O intitulado Estado Islâmico não é um Estado de fato e não pode ser confundido como único norte para uma religião de tantas vertentes* como o islamismo. É muito importante eu começar este texto dessa forma para que não haja confusão de informações.
Não há um país ou território desse grupo para ser tido como Estado – “forma organizada de um povo, que mora no mesmo território e obedece às mesmas leis”, segundo o Dicionário Criativo – e fica sob um caminho específico do islamismo sunita, o whahhabismo*.
Nos últimos dias, com a potência e velocidade dos acontecimentos trágicos de Paris, os olhos do mundo se voltaram, outra vez, para o ISIS, Estado Islâmico do Iraque e Levante, organização terrorista que tem bases no Oriente médio.
Cabe, em meio a tanta informação, começarmos do começo.
Abaixo, um vídeo incrível que explica, antes de mais nada, porque a Síria é a Síria de hoje. Vale muito a pena os minutos imersos nele:
Link YouTube | Há legenda em português. Caso dê algum problema, clique no link e veja direto no YouTube. Pode crer que vai valer muito
Sobre o auto-proclamado Estado Islâmico
Abaixo, segue informações didáticas do jornalista do Estadão e da Globo News, Gustavo Chacra, mestre em relações internacionais pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. É a pessoa que mais confio nas informações quando se trata de tensões e conflitos do Oriente Médio. Claro e sensato, temos aqui um guia sobre o ISIS, publicado em seu blog hoje:
Onde está o ISIS?
O ISIS, responsável pelos recentes ataques terroristas em Paris, Beirute e contra um avião russo nos céus egípcios, domina hoje porções do território sírio e do iraquiano. No caso da Síria, esta organização também conhecida como Grupo Estado Islâmico ou Daesh, se concentra principalmente perto da fronteira do Iraque e tem como capital Raqaa, que não estava entre as dez maiores cidades sírias antes da guerra.
No Iraque, o grupo controla as regiões majoritariamente sunitas do país, incluindo Mossul, a segunda maior cidade iraquiana. Há também grupos inspirados pelo ISIS atuando na Líbia, no Yemen, no Afeganistão e no Sinai (Egito) e células em dezenas de países ao redor do mundo.
Como está a Guerra contra o ISIS?
O grupo parou de avançar no Iraque e na Síria. Mas não tem perdido muito território. Basicamente, perdeu o fôlego do ano passado, mas isso foi insuficiente para derrotá-lo. Há algumas derrotas pontuais, como em Sinjar, mas esta cidade iraquiana não é estratégica, tendo somente uma importância simbólica para a religião Yazidi.
E há duas coalizões lutando contra o ISIS – uma comandada pelos EUA e outra pela Rússia e pelo Irã. A maior parte das pessoas em terra que lutam contra o ISIS é formada por muçulmanos. E as maiores vítimas do grupo também são muçulmanas.
E como o ISIS mudou nas últimas semanas?
Até pouco tempo atrás, o ISIS concentrava as suas ações na Síria e no Iraque. Lobos solitários inspirados pelo grupo cometiam atentados de pequenas proporções em outras partes do mundo. Mas, nas últimas semanas, o grupo passou a agir como a Al Qaeda de uma década atrás, realizando mega atentados, como a explosão do avião russo no Sinai, os dois suicidas em Beirute e os múltiplos ataques em Paris.
Como o ISIS surgiu?
O ISIS é derivado da Al Qaeda no Iraque, uma organização que surgiu durante a invasão americana para derrubar Saddam Hussein. Há cerca de cinco anos, estava bem enfraquecida, depois do surge americano e da parceria das forças americanas com tribos sunitas.
Mas o grupo aproveitou o caos da Guerra da Síria para se reerguer no país vizinho, lutando contra o regime de Bashar al Assad. No caso, entrou em choque com o comando central da Al Qaeda, que considerava a Frente Nusrah sua representante na Síria.
O Grupo adotou então o nome de Estado Islâmico no Iraque e na Síria e, posteriormente, Estado Islâmico. Daesh é a sigla em árabe; ISIS, em inglês.
Quem está por trás do ISIS?
Hoje, não há nenhuma nação que apoie o ISIS. Mas, no começo, alguns serviços de inteligência de países árabes no Golfo ajudaram indiretamente esta organização para lutar contra Assad. Mas perderam o controle.
Quem são os membros do ISIS?
Há pessoas de múltiplas nacionalidades. Seus membros vêm da França, da Tchetchênia, da Líbia, do Afeganistão e de outras dezenas de países. Claro, há sírios e iraquianos.
No caso dos iraquianos, há uma curiosidade. Alguns dos líderes são antigos membros do regime de Saddam Hussein, que lutavam justamente contra o radicalismo islâmico, mas se radicalizaram ao serem colocados em prisões junto com jihadistas.
Como o ISIS se sustenta?
O ISIS se sustenta por meio da extorsão, cobrando impostos nas áreas que controla; do roubo, ao controlar todo o dinheiro vivo de bancos de cidades que tomou, como Mossul; de petróleo, contrabandeado para países na área; e do tráfico de armas
Quem são os aliados do ISIS?
O ISIS não tem aliados.
Quem são os inimigos do ISIS?
Os maiores inimigos do ISIS são o regime de Bashar al Assad, os xiitas do Iraque, incluindo o governo em Bagdá, os curdos, o Irã, o Hezbollah, a Rússia e alguns países ocidentais, como os EUA e a França. Mas os países árabes são também vistos como adversários, assim como a Al Qaeda e grupos rebeldes opositores sírios.
Algumas nações como a Arábia Saudita e a Turquia também são inimigas, mas possuem uma relação mais ambígua com a organização.
Qual a ideologia por trás do ISIS?
O ISIS é um grupo jihadista que segue a vertente wahabbita do islamismo, difundida pela Arábia Saudita, embora os sauditas sejam, oficialmente inimigos deles. A Al Qaeda, o Taleban, o Boko Haram e o Al Shabab também seguem a vertente wahabbita.
Noto que os wahabbitas não são majoritários entre os muçulmanos, sendo historicamente concentrados ao redor de Riad. São apenas um dos braços do islamismo sunita – há outros bem moderados e há também muçulmanos que não são sunitas, como os xiitas. E também não são todos wahabbitas que são jihadistas. Longe disso. Mas uma parte deles se torna jihadista e este movimento é crescente.
Esta distinção é importante, para não haver generalizações que contribuem para equívocos como dizer que todo muçulmano é terrorista. Vou me aprofundar mais nisso em outro post.
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Quem tiver mais links com boas fontes e falas interessantes, coloca aqui embaixo pra gente ter um repositório saudável sobre o tema.
*trechos atualizados para melhor entendimento do texto.
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