"Há Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;"
Eclesiastes 3:4

E assim chega meu tempo de dançar. Não, não fiz matrícula em uma escola de dança. Mas chegou meu tempo de compreender algumas músicas que na época do seu lançamento, sequer me chamaram atenção ou não tive a sorte de ser apresentado no seu devido tempo para essas canções.

E o mais engraçado disso é que a cabeça explode e você se pergunta — Como é que não percebi (ouvi nesse caso) antes? — os motivos são diversos como: falta do domínio da língua estrangeira, idade, fase da vida entre outros.

Dancei, chorei, ri e como sugeri o versículo de Eclesiastes (que por sinal acho muito bonito). Fiz tudo isso descobrimento e redescobrimento músicas que na época original do seu lançamento, não tinha dado a devida atenção pelos motivos citados há pouco.

Por estar eufórico, fiz uma lista dessas músicas “novas” para dividir com vocês essas (re)descobertas incríveis que deixaram meus dias com mais melodia e menos descompasso.

Um pouco de música diante de tanta notícia pesada desde que começou 2019 acho que vem bem a calhar não é mesmo?

Aperte o play e vamos conversar mais sobre as faixas a seguir:

Belle & Sebastian – The State I Am In (1996)

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Fui apresentado ao grupo indie da Escócia no início do novo milênio (por volta de 2000, 2001), mas não tive paciência. Estranha essa rejeição vinda de uma pessoa que cresceu ouvindo por influência dos irmãos mais velhos The Smiths, The Cure, New Order…Vai entender.

Chegou uma época que até peguei ranço do grupo com a mania deles não se mostrarem no início da carreira. Tempo depois em 2019 (em fevereiro para ser mais exato), estava na Galeria do Rock quando toca a faixa que abre este que hoje é o melhor álbum da banda pra mim.

A princípio, por conta do barulho e movimentação do local achei que fosse alguma faixa lado B do The Smiths, mas ao concluir que não se tratava da banda do Morissey, fui até a loja para saber o artista responsável por essa incrível canção e antes de ouvir do vendedor que era Belle & Sebastian, eu ouço este trecho:

“Got married in a rush to save a kid from being deported”

Deus salve os óculos escuros, pois meus olhos ficaram suados ao ouvir isso. Chorar em público, ainda mais por música, é algo que eu preciso aprender a soltar mais. Estou praticando, eu juro! Traduzindo, este trecho é mais ou menos: “Eu me casei às pressas para salvar uma criança de ser deportada”.

Vamos recapitular: o álbum foi lançado originalmente em 1996 com uma tiragem bem baixa (apenas 1000 cópias), mas em 1999 o disco foi relançado com uma tiragem bem maior. No Brasil, a gravadora Trama foi responsável pela versão nacional dos primeiros álbuns.

Como pode ser tão atual este trecho com o momento que vivemos em 2019 diante da situação dos refugiados no mundo? Não pensei duas vezes e comprei os três CD’s: Tigermilk, The Boy with the Arab Strap e Fold Your Hands Child, You Walk Like a Peasant.

Além do crescimento da pança e dos cabelos brancos, ficar mais velho tem suas vantagens, como compreender melhor certas coisas. Enfim, depois dos 30 anos, compreender esta música que abre tão bem o primeiro registro desse grupo indie que marcou a década de 1990, foi um dos melhores momentos que tive no carnaval 2019.

Rae & Christian feat Veba – All I Ask (1998)

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Essa aqui até conheci na época em algum momento de 1999 vendo clipes madrugadas afora na MTV. Foi paixão à primeira vista. O problema que esse tipo de clipe era raro passar na programação. Disk MTV nem pensar. Também não me recordo de ter ouvido isso na rádio na época.

Mas em novembro de 2018, estou ouvindo a Rádio Eldorado e minha cabeça explode ao ouvir a música. E olha que fiquei tanto tempo na procura do artista e do nome da canção na internet e, na hora do rush na saída do trabalho, eu escuto essa faixa maravilhosa do álbum Northern Sulphuric Soul. Não só a faixa All I Ask, mas o álbum inteiro é ótimo.

Resultado? Depois de uma caça por toda a Galeria do Rock, comprei o CD lacrado da Austrália pelo Ebay. Com um inglês um pouco melhor e feliz da vida por ter descoberto o nome daquela música que fez parte da minha adolescência, achei muito legal compreender esta parte da canção:

“The search for equality 
Is there something that'll set me free
I will always strive to fly
Bound to the center of our ever light”

A faixa conta com a participação da cantora Veba (que além de All I Ask, ela colabora nas canções Swang Song e Spellbound). Quanto aos CD’s, você não entendeu errado não! Eu comprei mesmo esses discos em 2019. Adoro o Spotify, mas o ritual do CD/LP é muito nostálgico, coisa de tiozinho mesmo. E olha, eu adoro uma nostalgia, principalmente musical.

Kings of Convenience – Misread (2004)

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Infelizmente, só fui descobrir esse duo (que no começo da carreira era trio) em 2017. Só não me recordo se eu estava em uma livraria de rua ou em um shopping. Quando tocou, usei um aplicativo que identifica o nome da música e artista. Achei tão atual o som.

