No início de setembro fui internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, por causa de um pneumotórax espontâneo. Após ter alta, voltei para Joinville, onde moro, e dois dias depois fui novamente internado no Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, com o mesmo problema. Foram 27 dias hospitalizado, três drenagens torácicas e uma pleurodese cirúrgica.

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Enfermaria de Clínica Médica de Emergência, 05º andar. A sigla é 05DS. O pessoal conhece como "PS5º".

O Lucas explicou, depois, onde eu estava. Havia mais três pessoas no quarto, todos sempre meio torpentes ou dormindo (talvez afetados pelos remédios ou pelo desengano) e ainda assim pedem pela TV, que fica ligada todo o tempo.

 

"Palmeiras perde para Atlético Mineiro. Pra ganhar a lua de mel dos sonhos, os casais precisam rebolar com a Eliana. Giovane quer ser o rei da casa, mas seus amigos não vão deixar. Anote o resultado da tele-sena de independência: mais de 50 mil pessoas vão ganhar. A torcedora que xingou o goleiro de macaco disse que não queria ofender. That's the way — uhum uhum — I like it."

É o quinto dia aqui e acho que entendo um pouco. O caixote de 14 polegadas pode bem ser a única janela para a vida que eles tem ou tiveram lá fora. A minha é escrever no celular.

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Meu problema é mecânico, descomplicado, tem nome de poesia, e meia dúzia de razões bobas me faz ter momentos de raiva ou depressão — não poder me mover, não ter a família por perto, ter dificuldade para urinar ou evacuar (efeitos da Morfina e Fentanila), ter ou saber que terei dor…

Isso que chamamos de sanidade é algo bem mais frágil do que gostamos de pensar. Bem mais. Difícil ver e admitir sem nos darmos alguma privação, uns retiros, umas internações, algo que o valha.

A morte vai ser um aperto.

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A equipe de enfermagem não é suficiente, às vezes não atendem aos chamados.

Uma pessoa tenta levar a comida à boca e mastigar, mas não consegue. Outra se levanta com dificuldade, pega a laranja na bandeja e atravessa o quarto mancando com lentidão, a corta em pedaços com a faca de plástico e alimenta, na boca, alguém que ainda não conhece e que não tem forças para agradecer. Tudo em silêncio, como se fosse de costume.

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As identidades também são débeis, não duram muito sem amparo e nutrição cuidadosa. Designer, latoeiro, professor, dono de bar, marido, filho de índia, jovem, branco, cabeludo, bêbado, velho, cada pertencimento e opinião sobre a vida fica irrelevante ao me assumir fragilizado, quando boto os pés no chão de uma condição humana mais fundamental e comum, de onde nunca devia tê-los arredado.

Vejo o óbvio na prática: nesse chão é possível conviver, ter amizade, afeição verdadeira por qualquer um.

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Lembrete para mim: neste mesmo momento há uma imensidão de seres gritando de dor. Há uma multidão morrendo só e em pânico. Agora, há seres sofrendo carência e insaciedade, acometidos por indolência, padecendo por ocupação, orgulho, competitividade, cada tipo existente ou possível de enviesamento e fabulação.

O sofrimento existe, esta é uma verdade.

Que a gente aproveite as ilhazinhas de respiro e mérito, porque elas não seguirão. Que a gente lembre. E depois, quanto tiver esquecido, é fácil de recapitular: basta ir um pouco mais longe que a cerca do quintal e pousar os olhos no primeiro que encontrar.

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O Daniel, em frente, contou que bebia muito e que fumou demais. Tem um câncer no esôfago, bem grande.

 

O cara é burro, né? Acha que não dá nada, que vive pra sempre…

O Seu Renato, ao lado, trabalhou por duas décadas com jateamento de areia. Tem uma doença pulmonar grave e agora luta também com uma pneumonia. Fala baixinho e ofega a cada frase.

 

Não sinto dor, não, filho… Só tenho uma canseira… Cansa muito…

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Não tem previsão de melhorar. Não consegue comer ou ir ao banheiro sozinho. Não consegue nada. E nunca reclama. Tão gentil, tão doce, quase infantil, tem jeito de um amigo querido e antigo. Dá vontade de chorar.

 

Trabalhei tanto, sabe…? Não tinha jeito… Se eu sair dessa, vou cuidar…. Não queria mais sofrer nessa vida, não… Ninguém queria mais, não é…?

Seu Renato sabe no coração. Ninguém queria mais.

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Sobre a série colaborativa "Mundo interno"

Junto com as pessoas que participam do lugar e também com qualquer leitor ou leitora do PdH que quiser colaborar, vamos publicar alguns textos com essa motivação de mapear e ganhar clareza sobre nossos mundos internos.

A ideia é descrever em primeira pessoa, iluminando por dentro, processos que normalmente são abordados de modo exteriorizado. Será um exercício de introspecção e também de linguagens mais precisas, estimulado empatia e conversas mais profundas.

Em vez de testar mais um método de produtividade, como posso trabalhar diretamente com os processos sutis de distração, torpor e ansiedade? Se lá fora vejo qualquer que seja o fenômeno, o que vejo quando olho para dentro? Qual o mundo interno de uma empresa? De uma avenida congestionada? De um site como o Facebook ou o PapodeHomem? Quando aparentemente estamos aqui ou ali, onde estamos de verdade?

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Fábio Rodrigues

<a>Artista visual</a>