Quando escrevo sobre minimalismo, uma interpelação comum é:
“Ah, é muito fácil ser minimalista no Arpoador”.
Afinal, existe uma relação entre minimalismo e localização geográfica?
Rápida aula de geografia carioca
Moro em um conjugado de vinte metros quadrados no Arpoador.
O Arpoador, para quem não conhece a geografia carioca, é um microbairro de rico da zona sul, bem ali naquela zona indistinta onde Ipanema se encontra com Copacabana. Quem não sabe se mora em Ipa ou em Copa é porque mora no Arpoador.
Antes, eu morava em Jacarepaguá, num dois quartos amplo, com varanda, área de serviço, quarto de empregada, vaga na garagem. Um apartamento repleto de livros e coisas e objetos e badulaques.
Jacarepaguá é um bairro classe média da zona oeste da cidade, solidamente conservador. Um lugar muito bom pra se morar, mas distante das praias, dos teatros, dos museus.
Ou seja, longe de toda a minha vida social. Os amigos nunca me visitavam, não sabiam nem como chegar lá, e eu tinha que passar horas no trânsito para poder ir a uma peça na Zona Sul, a um museu no Centro ou remar na Baía de Guanabara.
Trocar um dois quartos (com carro) em Jacarepaguá por um conjugado (sem carro) no Arpoador dá na mesma em termos de grana, mas é uma verdadeira revolução minimalista.
A questão do carro
O carro é importante de mencionar.
O aluguel mais condomínio de ambos os apartamentos é basicamente igual, mas o de Jacarepaguá exigia (e, através da vaga na garagem, estimulava) que eu tivesse um carro, o que me gerava despesas e dores-de-cabeça infindáveis.
(Cálculos conservadores estimam que o custo anual de ter um carro pequeno no Brasil, sem contar o valor que você pagou pelo veículo em si, fica na faixa de R$17 mil.)
Já o conjugado no Arpoador não tem vaga na garagem, não tem vaga na rua sempre lotada e não tem nem mesmo (cheguei até a procurar) uma garagem mensalista por perto.
Mais importante, tem uma estação do metrô (com bicicletário do Bike Rio) na porta do prédio e inúmeras linhas de ônibus para a cidade toda.
Na mudança para a zona sul, também me despedi do meu Renault Clio.
Quando quero viajar, ou ir às praias de Abricó ou Itaipu, que são bem distantes, alugo um carro em alguma das inúmeras locadoras de Copacabana. Dividindo o custo com a minha companheira, sai por cerca de R$30 por dia. Nunca deixei de fazer nada por falta de carro.
(Sobre isso, três textos fundamentais pra você ler agora: Quanto vale morar perto do trabalho?, O seu estilo de vida já foi projetado & Carsharing: ninguém precisa ter um carro, mas pode precisar usar um)
Morar melhor é mais barato
Por incrível que pareça, morar na ó-tão-nobre-zona-sul, no uau-tão-rico-Arpoador, blá blá blá, pode até soar coisa de milionário metido a besta mas, na prática, em termos de aluguel e condomínio, custa a mesma coisa que morar em Jacarepaguá ou em tantos outros bairros classe média menos badalados da cidade.
Na verdade, levando em consideração os gastos com carro, acaba saindo muito mais econômico.
Esse raciocínio vale para qualquer lugar. Tive o trabalho de descrever ambos os bairros justamente para você poder pensar em áreas equivalentes na sua cidade.
A única questão é:
Você está disposto a gastar o mesmo valor, ou um pouco menos, para morar em um apartamento melhor localizado… mas muito menor?
Você trocaria espaço físico por qualidade de vida ou, pra você, espaço físico É qualidade de vida?
Será que você está passando horas por dia no trânsito só para morar em um lugar que, na prática, é um depósito de objetos que não usa? Será que não seria mais feliz abrindo mão desses objetos e morando perto do trabalho em um espaço muito menor?
Minimalismo não tem nada a ver com dinheiro
Minimalismo tem a ver com prioridades.
Em março, uma reportagem no Valor Econômico falou sobre a vida de várias pessoas pretensamente minimalistas, entre elas o milionário norte-americano Graham Hill. Muitos leitores gritaram coisas como “milionário não pode ser minimalista!” ou “é muito fácil milionário ser minimalista!”
As opiniões se anulam, mas aparentemente existiria uma incompatibilidade intrínseca entre ser minimalista e ter dinheiro.
A graça é que as duas coisas são completamente não-relacionadas. Dá pra ser minimalista bilionário. Dá pra ser minimalista pobre de marré-de-si.
Ser minimalista somente quer dizer fazer um esforço para viver com menos. Para possuir somente o essencial. Para se concentrar mais em experiências e em pessoas, e menos em objetos e em acúmulo de bens.
Cada um tem a sua própria definição de “essencial” ou “mínimo”, uma definição que muda com o tempo, de acordo com nosso caminho, nossa maturidade, nosso momento.
Para o designer, não é essencial ter um carro, mas ele precisa de um Mac última geração para fazer seu trabalho. Para mim, que só escrevo arquivos txt no Bloco de Notas, qualquer computador resolve, mas não é por isso que considero o designer menos minimalista por estar agarrado ao seu MacBookPro.
A moça que ontem tinha cem pares de sapatos e, hoje, a duras penas, conseguiu se convencer que dá pra viver só com trinta (mas não menos que isso!), pode amanhã conceber a vida com apenas dez. Quem somos nós para rotular ela disso ou daquilo?
Ninguém precisa ter feito voto de pobreza para se dizer minimalista.
Uma revolução minimalista
O minimalismo não tem nada a ver com quanto dinheiro você tem, mas pode ter tudo a ver com onde você mora.
Antes, morando longe da região mais culturalmente movimentada da cidade, eu tinha poucas experiências sociais relevantes e acabava tendo que me realizar em objetos, ou na internet. Quem leva uma vida chata consome mais.
Agora, morando em um cubículo no coração da Zona Sul, não tenho mais espaço pra guardar e acumular nada, mas os amigos me visitam mais, eu visito mais os amigos, vou mais à praia, vou mais ao teatro, vou mais a museus, curto mais a vida cultural da cidade.
Todo mundo que mora numa casa ou apartamento grande em uma área mais barata da cidade, de qualquer cidade, poderia, pelo mesmo valor, morar em um cubículo minúsculo e melhor localizado. Essa é a verdadeira revolução minimalista.
Às vezes, basta esse único gesto para mudar o eixo da uma vida. Para começar um novo caminho. Para deixar de ser uma pessoa que se realiza na aquisição e manutenção de objetos. Para viver mais sua própria vida e não a vida dos outros que você vê na televisão e nas revistas. Para priorizar relações humanas verdadeiras, encontros presenciais significativos e experiências culturais e sociais.
Então, respondendo à primeira pergunta, não é nem que é fácil ser minimalista no Arpoador.
Pra mim, na prática, só foi possivel começar minha jornada em direção ao minimalismo quando me mudei para o Arpoador.
Esse foi o momento que mudou o eixo da minha vida.
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Outro texto meu sobre minimalismo aqui para o PapodeHomem: Menos.
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Sábado agora, 25 de maio, às nove da manhã, a fotógrafa Claudia Regina e eu estaremos em São Paulo para um bate-papo sobre como começar nesse caminho do minimalismo. Mais detalhes aqui.
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