Minhas impressões após ir pra rua nesse domingo

Um pequeno relato de um cidadão comum

Fui às ruas antes de tudo, observar. Estou, confesso, bastante insatisfeito com a Dilma e apoio a condenação de Lula, caso haja crime comprovado. Entretanto não tenho certeza se o impeachment seria o melhor caminho e entendo que o rito só deve seguir se houver bases legais para tanto.

Titubeei antes de soltar esse texto, é estranho pra eu escrever sobre algo que não me sinto bem qualificado pra opinar. Só que vendo os comentários nesse artigo e outros web afora, talvez o ponto aqui seja abrir um pouco de minhas fragilidades políticas. Quem sabe mais pessoas também compartilhem as suas. 

Espero aprender com vocês nos comentários.

Entendo que a corrupção pode ser sistêmica e generalizada. Porém, não creio que isso deva impedir ações específicas de serem feitas. Que se puna quem pode ser punido agora, e vamos seguindo adiante de acordo com as possibilidades.

Não procurei ler sobre as manifestações antes de ir, fui com o que sabia de ouvido, "é pra protestar contra a corrupção e o PT". Vergonha da minha própria preguiça.

Penso que o Brasil obteve conquistas importantíssimas durante o governo do PT, que talvez não tivessem acontecido tão cedo se outros partidos estivessem no comando. Mas acredito que o ciclo deles na presidência chegou ao fim.

Votei no Aécio nas últimas eleições, como contextualizei aqui ano retrasado. Como a Marina não tinha mais chances de vencer, optei por um candidato e partido que acredito ter problemas tão sérios quanto os do PT. Fiz essa escolha por considerar que, nesse momento, o melhor seria trocar de mãos o poder. Não por ser fiel a partido algum. Atualmente tenho acompanhado pelo Instagram e admirado a atuação do Romário, do Jean Willys e do Marcelo Freixo.

Compartilho a seguir algumas impressões sobre o que vi e ponderei caminhando pela Avenida Paulista, entre 16h e 17h. Desde já, me desculpem as gafes e me corrijam as interpretações incorretas, se possível.

1. Clima pacífico e organizado

Vi muitas crianças e até bebês de colo. Várias famílias, com diferentes gerações presentes. Não cruzei com nenhuma briga ou algazarra.

Bonito de ver.

2. Os presentes me pareciam brancos, em sua maioria

Vi poucas pessoas negras, com exceção dos policiais e vendedores ambulantes.

O DataFolha confirmou o que senti: 77% dos presentes se declararam brancos. A renda de 50% dos presentes era de cinco a vinte salários mínimos (ou seja, entre R$4.400 e R$17.600).

Eu me encaixo nesse perfil, exceto pela cor. Estou mais pra moreno jambo, o que o IBGE categoriza como pardo.

O mesmo DataFolha nos disse que 96% dos presentes apoiavam a cassação de Eduardo Cunha.

3. As mensagens centrais e unânimes eram...

Fora PT. Fora Dilma. Lula na prisão. Viva Sérgio Moro.

4. As lideranças nos carros de som tinham falas perigosamente rasas e simplistas

Após os gritos de guerra de "Fora Dilma" e "Lula na cadeia", vieram coisas como:

"Eu garanto pra vocês que em um mês, no máximo, a Dilma cai! E aí vamos salvar o Brasil!" – então vão entrar os créditos, vamos ter casamento, final feliz e beijo na princesa?

"Fora PT! Rumo à vitória!" – o PT encerrar seu ciclo pode realmente ser algo bom, mas o que exatamente é essa vitória, Temer no poder?

"Por que precisamos nos armar novamente, pros bandidos terem medo antes de pensar em assaltar a população!"

Senti bastante falta de escutar nos carros de som ao menos uma voz mais ponderada, que pudesse colocar em contexto mais lúcido os protestos e articular críticas melhor estruturadas.

5. A turma radical me parecia minoria

Prefiro não dar muito ibope aos cartazes bizarros de uns poucos gatos pingados, que acredito serem exceção, pedindo volta dos militares.

6. Respeito e critico usar a camisa da seleção

Respeito por ser um símbolo que muitos usaram pra transmitir amor e união, vontade de lutar em conjunto. Afinal, com 5 milhões de pessoas na rua é difícil articular trajes em comum.

Critico pois não me desce na goela o desconforto de usar uma peça de roupa que representa uma imagem sob gestão de uma organização privada e que me envergonha por sua corrupção, a CBF.

Querendo ou não, o colateral é valorizar um bem hoje administrado por corruptos. Por isso apoiamos tanto o Bom Senso FC aqui no PdH, é nossa maneira de apoiar o movimento de transformação de nosso futebol.

Preferi ir de camiseta branca.

