Por mais que a mudança de ano seja uma construção onírica, vamos admitir: a maioria das pessoas fica mais aberta, tanto é que em vez de “Tenha um bom dia” ou “Boa semana para você!”, expandimos nossa percepção: “Que você tenha um ótimo ano!”
Para aproveitar esse momento (assim como fizemos no começo de 2014), convidamos os participantes do lugar para contar qual prática têm testado e que poderiam sugerir de coração para reorientar outras vidas. A lista abaixo é um compilado do que as pessoas enviaram.
Esta não é uma lista de curiosidade, apenas para ler e compartilhar. Se você, por exemplo, realmente parar todo dia e não mais compartilhar inutilidades (duas das 15 práticas), é certo: sua vida vai ficar mais leve e sua presença mais benéfica às pessoas ao redor.
Vamos lá?
1) Escutar um a um
“O maior presente que podemos dar ao outro é nossa atenção” —Laurence Freeman
Começar a fazer uma coisa tão simples quanto realmente ouvir as pessoas, com interesse, sem pressa e julgamento, é uma coisa que pode, aos poucos, impactar toda a forma como vivemos, conduzimos as relações e vemos o mundo.
É simples. Todos tem o que falar. Quando sentimos que o outro tem algo a dizer, que tem alguma dificuldade, nós apenas ouvimos — paramos para isso, chamamos para um café, para um Skype, oferecemos nossa presença. Não fazemos como se fosse uma coisa que já fazemos (para um barzinho etc), chamamos para fazer isso, explicitamente, especialmente, fazemos uma coisa nova.
Para isso, não precisamos ser mestres e sempre saber o que fazer. Ouvimos e então falamos com o coração: “Olha, eu não sei o que é o melhor para se fazer, mas eu queria muito ajudar, de verdade, queria muito aprender. Podemos descobrir juntos como destravar isso…”
Com esse foco, faremos alguns encontros este ano: “Rede: como ajudar a si mesmo e aos outros”.
2) Parar cinco minutos a cada dia
“Numa era de velocidade, nada é mais revigorante quanto ir devagar. Numa era de distração, nada é mais luxuoso quanto prestar atenção. E numa era de constante movimento nada é mais urgente quanto se sentar quieto.” —Pico Iyer
Apenas sente. Exerça a liberdade radical de tomar nas mãos 5 dos 1440 minutos do seu dia. Faça a experiência, sente-se, pare, relaxe, respire. E se achar difícil, desconfie: de quanta liberdade você realmente desfruta?
3) Não compartilhar bobagem e conteúdos danosos
Vale para o Facebook, mas também para a vida: lembre-se que o tempo e a atenção, nossas e dos outros, são as coisas mais valiosas. Ao compartilhar algo, pense: isso poderá causar maior benefício e abertura ou maior dano e fechamento? Poderá ajudar a quem e de que forma? Com qual motivação estou fazendo isso — raiva, orgulho, inveja… ou compaixão, empatia, generosidade, cuidado?
Nós temos responsabilidade sobre o mundo e sobre as pessoas. Melhor lembrar o quanto antes que todos desejamos estar bem e nos apoiarmos nisso, enfim, mais e mais. Melhor parar de prejudicar e distrair os outros e a nós mesmos o quanto antes e de todos os jeitos.
4) Entender o dinheiro como energia
Assim como o tempo, os projetos para os quais direcionamos nosso dinheiro são (ou deveriam ser) os projetos em que realmente acreditamos. Nosso extrato diz muito sobre nossas crenças. Não adianta postar no Facebook sobre como nossos políticos erram ao direcionar a verba que lhes é confiada, mas não conseguir direcionar minimamente nosso próprio recurso financeiro.
Quem você beneficia quando você gasta o que você gasta? O que você apoia quando você compra o que você compra?
