a dieta”.

Use o básico, aquilo que todo mundo sabe, para se acostumar com a ideia de ser mais ativo e comer melhor. Ao invés de sair correndo e pagar a anuidade de uma academia, comece caminhando no parque por alguns meses, andando a pé ou adotando uma bicicleta. Depois que a auto-imagem de ser mais ativo estiver construída, é mais fácil adicionar camadas de complexidade.

O mesmo podemos falar sobre alimentação. Ao invés de buscar dietas muito restritivas e até gastar dinheiro num nutricionista que você não vai seguir as recomendações, tentar seguir o básico do conhecimento comum pode criar essa adaptação mental para programas mais específicos. Reduzir carboidrato, carnes magras, evitar açúcar e comer salada está longe de ser o ideal para muita gente, mas se nos adaptarmos ao básico e desenvolvermos essa disciplina com menos frustrações e estresse, o resto será bem mais fácil de seguir.

Fazendo este mínimo às vezes até descobrimos que não precisamos nada além do simples.

Simplifique até precisar complicar

Em algum momento tudo vai deixando de dar resultados. Seja porque ficou monótono,  porque sente que poderia ser mais desafiador ou até porque os objetivos mudaram.

Não existe erro em querer treinar com mais dedicação, competir em modalidades esportivas e começar a desenvolver-se com um pouco mais de seriedade. O erro normalmente está em tomar essa decisão pelos motivos errados.

As inúmeras atividades disponíveis podem sim trazer um aspecto positivo e novo para nossa relação com o corpo, e podemos tirar grande proveito disso. É interessante conhecer e experimentar as atividades que nos despertam interesse, mas é também importante não tomar ideias positivas como uma condição mandatória.

Depois de se tornar mais ativo, é interessante buscar apoio na musculação ou em algum outro esporte. Depois de começar a comer razoavelmente bem, é bom procurar um nutricionista e ver onde pode melhorar. Assim como depois de bons meses treinando, pode ser legal adotar alguns suplementos.

O objetivo é só não complicar antes da hora. O importante é saber que começar lento e seguir firme importa mais do que começar rápido não ter fôlego para continuar.

Leia também os outros artigos do percurso Simplifica

Esse texto faz parte do percurso Simplifica. De duas em duas semanas, às segundas, um texto novo sobre como tornar muito mais simples as relações, o trabalho, o dinheiro, a atividade física, alimentação, etc.

  1. Por que simplificar a vida
  2. Construindo uma relação mais saudável com o trabalho
  3. Como viver uma vida mais real
  4. Como lidar com a sensação de abstinência
  5. Os sofrimentos modernos e como lidar
  6. Assumindo o controle do próprio corpo
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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.