7. Dilma ter falhas como presidenta não desabona em nada as outras líderes políticas 

É de uma sacanagem e falta de lógica sem tamanho dizer que "a Dilma falhar em seu cargo mostra que mulher não serve pra presidenta", como escutei de várias bocas.

Ninguém fala que todo homem é presidente de merda por conta do Collor ter sido um desastre.

Vamos entrar em acordo que julgar todo um gênero por conta de uma pessoa não faz sentido algum, por favor.

De cá, espero ver cada vez mais mulheres na política.

8. Não dá pra ignorar a força de termos tantas pessoas nas ruas

Me desagrada a ideia de definir alguém supostamente menos culto do que nós como incapaz de fazer política – o que acredito ser bem diferente da posição de Carla Mayumi no espetacular texto que publicamos ontem. Todos somos seres políticos e fazemos o que julgamos coerente dentro de nossas percepções e realidade.

Se uma pessoa pobre recebe benefícios e dizemos que ela é burra e está sendo manipulada, o que significa quando elegemos o candidato que será mais benéfico pra nós?  Nós somos imunes a manipulação e nossos benefícios são mais válidos?

Há espaço sim pra se incomodar com a falta de educação política – o que é meu maior desconforto, pessoalmente. Desde que isso não anule o outro.

Ir pra rua mexe com a gente de modos inesperados.

O bichinho da política me fisgou depois de ir pra rua em 2013. Aquilo lá foi uma coisa de outro mundo, difícil de digerir e colocar em palavras. E creio que o efeito vai atravessar gerações.

Ignorar as ruas e tratá-las com desdém é um erro, a meu ver.

Idolatrá-las e se fechar para críticas sobre como elas foram ocupadas, também é.

9. Vivemos um déficit de empatia

Parece programa tragicômico assistir pessoas defendendo a unhas e dentes seus partidos quando cada vez mais escuto, conversando com amigos entendidos do riscado político, que há grandes pontos de convergência entre os partidos.

Obama abordando o déficit de empatia em belo discurso

Parece existir um muro de concreto separando as pessoas. Mais fácil trocar murros do que escutar, "talvez você esteja certo mesmo", "hmmm... não tenho nem ideia", "poxa vida, não sabia disso, você mudou minha opinião".

10. Será útil aprendermos a fazer uma oposição mais sensata e generosa

Oposição não devia ser só em ano de eleição.

Deveria ser sustentada, permanente e, vou me arriscar aqui, mais paciente e generosa com o outro lado. Paciente pois movimentos políticos são demorados e quando seu partido estiver no poder, será bom contar com isso. Generosa pois reconhecer as conquistas e méritos de um líder que o desagrada tem um incrível poder de humanização. Ao humanizar, nos aproximamos. Mais próximos, podemos criar soluções conjuntas.

11. Que venha a alfabetização política!

Por vezes me sinto um semianalfabeto político. Só fui me interessar pelo tema em 2013. Não sei o nome de todos os ministros, não sei o que faz exatamente no dia a dia um presidente, um governador, um senador.

Esqueci como funciona o quociente eleitoral e quais seriam os passos essenciais para uma Reforma Política decente. Sabia disso após me informar em 2013 e 2014. Como me afastei do tema, a mente deixou escapar esses entendimentos.

Diante de meu escasso conhecimento, sei que o mais ingênuo e ineficaz seria adotar posturas intransigentes, discurso de ódio, comprar falas simplistas e, por fim, não reconhecer a imensa complexidade estrutural e sociológica de nosso ecossistema político.

À partir daí, que considero bases de bom senso, vou navegando.

Ou seja, careço de formação, estudo e prática constante.

* * *

Hoje me vejo opositor à Dilma e sua permanência no poder. Posso mudar escutando as visões de vocês nos comentários. Torço muito pela punição exemplar de mais políticos corruptos e espero que isso tenha efeito nas gerações que estão chegando. Acho interessante um juiz ser tão aclamado, isso também pode inspirar pelo exemplo.

Minha única certeza é apoiar a educação política de longo prazo e a empatia e não-violência como caminhos certos pra um avanço mais rápido, seja qual for nossa direção.

Cravo que teria prazer em pagar os R$14,90 que invisto todo mês no Spotify pra ser assinante de uma "Escola de Política", que me ajudasse a entender e interpretar o que acontece, de modo apartidário. 

Sugiro conhecerem o Politize!, um site com a proposta de "educação política sem complicação" e também o Nexo, um recente jornal online com a proposta de um jornalismo equilibrado e explicativo (a seção política deles é especialmente boa, a meu ver). E por favor, me recomendem mais veículos e recursos que acompanham e apreciam. 

Por fim, fecho com um músico solitário com o qual cruzei na volta pra casa:

 

Tem lá seus desafinos, mas me tocou. Um abraço a todos, seguimos nos comentários.


Para se aprofundar:

 


publicado em 15 de Março de 2016, 02:19
File

Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura