"Qual é o critério para mudar um critério? O critério para mudar um critério é a heurística."

Em junho passado convidamos Eduardo Pinheiro para ir a São Paulo conduzir um encontro do lugar sobre como desenvolver critérios melhores para navegar na vasta quantidade de informações e visões de mundo com que topamos todo dia. E aproveitamos a presença dele pra puxar um bate-papo e fazer perguntas sobre temas como debate, lógica, ironia, perda de tempo, critérios e eixos para a vida, gerenciamento de ignorância, economia de atenção, meditação, alucinógenos, a importância de ter bons professores e referenciais, entre outras coisas.

A Luiza teve a generosidade de nos receber na sua casa pra essa conversa, nos acompanhar atentamente por quase três horas, registrar tudo e editar mais um vídeo para a série "O que aprendi", que agora compartilhamos com vocês por aqui.

Em tempo, fui eu quem fiz a decupagem das falas — e não foi fácil… –, então já peço desculpas adiantadas a vocês e ao Pinheiro se calhou de faltar um pouco de coerência em algum lugar. De toda forma, acho que ganhamos um belo vídeo, daqueles pra parar e assistir sem pressa:

Índice para ir direto a alguns temas:

Algumas falas

Sobre diálogo e debate:

"As pessoas são muito mais profundas do que a gente consegue tocar."

"Qualquer conversa entre duas pessoas no fundo são duas pessoas gemendo uma para a outra. A partir do momento em que você está tentando entender o gemido do outro e tentando mudar sua posição, isso é compaixão. […] Se você por acaso estiver certo e o outro aceitar sua ideia certa, é vitória para os dois."

"Se a pessoas querem usufruir de sua humanidade, elas tem de saber falar de um ponto de vista não puramente emocional, não puramente reativo. Elas tem de saber trazer ideias, colocar em pauta e depurar com outra pessoa."

"Aqui no Brasil a gente não tem uma tradição de debate. Nos Estados Unidos, por exemplo, eles têm clubes de debate. Inclusive acho que faz parte da nossa tradição de Direito, da lei, da gente não ter essa retórica tão desenvolvida. As pessoas chegam lá, falam complicado e não parece que adiantam argumentos efetivamente, elas derrubam o outro só no 'legalês', vamos dizer assim. […] Na universidade [brasileira] a gente raramente vê [um bom debate]. O professor responde de uma forma que não admite um bate-volta. Cada um fica entrincheirado em sua posição, um amando o outro, um odiando o outro, e não tem uma troca."

"Cooptação: reduzir o outro a você. Isso existe na religião, existe na política… Você não dá alteridade para o outro. Você não permite que o outro respire dentro das opções dele. 'O que você está dizendo é, no fundo, no fundo, exatamente o que eu estou dizendo.' Isso é uma violência."

"O que eu chamo de anti-essencialismo é esse posicionamento mais isento. Você não se atira para um lado ou para o outro. Num sentido último, quando você não tem mais nenhum tipo de inclinação, você só reage ao que vem, você não põe nada seu ali. Você não está defendendo nenhuma posição particular, você está só mostrando para o outro o quanto ele está equivocado (se ele está equivocado). Você está só depurando as ideias do outro. Às vezes ele pode até estar certo, mas por motivos errados ou com uma justificação fraca. Se você pegar a certeza dele e começar a cutucar, ele vai fortalecer aquelas ideias positivas. É engraçado porque se alguém olha de fora pode parecer que essa pessoa não tem ideia nenhuma, não tem ideia própria. Não. Ela está livre de se fixar. Ela pode carregar uma ideologia para lá, uma ideologia para cá, mas ela está livre de tomar isso como uma coisa absoluta, e ela ajuda os outros a não tomarem aquilo como absoluto."

Sobre ironia:

"A gente está cheio de ironia, mas não tem ironia de boa qualidade. É só uma associação por estética. Ela vê uma celebridade, daí ela se comporta como a celebridade. Mas como esse se comportar como uma celebridade é muito óbvio, ela se comporta ironicamente como uma celebridade. E daí a celebridade se comporta ironicamente e a pessoa se comporta em referência a uma… E quando vê não tem nada, só tem uma associação com ícones vazios, que não conectam a pessoa com nada — a não ser com marcas, com pessoas longe, ideias alienígenas, de outra cultura, sem nada a ver com a realidade da pessoa. Essa ironia que vemos por aí tem a ver com participar de um grupo que se acha esperto."