5) Parar de ignorar a morte
A clareza de que a morte é certa e inesperada reorienta nossas prioridades e traz à tona o que realmente importa. Além de lembrar diariamente de que vai morrer, você pode começar a preparar tanto a logística do processo quanto sua mente, pode começar já a se despedir das pessoas queridas e não resistir tanto à realidade da impermanência — do corpo, das ideias, do jeito como passamos os fins de semana, de cada momento que parece estável…
Marcar o fim, ritualizar as passagens nos deixa mais confortáveis nesse mundo de despedidas. Pouco a pouco, vamos incorporar o hábito de falar abertamente sobre a morte, para que ela se torne cada vez menos um tabu. (Neste ano, vamos dedicar outros encontros para isso.)
6) Quebrar a diferença entre estranhos e conhecidos
No grupo de estudos Sobre a arte de viver, muita gente se surpreendeu com o quanto cada um sem querer acaba se estreitando em um grupinho de amizades. Ao se dispor a falar com estranhos sobre questões íntimas (relacionamento, trabalho, dinheiro, morte, tempo…), descobrimos que quase não fazemos isso, não colocamos nossas visões e ações na mesa para serem contestadas, entendidas, revisitadas, muito menos entre desconhecidos.
Olhe ao redor: é cada vez é mais difícil para adultos abrirem novas amizades. No fundo, mais do que amigos, queremos ser parceiros de absolutamente cada e toda pessoa, então já podemos começar mesmo antes do primeiro “Oi”, ao não mais pensar em termos de estranhos e familiares.
7) Fazer um caderno de seres
Escreva o nome de todas as pessoas que você já encontrou na vida, adicione as recentes sempre e leia com alguma frequência. Isso nos ajuda a acompanhar, se alegrar e ajudar mais vidas, além de evidenciar quais relações precisamos pacificar, quais pessoas estamos excluindo ou olhando de modo inferior.
Assim que escrevemos um nome inteiro a cada linha, começa a parecer absurda nossa tendência a ver uma pessoa como “ex-namorada”, outra pessoa como “vizinho com quem nunca converso”, outra pessoa como “cliente de tal empresa”… E assim fica mais fácil ampliar a relação que temos com ela, unilateralmente, sem precisar necessariamente entrar em contato.
8) Parar de culpar pessoas e situações
Podemos nos debater e encontrar mil justificativas, mas a realidade é a seguinte: nosso sofrimento e nossa felicidade não surgem de algum evento externo, mas de uma presença interna. Tanto é que depois de alguns anos somos capazes de sorrir ao lembrar de uma situação que na época parecia completamente densa e intransponível — mesmo quando nada mudou, como no caso de uma relação paralela (“traição”) que deu origem a um outro casamento duradouro.
9) Cultivar compaixão consigo mesmo
A medida de compaixão que temos com os outros é exatamente a mesma medida que conseguimos ter com nós mesmos. Quando não temos compaixão conosco, não temos com mais ninguém. E se agimos como se tivéssemos, é provável que, em alguma medida, seja uma farsa, algo que demande grande energia e esforço, feito por entendermos que agir desse modo será bem percebido.
Muitas vezes nós somos nossos piores inimigos, principalmente quando buscamos algum tipo de autoestima (algo bem diferente de autocompaixão). Somos duros, impacientes, não aceitamos o ponto em que estamos e não confiamos em nosso potencial de transformação.
10) Agradecer e apreciar
Se você não tem a quem agradecer, desconfie: você não está olhando direito ou você está isolado.
É muito saudável agradecer (às vezes explicitamente) pelas coisas que geralmente tomamos como certas. Isso vale para o jantar preparado pelo marido ou pela esposa, para o garçom que nos serve, para alguém que me ajuda quando deixo algo cair, para o lixeiro, para o carteiro… enfim, oferecer um “Obrigado” de coração pelas pequenas gentilezas burocráticas que acontecem vez ou outra.
Abrir o olho da gratidão naturalmente desvela o universo de bondade no qual estamos imersos. E a bondade nos leva a apreciar a riqueza da nossa condição presente, seja ela qual for. Depois é mais fácil ver qualidades, elogiar, agir para que floresçam, desejar a felicidade de mais e mais pessoas (treinando na arte rara do amor genuíno), e criar relações a partir dessas qualidades amplas uns dos outros.
