No início foi um papo.

Em Julho do ano passado, sabendo do meu interesse por pimentas, conservas, in natura e processadas em geral, um amigo de Recife me atiçou a curiosidade ao falar de uma receita encontrada em um periódico antigo. Ela usava uma pimenta chamada Cumari do Pará. Guardei na memória e fiz um teste poucos meses depois de voltar a São Paulo.  O resultado foi surpreendente.

Cumari do Pará

Havia feito algo muito diferente de tudo o que eu conhecia. Um mosto escuro, processado com vinagre balsâmico e manga(?), foi o resultado deste molho harmônico entre o picante e o doce. Uma receita que podia passar de simples, mas que dava certo trabalho. Mostrei para os chegados e alguns palavrões foram emitidos. Fiquei lisonjeado por ter extraído deles uma série de léxicos tão impressionados e dormi satisfeito.

A primeira remessa já tinha se espalhado pelas ruas do bairro de Santa Cecília(gratidão eterna as amigas do Tabuleiro do Acarajé) e fui aos mercados procurar mais Cumari e fazer mais frascos (o primeiro era bojudo, pequeno e com tampa de rolha. Guardo um em casa, de estimação). Mas cadê a Cumari nessa cidade? “Não está na época”, “semana que vem chega”, “é essa seca, meu amigo”. Tive que ceder, a Cumari não é pimenta fácil de achar (mesmo em Recife, constatei). Procurando alternativas dentre as disponíveis nos mercados, descubro uma variedade enorme de pimentas e, dentre todas, ela: a pimenta Fidalga. 

Fidalga

Quando decidi entrar no universo desse tempero, foi da forma mais difícil e mais gostosa. Provando. Habanero laranja, Chocolate, Vermelha, Bode, Arriba Saia, Dedo de Moça vermelha, Amarela, Aji Amarillo, Rocoto (Locoto para alguns sul-americanos), Húngaras, Olho de Peixe, Coração de Boi, Jolokia e lá vai fogo. Saía dos mercados mastigando uma Jalapeño, um pimenteiro (um dos mais conhecidos atende por Santo) me oferecia um pedaço de Trinidad Scorpion e eu chegava em casa sem sentir os lábios. Soluçava de emoção. Porque quando se come uma pimenta muito intensa, todo o seu corpo reage. Os olhos lacrimejam, a cabeça esquenta, os braços começam a suar, o nariz escorre, a boca verte rios de saliva, e algumas delas conseguem até confundir as papilas gustativas, passando por doce algo amargo. Algumas até dão barato (depois da dor extrema, claro. Nada vem de graça). E depois de todo esse calvário infernal, você quer provar mais uma vez.

Mas é possível criar tolerância a elas, avançar do estágio da dor para conseguir sentir o sabor da polpa de cada uma. A Aji Amarillo que o diga, uma das pimentas mais saborosas que já comi, sem precisar incinerar a língua. Mas dentre todas, foi a Fidalga que me pegou. Equilibrada, deliciosa sem deixar de ser ardente, de um amarelo vibrante, era ela a pimenta que eu precisava para aperfeiçoar aquela receita. Pensava eu à época.

Trinidad Scorpion

Queria me corrigir ao chamar a pimenta de tempero. Ela pode muito bem ser o prato principal de uma mesa, como o é dentro da cultura mexicana. Pegue algumas Jalapeños, tire a parte interna delas e preencha com alguma carne moída ou pasta de atum e leve ao forno. Melhor que muito tomate recheado por aí, devo dizer. O ardor da pimenta deve vir aliado ao sabor, que pode ser do próprio fruto ou harmonizado com outros ingredientes. 

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Como fazer uma conversa honesta de pimentas:

Por isso que as conservas fazem tanto sucesso, também por não serem difíceis de fazer. Para o leitor curioso, percorra os mercados da sua cidade e procure pelo menos três tipos de pimenta: 

  • Cumari verde; 
  • Pimenta de cheiro (que pode ser de tamanhos e cor diferentes, mas geralmente é rosa e redonda); 
  • Dedo de moça (a mais comum, vermelha e pontuda. Se não achar, a malagueta serve muito bem). 

Você vai precisar de alho e algumas ervas (alecrim e sálvia de preferência). Todos os ingredientes precisarão estar bem lavados e as pimentas sem os talos. 

Em um pote de tampa larga, disponha da seguinte forma: Cumari, alho, Sálvia ou Alecrim, Dedo de moça e Pimenta de Cheiro. Encha o pote até quase a boca e depois preencha tudo com azeite (extra-virgem!) e, se quiser, duas colheres de sopa de cachaça. 

Tampe e, só depois de uma semana (no mínimo), o azeite já soltará o aroma das ervas, mas estará pouco picante. Quanto mais tempo essa conserva permanecer assim, melhor ficará. 

A P de Pimentas

Ainda em 2014, setembro seguia e eu me vi cercado delas em casa. A produção aumentava e resolvi levar a sério a empreitada. Finquei o pé em Santa Cecília, pensando a todo momento em como apresentar e evoluir o produto e a marca. As receitas, hoje distantes daquela na qual me baseei, seguem na proposta de aliar o ardor com a doçura e o aroma, sempre explorando o sabor puro que cada pimenta proporciona. 

Aconselho misturar pimentas quando for fazer conservas, mas processá-las de forma errada pode não surtir o mesmo efeito. Acredite. Para conseguir acertar as receitas que tenho hoje, errei muitas vezes antes.

De um entusiasta que fazia conservas com sua família em Pernambuco, em São Paulo elas viraram um trabalho feito também com muito entusiasmo e boa vontade. Hoje você pode encontrá-las no Facebook e no Instagram. Faço encomendas para todo o Brasil por meio destas redes sociais e pelo nosso querido Whatsapp e restaurantes paulistas como a Comedoria Gonzales, no Mercado de Pinheiros, e a Holy Burger, em Santa Cecília, seguem juntos apostando nas variedades de molhos que faço, sempre experimentando novas receitas. 

O nome? Veio num estalo: P de Pimentas. P de Pedro? Egolombra? Não exatamente, mas vá lá. 

Funciona. Casou. E eu casei com a ideia.

Pedro Reis

Mestrando em Teoria Literária pela USP e escritor, entrou no universo paralelo das pimentas em setembro de 2014, resgatando o gosto que tinha em trabalhar com elas no nordeste. É dono da P de Pimentas.