"O problema do debate é que às vezes ele é um pouco condescendente: se você debate de uma forma muito direta, você acaba diminuindo o outro, como se ele não pudesse chegar lá por ele mesmo. Se você debate de forma indireta, que é a ironia, você está apontando mas não dizendo com todas as letras. Aí ele chega por ele mesmo e tem a vitória dele. Esse é o aspecto positivo da ironia. Mas isso é muito mais raro."

Sobre pensar até o fim:

"Se você entendeu e não consegue explicar, você não entendeu, meu amigo."

"Você não pensou sobre a morte direito, você não levou a sério as implicações que isso tem. Uma das implicações de pensar sobre a própria morte é que você não pode perder tempo, sua vida é curta. Se você está perdendo tempo, você está traindo seu conhecimento sobre a sua morte. Ou você não tem esse conhecimento e você deveria obter esse conhecimento. A morte é uma das coisas que a gente não pensa até o fim.

Sobre eixo e critérios na vida:

"Quando eu conheci os exemplos do budismo, pessoalmente, uma das primeiras coisas que me impressionou foi a própria postura física: não é muito comum gente assim. Achei que eu queria aquilo para mim. Esse é o tipo de eixo que acho que se forma, daí a pessoa tem um critério: eu quero ser como essas pessoas. Isso é bem prático. A pessoa não precisa ir doutrinalmente, ir no texto para ver como é o budismo. Não, você examina a pessoa por um tempo, convive com ela um tempo e veja se ela se comporta de um jeito que você acha que seria bom você mesmo ser assim. E ela tem um método, ela não chegou aleatoriamente nessa posição, ela aplicou coisas para chegar lá. Então você pode tentar obter as mesmas qualidades. Então acho que isso é o que é importante, o eixo: encontrar um bom exemplo."

Sobre auto-engano:

"A pessoa tem a capacidade infinita de se ludibriar. Ela tem de confiar que tem uma honestidade básica lá no fundo, porque se ela for confiar em qualquer outro aspecto da mente dela, que vai desenvolver alguma ideia, alguma coisa assim, no fim ela pode estar se enganando."

Sobre economia da atenção:

"O que a publicidade está fazendo é te roubar um instante de consciência. Este instante de consciência é seu? Não, você deu para uma empresa."

"O sistema se configurou de tal forma que as empresas disputam nossa atenção."
"O que a publicidade faz? Como um traficante de drogas, ela lida com a nossa acrasia. Ela vai lá cutucar onde a gente acha que está frágil, onde a gente acha que está agindo por liberdade, mas não está."

Eduardo Pinheiro

eduardopinheiro

Diletante é como chamam a uma pessoa que nutre um grande interesse por alguma coisa (geralmente uma atividade artística), mas que não tem um comprometimento formal ou profissional com isso. Às vezes a palavra tem uma conotação um pouco ruim, sugerindo que o diletante trata de seus interesses sem responsabilidade ou maturidade suficiente, de um jeito meio superficial.

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Eduardo Pinheiro às vezes se descreve como diletante, mas eu pessoalmente acho que o título não lhe cabe muito bem, uma vez que o vejo sendo sempre tendo muitíssimo cuidado e critério com o o conteúdo que manuseia, e também sendo nada superficial. Mesmo assim, a ironia até que cai bem aqui 😉

O Pinheiro é conhecido dos leitores do PapodeHomem pela sua coluna "WTF", pelo podcast Atrás do Front (que apresenta junto com Eduardo Fernandes) e pelo site tzal.org. Faz uns anos que o acompanho e que aprendo bastante com as coisas que fala e escreve, com as referências inteligentes e debates desafiadores que sempre está oferecendo por aí. Recomendo.

Convido o Pinheiro e todo mundo pra seguir a conversa aqui nos comentários e, para quem quiser algo mais aprofundado a longo prazo, dentro do lugar.

Fábio Rodrigues

<a>Artista visual</a>