11) Boicotar iniciativas danosas
Pesquise e pare de apoiar pelo menos uma empresa ou marca que piora nossa vida ou age contra suas visões de bem-estar coletivo. Se você não boicota nenhuma organização, é fácil começar: pare, por exemplo, de tomar refrigerantes e instale um adblock. Se você já boicota e quiser uma inspiração adicional, veja essa lista de corporações e a lista de boicotes do Eduardo Pinheiro.
12) Parar de falar mal dos outros
Por mais “espiritualizados” que alguns se considerem, ainda não superamos esse mal hábito coletivo de fofocar e falar mal, congelando as pessoas e nos afastando uns dos outros. Melhor ficar quieto ou experimentar um outro tipo de fofoca: “O outro está passando por tal obstáculo, o que podemos fazer?”
Além disso, podemos fazer o voto de evitar piadas, discursos e comportamentos que reforcem preconceitos contra grupos dos quais não fazemos parte. Podemos reconhecer o racismo, a homofobia ou o machismo e a cultura do estupro, por exemplo, e apoiar iniciativas que focam em reduzir o sofrimento.
13) Substituir o “Tudo bem?”
Ao retomar contato com alguma pessoa, veja se um “Como vai?” funciona sem que você se abra primeiro, não apenas listando fatos, mas falando de seu mundo interno sem pés atrás. Experimente brincar com a pergunta clássica, trocando-a por algo como “Você está sonhando e avançando em que direção?”, “O que você realmente tem feito?”, “Qual foi o momento mais importante dessa semana?”, “Aflito por algo?” ou o que fizer mais sentido na hora.
14) Não exigir
Exigir é talvez a ação que mais destrói uma relação. Exigir é um tipo de violência. Exigimos com o olhar, exigimos com atitudes indiretas, exigimos incessantemente até ao pensar nos outros. Quem somos nós para interromper uma pessoa no meio da rua e forçá-la em alguma direção? E o que muda quando essa pessoa vive conosco há 10 anos?
Guardem isso no coração: o outro é livre, o outro é criativo. Antes de ligar para a esposa (marido, filha, funcionário, amiga…), lembre-se que naquele exato momento a pessoa está seguindo com sua vida; antes do “oi”, depois do “tchau” e até durante a conversa, ela não é sua esposa. Melhor liberar o outro, dispensá-lo do trabalho de nos fazer feliz. E assim nos desobrigar de fazê-lo feliz, intensificando a alegria em ajudá-lo em seu florescimento, sem a sensação de cobrar ou pagar dívidas.
15) Ter um sonho claro para 2015
Diferente de fazer um planejamento, apenas permita-se sonhar o que você gostaria que acontecesse de realmente relevante e positivo para este ano. E então bote no papel, liste 5, 10, 15 itens, coisas que te causam alegria só de pensar.
Por relevante e positivo, podemos entender as coisas que são mais condizentes com nossa aspiração fundamental por felicidade genuína, ainda que sejam simples — entrar em tal curso, fazer tal formação, iniciar um encontro semanal para chá, conversa e silêncio, ir a três retiros, se empoderar das finanças e fazer as mudanças de trabalho, cidade ou casa…
Ao sonhar, consideramos que as circunstâncias podem mudar a qualquer momento e que isto não é um problema. A lista pode sempre ser refeita, como um GPS que nunca se cansa de encontrar a melhor rota. Para algum lugar nós vamos de qualquer jeito, então é melhor que tenhamos algum direcionamento.
* Esse é um post colaborativo escrito também por Fábio Rodrigues, Eduardo Amuri, Leiliane Abreu, Daniel Gisé, Marcos Bauch, Isabella Ianelli, Guilherme Valadares, Tatiana Monnerat, Mel Oliver, Rafael Peron, Paulo Carvalho, Vítor Barreto, Alan Nakano, Mirian Hasegawa e Daniela Godoi.
E você? Quais práticas deseja fazer em 2015?
Nos comentários, seguimos a conversa.
Deixo o convite para você contar seus sonhos e também quais práticas deseja realmente começar.
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