Breve teoria sobre por que músicas como “Hungry Ghost” fazem tão bem para nossa mente.

Link YouTube | Sugiro deixar tocando a versão de estúdio durante a leitura

Na maioria das músicas e na vida como um todo, nossa mente se agarra no que se move e vai acompanhando, se agitando junto, seja em uma conversa, em um episódio emocional ou no YouTube. As próprias músicas são criadas e tocadas com essa mente usual, sem algo que fique parado enquanto o movimento acontece. Você pode perceber isso observando como o corpo da maioria dos músicos se move junto com o som durante um show — não me refiro a movimentos livres, mas marcações de pé, tronco e cabeça, como se o músico estivesse grudado à pulsação da música.

Agora, quando ouvimos Brad Mehldau e Mark Guiliana em “Hungry Ghost” ou qualquer outra música mais elevada (há diversos exemplos das mais variadas culturas), nossa mente é convidada a focar a atenção em pelo menos duas camadas: a do movimento rápido, com a qual já estamos acostumados; e uma segunda, mais rara, mais fundamental, que quase não se move, que está para o som assim como o espaço está para os objetos.

É um tipo de música que usa o som para expressar um silêncio mais profundo do que a mera ausência de som que a precede.

Para conseguir isso, os próprios músicos não podem se identificar, se fixar, colar em cada som que produzem, igual normalmente acontece nas músicas. Eles precisam estar em repouso, em outro lugar, quase imóveis. E isso a gente pode observar de modo ridiculamente evidente nas mãos do Brad Mehldau: ele não está pirando com ambas. Uma segue um ciclo em 7 como se não saísse do lugar enquanto a outra vai para além das nuvens. Idem nas mãos de Mark Guiliana: justamente porque ele está livre e relaxado é que ele consegue fazer tanta coisa, algo super difícil para um baterista que tentar operar com uma percepção que se estreita ao focar 100% em cada virada.

O resultado é esse: a gente vai aprendendo que é possível ir para todo lugar sem sair do lugar, pensar sem se fixar ao conteúdo dos pensamentos, se emocionar sem colar nas emoções, se relacionar sem controlar, trabalhar muito sem tanto esforço, ser alguém sem se confundir, sem se identificar totalmente com o que somos a cada momento.

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Vamos ganhando espaço, lentamente conduzidos para um silêncio incessante que sempre esteve de fundo, que é a verdadeira trilha sonora da nossa vida.

Músicos e artistas tem o poder de transmitir seus estados mentais e suas qualidades sutis, para o bem e para o mal. É por isso que Taming the dragon é um álbum tão divertido, para eles e para nós: quando vivemos assim, sem tanta fixação, nos relacionamos com a natureza lúdica das construções, brincamos, sorrimos mais.

Aqui eles ao vivo para você verificar se a teoria procede:

Link YouTube | Perceba como eles não estão fixados à pulsação em 7 e por isso improvisam de um jeito tão maluco

* Soube hoje que Brad Mehldau voltará a São Paulo em agosto para três apresentações em duo de pianos (outro projeto dele) na Sala São Paulo. Ele vai ao Rio de Janeiro também, na Sala Cecília Meireles. Tive a sorte de vê-lo duas vezes ao vivo, é imperdível. A venda dos ingressos em SP começa dia 30 de junho.

Sobre a série colaborativa “Mundo interno”

Junto com as pessoas que participam do lugar e também com qualquer leitor ou leitora do PdH que quiser colaborar, vamos publicar alguns textos com essa motivação de mapear e ganhar clareza sobre nossos mundos internos.

A ideia é descrever em primeira pessoa, iluminando por dentro, processos que normalmente são abordados de modo exteriorizado. Será um exercício de introspecção e também de linguagens mais precisas, estimulado empatia e conversas mais profundas sobre qualidades, obstáculos e dinâmicas presentes na maioria de nossas experiências.

Em vez de testar mais um método de mudanças de hábitos e comportamentos, como posso trabalhar diretamente com os processos sutis de distração, torpor e ansiedade? Se lá fora vejo qualquer que seja o fenômeno, o que vejo quando olho para dentro? Qual o mundo interno de uma empresa, de uma música, de um show? De uma avenida congestionada? De um site como o Facebook ou o PapodeHomem? Quando aparentemente estamos aqui ou ali, onde estamos de verdade?

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Gustavo Gitti

Professor de <a>TaKeTiNa</a>