Desde ontem, as manchetes estão por aí: “Indústria do cinema assume responsabilidade pela morte do Popcorn Time”.
O sistema caiu há algumas semanas e, já que sou das épocas jurássicas do Twitter, foi em primeira mão que fiquei sabendo. Minha timeline bateu recordes de reclamações e foi aí que eu soube: muita gente era adepta do uso.
Dentro dos meus conhecimentos limitados de computação, consigo ainda compreender o porquê do aplicativo estar associado à pirataria e, consequentemente, ter dificuldades pra se manter no ar: ele funciona na base do torrent, exibindo filmes e séries novos que, muitas vezes, ainda não foram lançados no Brasil, mas cujos arquivos do formato já estão disponíveis online.
Há muita gente fazendo isso o tempo todo – o próprio The Pirate Bay vive sendo derrubado e migrando de endereço na web –, mas o diferencial do Popcorn Time é a instantaneidade: poupa-se o trabalho do download do arquivo e legenda. Os filmes são apresentados em formato parecido a outros sites legais de streaming, em um design cheio de capas convidativas, e bastava clicar sobre a imagem pra ter o filme rodando na tela.
Ninguém sabe o futuro do aplicativo, que pode voltar ao ar ou não. Mas o que ele plantou deu frutos e, junto a outros modos de consumo de entretenimento, a discussão sobre a legitimidade da pirataria, os preços da indústria cultural e o acesso de outros países à cultura visual estadunidense virou papo de mesa de bar.
O monopólio do cinema foi quebrado lá atrás, com a televisão, ainda que houvessem diferentes tipos de produção pra cada mídia – afinal, filmes da sessão da tarde provavelmente não rodariam bilheteria.
Paralelamente às videolocadoras, a TV a cabo deu conta de mais um pedaço dessa ruptura: em tempos de Windows 95, os caríssimos canais de filme bombavam novidades. Parecia supreendente que, um ano após o lançamento, a produção estivesse rodando a cada doze horas num mesmo conjunto de canais. Arriscaria dizer que foi num desses que você assistiu Tróia pela primeira vez.
O DVD teve seus cinco minutos de febre, junto da sua versão pirata – afinal, muito mais fácil falsear um disco do que uma fita cassete –, mas foi bem logo que vieram à tona os downloads. É claro que a ferramenta online não ficaria só na mão da pirataria de rua.
Ainda me lembro do primeiro site de downloads que descobri. Ainda na adolescência, tudo o que eu queria era assistir o próximo episódio de Grey’s Anatomy e a Sony, transmissora da série no Brasil, não colaborava.
Por recomendação de amigos, fiz o download comum, pelo navegador, do meu primeiro episódio, na maior pirataria handmade (será que posso ser presa por essa confissão?). Não foi até alguns anos mais tarde que descobri o torrent. Foi assim que levei meu consumo de entretenimento por alguns anos e é desse jeito que milhares de nós ainda o fazem.
A nossa demanda por um instrumento que ofereça variedade e acessibilidade está posta e provada desde quando topamos entrar nessa rede, isso é, desde quando ela se tornou penetrável – lá pros tempos de Windows XP, ao menos de forma popular. E fizemos isso tão rápido que me surpreende que tanto tempo tenha se passado até que a noção de que pagaríamos pelo serviço movimentou bundas.
Se o YouTube veio nessa mesma onda, oferecendo conteúdo por demanda – ainda que sua produção não fosse, inicialmente, voltada pro formato online –, plataformas como NetMovies, Hulu e, finalmente, Netflix, vieram alimentar as bocas que já estavam abertas há um tempo. Acertaram em cheio e estão fazendo dinheiro.
O mais recente indicador disso é que hoje, o streaming já é mais importante que a TV aberta na América Latina.
Ainda assim, o barulho da queda do Popcorn Time fez pensar: estamos realmente dispostos a pagar por conteúdo? É o atraso com que as produções chegam aqui ou é mexer no bolso o que mais nos incomoda?
Ainda que novos serviços popularizem e agilizem o consumo da produção cultural estadunidense por aqui, não dá pra ignorar o fato de que os moldes nos quais ela será produzida não vai mudar enquanto o seu financiamento seguir proveniente de grandes grupos que mandam os big bucks. Afinal, quem paga a banda toca o samba que quiser.
E a gente sabe: outras produções têm muito pouco espaço pra existirem. Se as mostras de cinema que estão rolando trouxeram cinema italiano, sueco, francês e brasileiro pro circuito, é importante lembrar que elas estão em São Paulo, atingindo um público que é consumidor de produção alternativa, mas, por questões de repertório cultural mas também geográficas, é restrito.
No Brasil, as salas de cinema estão sob regulamentação que garante uma maior variedade de filmes passando ao mesmo tempo, mas enquanto não sustentarmos financeiramente outros tipos de criação, consumiremos mais do mesmo das mãos que nos vêm alimentando já há algum tempo.
O grande problema da pirataria, então, parece residir na limitação que ela impõe sobre as outras possibilidades culturais. Precisamos pagar pelo conteúdo que queremos consumir pra que ele exista em multiplicidade.
Nesse sentido, iniciativas como o financiamento coletivo tão ganhando força. Mas, apesar de alguns filmes como O Renascimento do Parto e Coratio terem sido produzidos dessa forma, ainda há uma ausência da ficção com fins de entretenimento nesses campos.
Falei aqui, há um tempo, sobre a série 3% – brasileira, nasceu no YouTube e vai ser veiculada pelo Netflix. É possível, então, que o streaming pago esteja apontando pra melhor das soluções em termos de variabilidade e instantaneidade – especialmente se criações próprias seguirem sendo produzidas e fazendo sucesso.
Não sei apontar a resposta, mas não pude deixar de abrir o diálogo. Me chama nos comentários, amarra o fim desse apocalipse.
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