Insatisfação com os limites da Autoajuda faz surgir um novo gênero: a Outroajuda

Tema já começa a ser objeto de pesquisas no exterior e, no Brasil, Rocco lança livro sobre práticas de atenção.

Nos últimos anos, a autoajuda e o autoconhecimento, a empatia e o desenvolvimento pessoal, tornaram-se mercados multibilionários. Entretanto, cada vez mais pessoas já sentem as limitações dessas abordagens, por considerá-las egocêntricas e autocentradas, sempre voltadas somente para o indivíduo e nunca para a coletividade. 

O psicólogo canadense Paul Bloom, professor da Universidade de Yale, é um dos mais recentes detratores da empatia. Em seu livro Against Empathy: The Case for Rational Compassion ("Contra a empatia: por uma compaixão racional"), lançado em 2016, Bloom afirma que a empatia não é necessariamente uma boa guia de conduta moral: por ser emotiva, ela é facilmente manipulável e, por ser paroquial, ela sempre nos levaria a uma maior identificação com quem é mais parecido conosco. "A empatia piora o mundo", provoca ele em entrevista à Folha(26/3/17).

A partir dessas insatisfações, começam a surgir novas técnicas e métodos com uma abordagem mais política e dialógica, menos focadas nas trasformações internas e mais nas externas. Ou seja, menos Autoajuda e mais Outroajuda.

A Comunicação Não-Violenta, técnica desenvolvida por Marshall Rosenberg, talvez seja a mais importante, com sua ênfase em parceria e cooperação, estabelecimento de valores comuns e construção de acordos empáticos. Ou seja, a CNV é uma prática que só se realiza na interação com o Outro.

As Práticas de Atenção, criadas pelo escritor Alex Castro, seguem a mesma linha. Em seu livro Atenção., lançado pela Editora Rocco em 2019, o autor propõe vinte Práticas de Atenção, como Ver na sua totalidadeOuvir com atenção plena, Cultivar o silêncio e Acumular menos, sempre a partir de uma postura de não conhecimento e não certeza, não opinião e não debate.

Ao invés de autoajuda, Castro defende o que chama de "outroajuda". "De que adianta um desenvolvimento pessoal voltando somente para a pessoa que está se autodesenvolvendo?", provoca Castro.

"Se quero me transformar em uma pessoa melhor somente para meu próprio benefício, de que maneira isso é ser uma 'pessoa melhor'? Melhor para quê? Melhor para quem? Desenvolvimento pessoal só faz sentido se nos transformar em pessoas melhores para as outras pessoas."

Ao invés de autoconhecimento, Castro defende a autoconstrução. "O que há para ser conhecido ou descoberto dentro de nós são os preconceitos e superstições da nossa sociedade outrofóbica", afirma Castro. "Por outro lado, em cima disso, existe um infinito potencial de autocriação: nesse mundo canalha e egoísta, quem queremos nos construir para ser?"

Ao invés de empatia, Castro defende o altruísmo. A empatia pode ser passiva, mas o altruísmo é sempre necessariamente ativo, engajado, político. "Se sinto empatia profunda por todas as dores do mundo em minha cabana isolada no meio floresta, sem contato com ninguém", pergunta Castro, "faz diferença?"

Métodos como a Comunicação Não Violenta, de Rosenberg, e as Práticas de Atenção, de Castro, parecem simbolizar uma nova preocupação dentro do desenvolvimento pessoal, com foco não mais no eu, no ego, no indivíduo, e sim na coletividade, no grupo, nos Outros.

Hoje, nas estantes de Autoajuda das livrarias de aeroporto, é fácil encontrar títulos como "Você merece conquistar a felicidade!", "Dicas de oratória para executivos ocupados" e "Meditação para empreendedores". Em breve, talvez encontremos títulos como "Você deve servir sua comunidade!", "Dicas de escutatória para filhos carinhosos" e "Meditação para cuidadores" na estante... de Outroajuda.

Já conhece o Alex Castro?

O Alex Castro é escritor e grande colaborador do PdH desde os primórdios do site. Nesses anos de parceria, Alex publicou grandes séries como Exercícios de Atenção – que propõe práticas cotidianas para desenvolver o cuidado com o outro –, e As Prisões, na qual ele aborda "bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida".

Alex também foi o responsável por criar para o PdH o guia Feminismo para Homens, Um Curso Rápido e O Guia Pessoal para Conversas Políticas, além de escrever textos sobre valores, espiritualidade, mente e atitude que contribuem constantemente para o crescimento – individual e coletivo – da comunidade Papo de Homem. 

Seu novo livro, Atenção.(ensaios, 2019) foi escrito como continuidade ao tema proposto por Alex em Outrofobia (ensaios, 2015). Seus outros livros são: Mulher de um homem só (romance, 2009), Onde perdemos tudo (contos, 2011), e Autobiografia do poeta escravo (história, 2015).

Quem quiser saber mais sobre o livro Atenção., pode dar uma olhada no site do Alex Castro e acompanhá-lo nas redes sociais (@outrofobia).


publicado em 30 de Julho de 2019, 14:02
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Redação PdH

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