A história do meu novo livro Atenção., tem início em julho de 2002, quando comecei a escrever uma série de ensaios chamada As prisões, sobre as armadilhas cognitivas que construímos para nós mesmas: Felicidade e Liberdade, Dinheiro e Trabalho, Religião e Sucesso, etc. (Falo mais sobre esse projeto aqui.)
Um pouco mais tarde, em março de 2003, criei um site especificamente para publicar esses ensaios. A recepção foi muito mais positiva do que eu podia esperar e venho desenvolvendo esse projeto desde então. Ao longo desses dezessete anos de escrita profissional, sete livros e diversos artigos publicados, o livro que ainda não consegui terminar foi justamente o mais pedido: o tal livro das Prisões.
Eu não conseguia terminá-lo porque o projeto em si transformou a pessoa que eu era e, ao me transformar, também se transformou.
Originalmente, o objetivo dos ensaios sobre as prisões era mapear tudo aquilo que me prendia para que eu pudesse me livrar das minhas amarras e realizar meu potencial. Ou seja, era um projeto intrinsecamente individualista e autocentrado, escrito por um homem egocêntrico e vaidoso pensando apenas em sua própria liberdade.
Mas não sei se foi a experiência de ser refugiado climático durante o furacão Katrina; ou se foram as aulas de humanas em universidades públicas; ou se foi somente o tempo, que quando não nos amadurece nos mata; mas o meu próprio projeto começou a me parecer adolescente e simplório, mesquinho e conformista.
(Em um mundo onde a publicidade nos vende uma rebeldia de butique que equaciona trocar de carro com autonomia e originalidade, o que pode ser mais conformista do que querer a própria liberdade pessoal a todo custo?)
Então, em 2009, enquanto morava em Nova Orleans, desisti do projeto As prisões, comecei a praticar zen em um templo local e, no dia 3 de dezembro, publiquei em meu site pessoal o primeiro texto de uma nova série que chamei de Aulas de Empatia:
1 – Dar-se conta
2 – Ver
3 – Extrapolar
4 – Ouvir
5 – Sentir
6 – Interagir
7 – Ser
Ao longo dos dez anos seguintes, esses textos foram sendo escritos e desenvolvidos, reescritos e expandidos, até se transformarem no livro que você acabou de ler.
A própria série mudou de nome diversas vezes. Em um primeiro momento, troquei “aulas” por “exercícios”. (Quem sou eu para dar aulas de empatia?)
Depois, troquei “empatia” por “atenção”. (Empatia é passiva e paroquial demais, como falo na 20ª prática, Dar o passo.)
Finalmente, troquei “exercícios” por “práticas”. (Exercícios são atividades chatas que fazemos por obrigação, práticas são atividades transformadoras que moldam nosso estilo de vida.)
Os textos das aulas, agora práticas, também sofreram muitas alterações. Dar-se conta transformou-se na atual 3ª prática Dar-se conta das pessoas. Ver, na 4ª, Ver na sua totalidade. Extrapolar, na 14ª, Habitar outra pessoa. Ouvir, na 7ª, Ouvir com atenção plena. Sentir, na 2ª, Manter um olhar generoso.
Interagir foi expandida e se transformou nas práticas 8ª, 9ª, 10ª e 11ª: Praticar o não conhecimento e Abraçar a não certeza, Exercer a não opinião e Abdicar do debate. Finalmente, Ser foi convertido na atual 19ª, Escolher agir com cuidado.
Desisti de escrever sobre As prisões, mas as minhas pessoas leitoras não desistiram de ler e falar sobre As prisões. Por fim, na virada de 2012 para 2013, em meu ponto financeiro mais baixo e precisando de dinheiro, atendi os pedidos e comecei a viajar o Brasil falando sobre As prisões, da Autossuficiência ao Sucesso, da Obediência à Liberdade.
Mas, para mim, ainda mais depois de largar uma carreira de 18 anos em sala de aula, palestrar sobre os mesmos temas, repetidas vezes, era infinitamente chato. Muito mais interessante era saber quem eram aquelas pessoas, de Belém ou de Brasília, de Salvador ou de Curitiba, que tinham saído de casa para me ouvir: o que queriam de suas vidas?, o que sonhavam?, quais eram seus medos?
Por isso, antes de começar a palestrar, eu pedia para as pessoas se apresentarem. E, enquanto falavam de si mesmas, eu sempre tinha perguntas: como assim?, seu pai?, mesmo?, desde quando acontecia?, etc.
As participantes respondiam e contavam, se abriam e se emocionavam. E as outras participantes também se interessavam e se identificavam, e compartilhavam suas vidas e seus traumas, suas alegrias e suas experiências.
