O que não dizer para alguém que tentou suicídio?

É muito comum que tenhamos dificuldade em lidar com situações que envolvem questões de saúde mental das nossas pessoas queridas. Em especial, quando há o risco de tentativas de suicídio. Isso porque, de forma geral, o assunto ainda é um grande tabu. Temos medo de que falar sobre o tema possa incentivar pessoas a cometerem tal ato. Mas pelo contrário, desmistificar o tema e entender como podemos ser suporte para os momentos difíceis das pessoas à nossa volta, pode ajudar na construção de outros caminhos e possibilidades de saída e recuperação dessas situações.

Essa pessoa não está querendo “chamar a atenção” ou “aparecer”

No impulso de encontrarmos alguma explicação racional sobre os motivos de alguém tentar suicídio, podemos cometer algumas falhas que podem atrapalhar muito o processo de recuperação de alguém. É importante compreendermos que essa pessoa não está querendo “chamar a atenção” ou “aparecer”. Pessoas que tentaram suicídio, na verdade, estão diante de um sofrimento emocional muito grande e complexo.  Elas veem a possibilidade de encerrar a vida como um caminho para interromper a sua dor e a sensação de impotência ou de ausência de sentido em permanecerem vivas. O nosso papel principal nessas situações é o profundo acolhimento e cuidado, sem acusações ou discursos morais.

Ela não é uma “coitadinha”

Tratar alguém que acabou de tentar suicídio como “coitadinho” não é o caminho ideal. Ver essa pessoa dessa forma, retira dela a possibilidade de reconstruir a sua autonomia e a deixa em um lugar sem solução, que não pode mudar ou tomar outras direções.

Sim, precisamos reconhecer, validar e acolher o sofrimento pelo qual ela está passando, mas sem a colocar nesse lugar tão limitante que anula dela a importância de se responsabilizar ao buscar forças e construir caminhos para sair dessa situação difícil.

“Ela vai ficar nesse lugar de: “coitadinho, não há nada o que fazer, nasceu assim, vai morrer assim!”. Esse pensamento e essa forma de tratar alguém que acabou de tentar suicídio. coloca todo o contexto da situação como algo imutável e o indivíduo passivo diante da situação. O coitadinho fica nesse lugar como se ele não pudesse deixar mais de ser coitado. É um fim dado. Por isso, esse caminho não é recomendado, afinal existem outros elementos que ao serem manejados, podem mudar significativamente o cenário: relações sociais, hábitos de sono, alimentares ou relativos à atividade física são variáveis que quando são manipuladas ativamente pela pessoa, trazem bons resultados. Por isso é importante considerar a responsabilidade da pessoa frente a situação”

João Paulo Morais - Psicólogo

“O que é melhor evitar de dizer para essa pessoa então?”

Ainda que bem intencionados, no desejo de que essa pessoa tenha esperança que as coisas vão melhorar, acabamos falando determinadas coisas que podem causar culpa ou fazer com que ela se sinta muito mal. Evite falar coisas motivacionais genéricas ou que minimizem o motivo pelo qual essa pessoa cometeu o ato. Então evite dizer coisas como:

“Isso é falta de Deus! Você precisa ir pra igreja!”

“Solução tem, mas você escolhe ficar nesse sofrimento!”

“Ocupe essa cabeça, porque mente vazia é oficina do Diabo!”

‘’Se estivesse trabalhando não ia ter tempo nem para ficar triste’’

“Isso vai te deixar mais forte!”

“Deus tem um propósito pra isso ter acontecido na sua vida!”

Ao invés de falar, ouça mais quando estiver nessa situação

Nesse contexto, é muito mais eficaz que você se disponibilize a ouvir mais do que falar. Nem sempre essa pessoa quer uma palavra de sabedoria ou conselho. Ela costuma querer ser ouvida com atenção sem ser julgada ou menosprezada.

Ofereça a sua companhia:

“Quer falar sobre o que te incomoda?”

