Uma contemplação para testarmos da próxima vez que estivermos dirigindo
Todo dia, em todo lugar, todos nós que nos movemos de um lado para o outro queremos uma só coisa: chegar ao nosso destino da forma mais fácil, tranquila e feliz possível.
O trânsito é um simulacro das nossas vidas. Ele está em todos os países e dias da semana, afeta pessoas de todas as cores, credos e classes. A busca pelo caminho de menor sofrimento afeta a todos e nos faz ficar pensando o que nos faria chegar mais rápido e no tempo certo.
Às vezes apostamos numa mudança de faixa, afinal a faixa ao lado sempre anda mais rápido. Mas é só mudarmos pra esta faixa que aquela começa a andar e parecer melhor. Às vezes apostamos num desvio ou caminho diferente pra descobrir, lá na frente, que este novo caminho também tem muitos semáforos e carros. Às vezes apostamos num jeito diferente de chegar ao destino, indo de bicicleta ou à pé. Mas isso não impede que a gente também sofra os efeitos da aglomeração de carros e pessoas à nossa volta.
Quem está dentro do carro, vê todos os outros automóveis como potenciais oponentes à sua busca. Uma freada ou cortada de alguém é motivo de xingamentos inomináveis de ambos os lados — afinal o outro só pode estar querendo atrapalhar o percurso. A gente nem vê os pedestres ou ciclistas, de tão fechados que ficamos. Nos colocamos no trânsito e vamos guiados por nossos impulsos, e no fim parece que estamos num jogo sem metas claras, onde cada um de nós é o único jogador.
Entre uma esquina e outra, ligamos o rádio, mexemos no celular ou ruminamos situações passadas em busca de algum entretenimento, escape ou apenas pra alimentar uma fantasia de controle — já que todo o caos à nossa volta é incontrolável.
Se chegamos ao destino final de manhã, sempre haverá o trânsito da noite. Se esquecemos do congestionamento da noite tomando uma gelada, a mesma rotina já nos espera implacável no dia seguinte. Desse jeito não temos opção viável.
E bem naquele dia quando estamos a ponto de ganhar o jogo, uma freada brusca, um som alto e uma batida nos lembram de que nada dura muito.
Desde o carro até o trânsito, tudo vai operando, como um software, um jogo jogado por cada um. Assim como são, também, os nossos relacionamentos, nossa carreira, nossos orgulhos, nossa vida.
Talvez o melhor seria não estarmos tão fixados em nossas próprias ideias sobre como, onde e quando deveríamos chegar — se nossa felicidade não depende disso, não vamos sofrer por causa do trânsito.
…
Sobre a série colaborativa “Mundo interno”
Junto com as pessoas que participam do lugar e também com qualquer leitor ou leitora do PdH que quiser colaborar, vamos publicar alguns textos com essa motivação de mapear e ganhar clareza sobre nossos mundos internos.
A ideia é descrever em primeira pessoa, iluminando por dentro, processos que normalmente são abordados de modo exteriorizado. Será um exercício de introspecção e também de linguagens mais precisas, estimulado empatia e conversas mais profundas.
Em vez de testar mais um método de produtividade, como posso trabalhar diretamente com os processos sutis de distração, torpor e ansiedade? Se lá fora vejo qualquer que seja o fenômeno, o que vejo quando olho para dentro? Qual o mundo interno de uma empresa? De uma avenida congestionada? De um site como o Facebook ou o PapodeHomem? Quando aparentemente estamos aqui ou ali, onde estamos de verdade?
Para receber os próximos textos, cadastre-se no informativo do lugar:
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.