Acordamos com a fatídica notícia. Cada um de nós acessou as redes, ligou os telefones e enviou SMS preocupados, seja pra contar a notícia a quem ainda não sabia ou pra conferir se as pessoas queridas que descobriam as terras europeias naquele momento estavam bem e vivas.

Pra um alguém qualquer como nós, que se dedica a atividades profissionais diversas e tem afazeres diários que não somem mediante bombas explodindo, pode ser incrivelmente difícil entender o que está acontecendo.

Lemos notícias aqui e ali que se restringem a fatos datados. Pelo passo rápido e complexidade histórica da coisa, fica cada vez mais raro achar reportagens ponta-a-ponta sobre o assunto justamente pela dificuldade em fazê-las  – o esforço e gasto de pesquisa, o perigo de estar in loco, a dificuldade de redigir de forma abrangente.

Ainda assim, acham-se alguns tesouros que embasam discussões e valem o tempo. Desses que esmiúçam o assunto com a generosidade de quem oferece sem pedir em troca. É o caso da reportagem em vídeo produzida pela Vox: 6 minutos para contar a história do ISIS.

Pra entender um pouco do que já aconteceu e nos trouxe até aqui e também tornar essa informação mais acessível pra quem prefere a língua portuguesa, traduzi parte essencial desse conteúdo em pontos específicos que dão conta de contextualizar o surgimento e atuação da organização terrorista mais violenta que conhecemos. Pra quem conseguir entender bem a narração em passo rápido na língua inglesa mesmo, sugiro conferir o canal da Vox, que tem ainda outros vídeos sobre conflitos como Israel-Palestina e Guerra da Síria.

Voilà na tradução e espero a conversa rolar nos comentários.

1979 

A história de formação do ISIS começa antes mesmo de  ter esse nome, quando a União Soviética invade o Afeganistão para defender seu ditador e lutar contra rebeldes. É aí que os Mujahideen, homens do Oriente Médio, se juntam aos rebeldes, fazendo desse embate uma luta religiosa extremista. Entre eles estavam Osama Bin Laden e Abu Musab Al-Zarqawi, que viriam a liderar Al-Qaeda e ISIS, e que não se davam nem um pouco bem.

1989 

As tropas sovietes retiram-se do Afeganistão e ambos os líderes retornam para o Oriente Médio. Bin Laden dá continuação ao crecimento da Al-Qaeda para lutar contra os inimigos do Islã e Zarqawi tenta fazer o mesmo com seu próprio grupo, mas não ganha poder.

1996

Os dois voltam ao Afeganistão, agora governado pelo Talibã, movimento nacionalista islâmico.

2001

Al-Qaeda ataca estadunidenses no desastre das Torres Gêmeas. Quando os  Estados Unidos invadem o Afeganistão, Bin Laden foge para o Paquistão e Zarqawi vai para o Iraque.

Foram 2996 mortos, incluindo 19 terroristas

2003

O ISIS vê oportunidade de luta quando os Estados Unidos invadem o Iraque e o ditador do país, Saddam Hussein, chama seu exército para uma insurgência sunita. Grupos jihadistas de todo o Oriente Médio interpretam a investida estadunidense como uma repetição da invasão soviete do Afeganistão e se juntam à guerra. Zarqawi entre eles.

2004

Logo o conflito se torna interno e o grupo sunita liderado por Zarqawi começa a atacar outro grupo do islã, Shia, estabelecendo uma guerra civil, e o líder é tão poderoso que Al-Qaeda quer juntar-se ao seu grupo, formando Al-Qaeda no Iraque (AQI).

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2006

Sunitas iraquianos se viram contra Zarqawi e os EUA o matam e, pelos próximos anos, a Al-Qaeda é largamente combatida no Iraque.

2011

EUA retiram suas tropas do Iraque, que parecia finalmente estável, ao mesmo tempo em que a Primavera Árabe se espalha pelo Oriente Médio. Na Síria, o ditador Bashar al-Assad reprime os manifestantes de forma violenta e esses lutam de volta, entrando em guerra civil. Assad, temendo intervenção ocidental em suas terras, infiltra entre os manifestantes outros jihadistas, tornando difícil a distinção entre rebeldes da primavera árabe e exército jihadista, chamados todos rebeldes.

No Iraque, o que ainda resta do AQI continua alinhado com a Al-Qaeda, agora conhecida como o Estado Islâmico do Iraque (ISI), liderado por Abu Bakr al-Baghdadi.

A Primavera Árabe teve início em dezembro de 2010 na Tunísia e no Egito

2012

Baghdadi manda um de seus líderes à Síria para começar uma nova filial da Al-Qaeda lá para lutar junto aos rebeldes, libertando também prisioneiros jihadistas para irem guerrear.

2013

Baghdadi anuncia que vai tomar controle sobre todas as forças da Al-Qaeda na Síria e também no Iraque e seu grupo expande, tornando-se o Estado Islâmico do Iraque na Síria (ISIS). Mas o controle é rejeitado pelas lideranças da Al-Qaeda.

2014

A resistência ao controle da Al-Qaeda por Baghdadi leva os dois grupos à guerra Al-Qaeda x ISIS. Enquanto isso, o último grupo cresce vigorosamente, em parte porque Assad tolera sua ascensão na Síria, já que isso muda o foco internacional para o ISIS e sua ditadura no país toma menos importância. Em junho, essa organização terrorista já formou um exército, que invade um Iraque enfraquecido pela corrupção, dominação Shia e autoritarismo de seu governo e que acaba tolerando sua presença.

A meta do ISIS é muito maior do que imaginada pela Al-Qaeda: retomar o antigo califado e expandí-lo para alcançar todos os muçulmanos no mundo, acreditando que então virá o apocalipse, como prometido nas escrituras.

Em agosto, a organização invade territórios curdos no Iraque e na Síria, provocando contra-ataques de forças curdas melhores organizadas e preparadas que eles próprios. Isso dá início a um genocídio. Os EUA, então, intervém com suas forças aéreas. ISIS acaba por perder um quinto de seus territórios.

2015

Por vingança, a organização terrorista começa a provocar ataques terroristas por todo o mundo: Tunísia, Kuwait, Paris.

2016

Eventualmente, com os contra-ataques, ISIS vai perder seus territórios e força de estado, mas vai voltar a ser o que era antes: uma organização insurgente e terrorista, ainda capaz de espalhar a violência, como era a Al-Qaeda há alguns anos. Dessa forma, ele pode continuar existindo por um bom tempo.

Para ler mais sobre o Estado Islâmico

A Síria e o intitulado Estado Islâmico (ISIS): guia do que está acontecendo

Quer entender como funciona o ISIS? Então leia este post

Qual a receita para derrotar o ISIS em cada país?

Por que derrotas do ISIS no Iraque e na Síria podem causar mais atentados?

Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.