“Quer falar como você está se sentindo?”

É muito importante que ela tenha liberdade para conduzir o assunto. Pode ser que ela não queira falar sobre o ocorrido. Respeite isso sem perguntar os motivos ou detalhes de como ela cometeu o ato. Mas se ela sentir vontade de falar sobre, não interrompa, não invalide, guarde os seus julgamentos, ainda que você ache que as motivações foram “pequenas” ou “injustificáveis”. Lembre-se: essa situação não é sobre você. Portanto, ela não pode estar sob a sua régua de certo ou errado.

“Eu nunca sei o que falar numa situação dessa”

Pode acontecer também de você não saber direito o que falar e esse é o momento de você ser honesto com essa pessoa. Você pode dizer algo como:

“Sei que o que você tem vivido é difícil, mas quando a coisa estiver apertada, me liga, me manda uma mensagem pra gente conversar, você pode vir aqui pra casa!” 

“Tô aqui contigo! Eu não sei bem o que te dizer. Mas tô aqui pra te ouvir e te acolher! Pode desabafar e também podemos falar de qualquer  outro assunto que você queira!”

“Quero te ajudar! O que você gostaria que eu fizesse por você nesse momento?

Se disponibilize com responsabilidade

Antes de falar “Pode contar comigo sempre”, avalie a sua real disponibilidade e deixe isso bem estabelecido com essa pessoa. É muito importante que você aja com honestidade. Diga em quais questões você consegue ajudar e em quais dias ou horários você está mais disponível para conversas, passeios ou um café, por exemplo. Isso ajuda a evitar que essa pessoa acabe se frustrando ao te procurar em qualquer hora e você não estar tão disponível como disse. Frustrações nesse contexto, podem validar pensamentos e crenças que motivam a pessoa a desistir da vida. Ela pode se convencer de que de fato não faz diferença no mundo, que não é importante ou não tem valor algum. É vital a responsabilidade de quem se dispõe a ajudar.

Sempre que possível, tenha também um plano B para oferecer a essa pessoa. Pode ser alguém de confiança com quem ela poderá conversar caso você esteja ocupado, ou até mesmo a possibilidade de ela ligar para o Centro de Valorização da Vida - 188. O atendimento é gratuito e garante completamente o sigilo e anonimato, além de funcionar 24h por dia. Caso ela não tenha acompanhamento psicológico, você pode incentivá-la a buscar esse serviço facilitando o processo e ajudando a encontrar um bom profissional. O CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde) também são opções úteis e gratuitas.

Não meça a dor do outro com a sua régua.

O sofrimento emocional é algo definitivamente subjetivo e individual, portanto impossível de ser vivenciado de forma idêntica por duas pessoas. Ao dizer frases do tipo: ‘’Não há motivos para estar assim, pois muitas pessoas com menos recursos e problemas que você ainda têm forças para seguir em frente’’  ou ‘’Existem pessoas com maiores dificuldades que as suas e que agradecem diariamente por estarem vivas’’, além de provocar o sentimento de culpa, por uma suposta incompetência frente ao seu desafio, essa abordagem desdenha de uma experiência de dor real e singular vivenciada por essa pessoa. Evite comparações e equivalências.

Texto produzido em colaboração com João Paulo Morais, psicólogo clínico, pós-graduando em Terapia Cognitivo Comportamental. Atua na área de saúde mental com ênfase em temas das masculinidades.


publicado em 12 de Agosto de 2024, 18:44
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Andrio Robert

Mestre e doutorando em Educação no PPGE- UFPR. É pesquisador de corpo, gênero e masculinidades. Suas investigações estão inseridas na linha LICORES - Linguagem, Corpo e Estética na Educação, no grupo de pesquisa Labelit - Laboratório de Estudos em Educação, Linguagem e Teatralidades (UFPR/CNPq) e na Diálogos - Rede Internacional de Pesquisa.


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