Se eu tivesse que descrever, pra alguém, o que aprendi desde que soube que ia ser pai, sairia algo mais ou menos assim:
Ser pai não é uma meta ou um prêmio. É uma oportunidade que o destino está oferecendo. Quando descobri que ia ser pai, logo pensei nos meus. Comecei a vê-los de uma forma que nunca tinha visto antes. Percebi o quanto são humanos e como se esforçaram e suaram para dar uma boa educação e uma infância gostosa para mim e meus irmãos. Enxerguei como eu criei expectativas absurdas e cobrei coerências inatingíveis achando que eu já sabia tudo o que precisava saber no primário. Entendi que meus pais também tiveram medo e alegrias quando engravidaram e que, se eu fiquei nervoso e sem chão, o mesmo deve ter acontecido com eles.
Entendi que meu pai não recebeu um manual de instruções e minha mãe não fez um curso de culinária pra fazer a melhor comida do mundo. Eles tiveram uma vida antes de mim, que eu nem sequer imagino, e foram aprendendo e errando no caminho. Um dia a nossa comida também será a referência de melhor gastronomia do mundo. Nossa casa também será a referência que meu filho usará pra descrever um lar. Ser pai talvez seja criar um ambiente onde isso possa acontecer pra que, quando nossos filhos crescerem, possam relembrar de tudo com alegria e certa nostalgia.
Percebi que a natureza é muito inteligente em dar 9 meses pra gente se acostumar com a ideia de ter um hóspede eterno em casa. A gente começa arrumando o quarto, depois a casa e quando vê já arrumou a vida inteira pra receber o ilustre desconhecido. Todo pai tem um momento em que percebe que o tempo corre demais nesses meses de gravidez. Alguns se empenham nos esportes, outros aproveitam pra fazer um ‘banco de sono’ e eu fui para um retiro cuidar da minha mente.
Ser pai é ver sua companheira mudar intensamente e ir mudando junto, aprendendo, lendo, acompanhando, perguntando e estabilizando sua energia, para poder dar um abraço apertado e acolhedor quando os medos e ansiedades dela aparecerem. É entender que as flutuações hormonais das TPMs são só um pequeno ensaio do que vem pela frente. É mudar para sempre a forma de enxergar uma mulher. É saber que sua vida nunca mais será a mesma e, ainda assim, seguir curioso sobre o que o futuro reserva.
Pai é parir junto quando chegar a hora, é nascer junto com o filho, é estar tão envolvido com o processo inteiro que o parto chega e explode em alegria e emoção e faz perder o sono na primeira noite, de tão intenso que foi. Ser pai é ir do êxtase do parto para o medo do futuro, em questão de minutos, quando você finalmente se vê sozinho tendo que cuidar de uma família. É prender a respiração quando segurar a criança pela primeira vez e, em menos de um mês, já saber trocar uma fralda com a habilidade de uma avó.
Ser pai é trabalhar nos bastidores. É se esforçar, como um contrarregra, para que a casa e o ambiente estejam em ordem e nada interfira na relação mãe-bebê. É deixar os problemas e picuinhas do lado de fora e trazer alegria e novidades para uma casa cansada de cuidar da criança o dia inteiro. É saber que o de um bebê é lento, monótono e muito repetitivo – ele não vai te dar nem um ‘obrigado’ depois de um dia cansativo –, e, por isso mesmo, saber que é preciso sustentar a sua energia sem precisar ‘sugar’ isso de fora com baladas, viagens, esportes ou jantares.
Ser pai é ter seu auto-centramento escancarado de forma intensa e constante. Não dá pra pensar em si mesmo, agir com base nas suas próprias vontades, nojos, apegos e ansiedades, quando o bebê estiver chorando e precisar do pai ali, agora. Você precisa esquecer sua agenda, os seus compromissos, as suas vontades, a sua rotina, e fazer de tudo para que a rotina do bebê não mude. Rotina traz segurança e tranquilidade para um serzinho que ainda não entende bem este mundo.
Ser pai é descobrir a liberdade escondida entre os choros e as fraldas. É tirar de lá um ânimo e motivação para seguir melhorando como pessoa e exemplo. É ter suas certezas destruídas, uma por uma, porque criança não segue essas leis de gente grande. É perceber como um bebê é autêntico, se entregando inteiro quando gosta da situação e reclamando se ficar descontente – ao contrário de nós, adultos, que sempre ficamos preocupados com as opiniões alheias.
A paternidade, como qualquer mudança, é um turbilhão de receios e desafios, mas, se estivermos dispostos, atentos, alegres e olharmos o quadro de fora, vamos perceber que estamos presenciando algo incrível e que essa é uma ótima oportunidade de nos tornarmos leves e abertos pros detalhes escondidos nos cantinhos da vida.
Sobre a série colaborativa “Mundo interno”
Junto com as pessoas que participam do lugar e também com qualquer leitor ou leitora do PdH que quiser colaborar, vamos publicar alguns textos com essa motivação de mapear e ganhar clareza sobre nossos mundos internos.
A ideia é descrever em primeira pessoa, iluminando por dentro, processos que normalmente são abordados de modo exteriorizado. Será um exercício de introspecção e também de linguagens mais precisas, estimulado empatia e conversas mais profundas sobre qualidades, obstáculos e dinâmicas presentes na maioria de nossas experiências.
Em vez de testar mais um método de mudanças de hábitos e comportamentos, como posso trabalhar diretamente com os processos sutis de distração, torpor e ansiedade? Se lá fora vejo qualquer que seja o fenômeno, o que vejo quando olho para dentro? Qual o mundo interno de uma empresa, de uma música, de um show? De uma avenida congestionada? De um site como o Facebook ou o PapodeHomem? Quando aparentemente estamos aqui ou ali, onde estamos de verdade?
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