Faz um tempo que ando observando a maneira como costumamos comentar nos tópicos, artigos na internet, posts de Facebook… E sempre fico bem impressionado.
Sugiro como exemplo, aqui, um post que o pessoal de conteúdo colocou na página do PapodeHomem no Facebook: “Filha de ex-chefe do Mossad (o serviço de espionagem israelense) recusou o exército israelense”.
“Eu me recuso a alistar-me no exército de Israel. Não posso fazer parte de um exército que desnecessariamente implementa uma política que violenta e viola os direitos humanos mais básicos. Como a maioria dos meus colegas, eu também não ouso questionar a ética do exército israelense. Mas quando visitei os Territórios Ocupados, percebi que há uma realidade completamente diferente, violenta, opressiva, extrema e que precisa ter um fim.
Eu acredito em servir a a sociedade da qual faço parte, e é precisamente por isso que eu me recuso a tomar parte nos crimes de guerra cometidos por meu país. A violência não vai trazer qualquer tipo de solução e não vou cometer a violência, venha o que vier. “
Esta é uma amostra pequena dos comentários que seguiram – inviável reproduzir aqui toda a enxurrada, e também desnecessário, visto que o teor não varia muito:
Lembro que o assunto aqui não é a garota israelense, que este é apenas um exemplo, o que por acaso estava mais à mão agora. Poderíamos pegar qualquer artigo no PapodeHomem, nos jornais, nos grandes portais, na nossa própria timeline no Facebook. (Se quisermos ser um pouco mais sérios, podemos olhar nossas conversas presenciais, com amigos, no cafezinho do escritório, num encontro casual qualquer.)
O ponto é que, por algum motivo, qualquer coisa facilmente, quase automaticamente, vira motivo de zoeira. Parece que temos um hábito irresistível de bater os olhos, fazer algumas guerrinhas de opinião e irmos embora. E tudo geralmente com grandes doses de irritação e ironia barata.
Por algum motivo, temos dificuldade pra olhar as coisas com um mínimo de cuidado, com sensação de pertencimento, com empatia, como algo que diz respeito a nós mesmos e ao mundo onde estamos com os pés agora. Parece um hábito cultural, uma predisposição que vamos inadvertidamente replicando em todo lugar. Se não sentimos que é da gente, não cuidamos.
Lembro de uma metáfora usada por Michel Serres, que explica que os bichos tendem a sujar apenas os lugares onde eles não vivem, da mesma forma que nós sentimos que é é OK jogar lixo pela janela do carro – porque não sentimos que a rua é nossa casa, mas só um lugar de passagem, de ninguém ou de alguém que nunca vamos encontrar.
Então, é de se esperar que não nos surja algum senso de responsabilidade. Nem imaginamos que fazer uma piadinha ruim como a do exemplo aí em cima é igual a sermos racistas ou machistas. Nem imaginamos o tamanho da confusão e sofrimento humano que isso implica. Nem imaginamos que conversar e debater é algo para ser aprendido. Que, no mínimo, estamos jogando no lixo o nosso bem mais precioso – esquecemos da morte com facilidade e com gosto.
Mas na verdade estou elocubrando. Não sei se entendo bem este comportamento. Fico por aqui pensando o que isso sinaliza, de fato, quais são as dinâmicas que geram hábitos assim. De qualquer forma, desconfio seriamente que não é nada muito bom, e que é mais sério do que quer parecer.
E no meio da incerteza e da bagunça, pra mim, penso ser melhor não perder muito tempo, melhor falar menos inutilmente, fazer menos piadinhas, usar menos ironia e lembrar o óbvio: estamos sempre tratando com a vida das pessoas.
Não tem sido fácil.
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