Todos os grandes virtuoses — sejam músicos, dançarinos, pintores, escritores, programadores de TI, matemáticos, oradores, debatedores e até mesmo os mestres do crime — passaram anos estudando e aprendendo seu oficio e as regras, conceitos e técnicas embutidos na sua arte.

Esses virtuoses conhecem tão à fundo sua arte e suas técnicas, que são capazes de improvisar, incluir criatividades e fazer surgir novos recursos e formas de se relacionar com sua arte, sem, contudo, negligenciar todo o seu trajeto e aprendizado até lá.

Pense nos músicos de blues e jazz que improvisam dentro da musica original, sem estragar a peça ou modificá-la excessivamente. Ou pense nos caligrafistas que estudam e treinam um simples traço por anos, apenas para poder executá-lo o mais livre, relaxado, casual e autêntico possível.

“Vida Inteira”, arte de Fabio Rodrigues (instagram/@iodris)

O improviso, por incrível que pareça, vem de um profundo conhecimento das regras, técnicas, nuances e possibilidades da sua arte. Aprendemos as regras para depois poder ultrapassá-las.

Todas as lições, regras, ensinamentos, rotinas, repetições, rituais, instruções, leituras, estudos, práticas são válidas. O caminho inteiro é importante, até chegarmos ao fim e podermos ultrapassar tudo o que aprendemos.

Daí, agora, olhamos para as crianças.

Elas são a criatividade pessoalizada. A criatividade de tentativa-e-erro, a criatividade moleque, a criatividade despreocupada, destemida e desastrada. A vontade de fazer acontecer, pulsando em forma de pessoinha.

Elas nem sabem bem as regras, ainda estão aprendendo as técnicas pra ser gente no mundo, não dominam muito bem a forma de fazer as coisas, mas tem o princípio do que alguns mestres chamam de “mente de principiante”: uma mente totalmente aberta, receptiva, curiosa, flexível e criativa.

Elas estão no começo do caminho, mas já tem o que procuramos ao final dele.

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Ou como disse Pablo Picasso uma vez:

“Quando eu tinha 15 anos sabia desenhar como Rafael, mas precisei uma vida inteira para aprender a desenhar como as crianças”

Claro, elas tem essa mente criativa, ingênua, questionadora e receptiva, mas não sabem como utilizar essas qualidades em beneficio de si mesmas e dos outros, e, por isso mesmo, precisam passar por todo o caminho até chegar onde já estavam.

Por isso, nós adultos deveríamos tentar manter essa mente-de-criança presente neles sempre e até quando for possível, sem criar camadas rígidas de teorias, ideologias, convicções ou juízos desnecessárias, pois isso pode ajudar muito quando eles também forem adultos e precisarem ter criatividade e improviso para lidar com a vida.

 

Além disso, nós também podemos aprender muito com as crianças. E acho que o principal aprendizado é o de aprender as regras, treinar as técnicas, se aplicar no método, buscar a coordenação, seguir as instruções, mas, ao mesmo tempo, sem dar tanta importância pra tudo isso. Lembrar que precisamos aprender a desaprender, se quisermos ser originais, autênticos e criativos.

Assim, toda a vez que seu filho desobedecer suas normas ou determinações — demorando pra guardar os brinquedos, ou fugindo do banho, ou correndo quando você mandou andar, etc — pense nisso como o improviso dos grandes virtuoses: o seu filho sabe muito bem o que deve fazer, mas resolveu dar uma pitada criativa espontânea nessa nossa insistência de controlar tudo.

Marcos Bauch

Nascido na Bahia, criado pelo mundo e, atualmente, candango. Burocrata ambiental além de protótipo de atleta. Tem como meta conhecer o mundo inteiro e escreve de vez em quando no seu blog, o <a>De muletas pelo mundo</a>."