Um dia, em Belo Horizonte, em plenos protestos de junho, metade das participantes fedendo a vinagre, eu me dei conta: em um evento que deveria durar seis horas, teoricamente ocupadas por mim palestrando sobre As prisões, acabáramos de passar as primeiras quatro apenas nos apresentando.
E tinha sido incrível. Todas aquelas pessoas compartilhando suas vidas, se abraçando e se acolhendo, conversando livremente sobre os temas mais espinhosos da humanidade, era muito mais interessante, muito mais importante, muito mais impactante do que qualquer palestrinha que eu pudesse dar, do que qualquer textinho que eu pudesse escrever.
Infelizmente, quando pessoas criadas em uma sociedade individualista e autocentrada se juntam e começam a falar, a situação logo se transforma em uma feira livre, repleta de interrupções prematuras, comentários invasivos, debates acalorados.
Então, aos poucos, muito contra o meu temperamento, fui obrigado a impor regras, algumas inspiradas por Práticas de Atenção que já tinha escrito, outras surgidas no calor do momento e dando origem a novas Práticas de Atenção que escrevi mais tarde. Todas essas regras, as novas e as antigas, foram sendo modificadas e adaptadas, desenvolvidas e melhoradas pela vivência dos encontros, realizados em todo o Brasil, com milhares de pessoas de todos os tipos, de 2013 até hoje.
Assim, a palestra As prisões se transformou no encontro As prisões, não mais sobre o escritor Alex Castro palestrando sobre sua série de ensaios As prisões, mas com a pessoa humana Alex promovendo uma instalação artística, livre e flexível, improvisada e imprevisível, onde outras pessoas podem falar e ouvir, se abraçar e se acolher, da maneira menos autocentrada e egocêntrica possível.
Os anos foram passando e, enquanto a prática dos encontros me estimulava a escrever e reescrever os textos sobre atenção que compõem este livro, outra mudança aconteceu: eu des-desisti do projeto As prisões.
Enquanto minha atenção estava depositada somente em mim mesmo (esse tema ó-tão infinitamente fascinante!), a Monogamia e o Trabalho, a Religião e o Dinheiro me pareciam terríveis prisões que limitavam a minha autonomia. Quando comecei a escrever sobre cuidado e destravei minha atenção, meu horizonte se expandiu.
Sim, os textos sobre As prisões eram autocentrados e individualistas, mas as tais prisões não eram menos prisões por causa disso. Porque, de fato, nenhum dos meus problemas, nenhuma das minhas prisões, era realmente individual. Qual problema individual não é compartilhado com milhões, talvez bilhões de pessoas? Todos os problemas são coletivos.
Ou seja, não era o caso de desistir do projeto As prisões, mas somente de mudar a perspectiva dos textos: de colocar minha atenção não mais no individual e sim no coletivo; de escrever não mais para pessoas interessadas somente em si mesmas e sim para pessoas interessadas em serem pessoas melhores para as outras pessoas.
Por fim, me dei conta: eu tinha desistido dos textos de As prisões em prol das Práticas de Atenção, mas todas eram partes do mesmo projeto. O que as Práticas de Atenção fizeram por mim também poderiam fazer pelas pessoas leitoras de As prisões: destravar sua atenção e ampliar seus horizontes.
Assim, nasceu o livro, Atenção., publicado pela editora Rocco em 2019, a ser seguido em breve pelo livro das Prisões, ambos partes do mesmo projeto: Prisões é a teoria, Atenção. é a prática; Prisões é o diagnóstico, Atenção. é o tratamento.
Atenção. é a conclusão necessária das Prisões.
Já conhece o Alex Castro?
O Alex Castro é escritor e grande colaborador do PdH desde os primórdios do site. Nesses anos de parceria, Alex publicou grandes séries como Exercícios de Atenção – que propõe práticas cotidianas para desenvolver o cuidado com o outro –, e As Prisões, na qual ele aborda "bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida".
Alex também foi o responsável por criar para o PdH o guia Feminismo para Homens, Um Curso Rápido e O Guia Pessoal para Conversas Políticas, além de escrever textos sobre valores, espiritualidade, mente e atitude que contribuem constantemente para o crescimento – individual e coletivo – da comunidade Papo de Homem.
Seu novo livro, Atenção.(ensaios, 2019) foi escrito como continuidade ao tema proposto por Alex em Outrofobia (ensaios, 2015). Seus outros livros são: Mulher de um homem só (romance, 2009), Onde perdemos tudo (contos, 2011), e Autobiografia do poeta escravo (história, 2015).
Quem quiser saber mais sobre o livro Atenção., pode dar uma olhada no site do Alex Castro e acompanhá-lo nas redes sociais (@outrofobia).
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