Gosto dessa mistura do indie/folk e bossa nova na percepção dos gringos. Quando fui ver a data de lançamento do álbum Riot on an Empty Street eu tomei um susto! Não acreditei que isso foi lançado em 2004.

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Onde é que eu estava que não me deparei com esse duo antes?

Não consegui (ainda) comprar este CD, mas estou na luta. Além dos arranjos e melodia, a composição também merece destaque, como o trecho a seguir mostra:

“A friend is not a means
You utilize to get somewhere
Somehow I didn't notice
friendship is an end
What do you knowIt happened again”

Quem nunca né rs?

Talking Heads – The Big Country (1978)

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Uma das minhas bandas favoritas. E mesmo sendo uma das favoritas, fui pego de surpresa com essa faixa lindíssima.

Mesmo crescendo ouvindo a banda por conta dos meus irmãos mais velhos, eu nunca tinha ouvido The Big Country até metade de 2017.

A sonoridade tem todo o DNA do grupo, mas a surpresa de não ter sido apresentado antes para esta que é uma das melhores canção do quarteto (antes era The Lady Don't Mind) é algo difícil de explicar. Mesmo depois de 40 anos, ela ainda é bem atual tanto na sua composição e arranjo.

“I say, I wouldn't live there if you paid me.
I couldn't live like that, no siree!
I couldn't do the things the way those people do.
I wouldn't live there if you paid me to.”

Vale lembrar que a banda ficou mais conhecida do grande público nos anos 1980. Como o álbum é de 1978, e ainda mais falando de Brasil, não é surpresa as pessoas ouvirem essa faixa tanto tempo depois. Mesmo essa primeira vez sendo 2017.

David Byrne é danado. Muito danado.

Roberta Sá – Mais Alguém (2007)

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Onde é que eu estava que não tinha ouvido essa canção em 2007? Só Deus sabe (ou não).

Quando eu descubro uma música que não é da minha época, tudo bem, mas aqui estamos falando de 2007!

Ok, não tínhamos redes sociais tão em alta como hoje. Elas estavam engatinhando ainda. Sério mesmo, fico intrigado como não fui contemplado por esta sonoridade tão deliciosa na bela voz da cantora Roberta Sá. Até um tapinha na cara é feito com pura leveza e graça:

“Não deixe ideia de não ou talvez
Que talvez atrapalha”

Se atrapalha Roberta… Se atrapalha! Olha, eu ainda uso uns “não’, mas o “talvez” está sendo usado cada vez menos. É verdade que uma vez ou outra ele da as caras, mas depois de um sim (ou não também), ele desaparece.

Gal Costa – Divino Maravilhoso (1969)

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Às vezes ficamos tão fissurados em determinadas faixas de um álbum que esquecemos que ele pode ter outras canções tão boas ou ainda melhores daquelas que você está habituado a ouvir.

Esse LP frequentou minha casa, mas como mexer no toca discos não era algo muito simples para uma criança, (eu sempre riscava um disco) eu só ouvia o que os adultos colocavam. Sim, as faixas Baby e Que Pena era só no repeat.

Tomando um café em uma padaria próxima da praça da Sé no começo deste ano de 2019, começa tocar uma música que na hora, já matei que era Gal Gosta (sua voz é inconfundível).

Por um momento achei que fosse uma faixa nova da Gal por conta deste trecho:

“Atenção para o refrão
É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte”

E lá vou eu nessa coisa chamada internet buscar informações da canção. Não acreditei que a faixa pertence ao disco que tinha na minha casa. Eu nunca ouvi essa faixa em casa! Caetano Veloso e Gal Gosta fizeram um excelente trabalho neste álbum que estou correndo atrás da sua versão física em CD.

Dê uma chance ao álbum. Ouça inteiro. Você terá belas surpresas, como eu tive depois de tanto tempo ouvir esta raridade por completo.

David Bowie – As The World Falls (1986) 

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Eu conheço a música. Um frequentador de Antena 1, Alpha FM e afins não poderia deixar batido essa balada magnífica do camaleão. Porém, não me recordo dos locutores no momento de anunciar a canção comentarem que a canção foi trilha sonora do filme Labirinto, que tem o próprio no elenco. Fiquei boquiaberto por descobrir isso.

Engraçado que eu vi o filme no cinema, mas não tinha essa lembrança. E não foi pela rádio que descobri isso.

Do nada me veio a mente saber como seria o clipe dessa música então fui ao YouTube e tive a surpresa em abril de 2019.

“There's such a sad love
Deep in your eyes.
A kind of pale jewel
Open and closed
Within your eyes.
I'll place the sky
Within your eyes.”

Que começo de canção, não? David Bowie deixará saudades das suas várias faces, tanto na música quanto no cinema.

* * *

Os últimos 4 anos renderam essas descobertas.

Tardias em alguns momentos, é verdade, mas não importa.

Eu acredito que para quem gosta de música como eu, também deve ter passado por essa mesma experiência. Estou bem curioso para saber quais descobertas musicais tardias vocês tiveram. Conte-me nos comentários.

Vamos estender essa conversa.

Falar de música é tão bom quanto ouvir.

Mano Beto

Acha que falar de videogames é tão divertido quanto falar de futebol, música ou cinema em uma mesa de bar. Talvez com pouca cerveja na mesa, mas ainda é uma mesa, né?